Incentivos para TV: um novo capítulo nessa história

Por José Maurício Fittipaldi

Já aproveitamos este espaço, mais de uma vez, para falar das possibilidades trazidas pela legislação de incentivo para a produção de conteúdos para o mercado de televisão. A partir de 2006, com a criação dos arts. 1º-A e 3º-A da Lei do Audiovisual, essa possibilidade ampliou-se, trazendo à tona um debate um tanto delicado: a utilização de incentivos para produção de conteúdo para as redes de televisão aberta, de caráter comercial.

O debate não é novo e até a criação do mencionado art. 3º-A, a posição da ANCINE era peremptória: não aprovava projetos cuja exibição inicial se desse em canal de televisão aberta (a menos que estatais). É importante frisar que tal posicionamento era fruto de diretriz administrativa da própria Agência, uma vez que a legislação não faz qualquer distinção, em relação ao uso de incentivos, entre os mercados de TV aberta e fechada.

O advento do art. 3º-A, no final de 2006, pareceu por alguns momentos que iria alterar esse panorama. Isto porque tal mecanismo de incentivo baseia-se no imposto de renda pago em função da aquisição de conteúdo audiovisual e de eventos esportivos no exterior, dos quais as redes de TV aberta são as maiores compradoras. Portanto, pensou-se, serão as principais utilizadoras deste mecanismo e, dessa forma, produzirão conteúdo para veiculação na sua própria grade de programação – o que imediatamente gerou na ANCINE reação de apreensão, ainda que a legislação, por meio do art. 3º-A, tenha buscado justamente isso: aproximar produtores independentes das redes de televisão.

Neste momento, a posição da Agência é de indefinição: projetos propostos visando à utilização do art. 3º-A para veiculação em emissoras de TV aberta têm tido sua tramitação suspensa, com base em decisão interna da Diretoria Colegiada (órgão máximo da ANCINE), alegando-se que está sendo preparada instrução normativa específica para regulamentar a produção, com incentivos fiscais, de conteúdos para TV aberta.

Do ponto de vista jurídico, a solução é duvidosa: diante do vácuo legislativo, a Agência se posiciona pela inação, quando na verdade já deveria ter regulamentado a questão, uma vez que a Lei que criou o art. 3º-A está para completar três anos de vida; ademais, parece descabido alegar que os projetos estão suspensos aguardando regulamentação futura – como pode uma regra que sequer existe servir de fundamento para uma decisão atual?

Esse cenário de insegurança jurídica também gera dúvidas no mercado de produção independente. Produtores não sabem ao certo como se posicionar para aproveitar as novas oportunidades ou que tipo de conteúdos poderão produzir e ficam inseguros, sobretudo em relação à aproximação com as emissoras de TV vislumbrando parcerias futuras.

Não há dúvidas de que não se pode permitir que a programação atualmente produzida pelas emissoras passe automaticamente a ser financiada com recursos de incentivo fiscal, sobretudo quando se mostram sustentáveis do ponto de vista econômico. Algo há de ser feito para impedir que produções que já componham a grade das emissoras sejam financiadas com recursos de natureza pública. No entanto, é urgente que tais regras sejam produzidas e integrem o debate público o quanto antes, sob pena de se causar ainda maiores prejuízos.

Prejuízos, estes, que não se resumem aos produtores e ao setor audiovisual, mas também são arcados pela sociedade em seu conjunto. Afinal, é direito de todos os cidadãos o acesso ao conteúdo audiovisual produzido com recursos públicos, e a melhor maneira de difundir este conteúdo é permitir sua veiculação nas redes de televisão aberta, dentro de regras que privilegiem o interesse público.

 

José Maurício Fittipaldi é advogado do escritório Cesnik, Quintino & Salinas Advogados.

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