Violento e profano
Gary Oldman é um dos atores mais emblemáticos dos anos 80 e 90. Sua imagem está indissoluvelmente ligada a “clássicos” do período, como “Sid e Nancy – o Amor Mata” (1986), “JFK – a Pergunta que Não Quer Calar” (1991) e “Amor à Queima-roupa” (1993), filmes que abordam o universo das drogas, da violência e do desamparo e que geraram discussões pelo tom carregado com que colocaram em cena os outsiders da sociedade, ou, como queria o filósofo Michel Foucault, “os outros da razão”. Mas Oldman não ficou apenas na interpretação, ele aproveitou os temas desses filmes que lhe deram fama e em 1997 dirigiu “Violento e Profano”, que lhe rendeu o prêmio de melhor filme inglês do ano e boa acolhida da crítica.
“Violento e Profano” é baseado nas memórias do próprio Oldman, do tempo em que cresceu numa família de operários no sul de Londres. De suas experiências, ele exibe o cotidiano de uma família de trabalhadores na qual as tensões giram em torno das drogas e do álcool. No centro da narrativa, a família de Raymond. Ele, sua esposa grávida e o cunhado habitam uma casa pequena; fazem parte também da trama sua sogra e um amigo de ocasião. Raymond e seu cunhado são viciados em drogas e passam as noites em bares e boates de strip-tease, mas não há cumplicidade entre eles. Quando uma porção de cocaína é furtada pelo cunhado, Raymond o enxota de casa. O jovem, então, passa a viver no submundo e pratica pequenos furtos até ser acolhido pela mãe.
O enredo segue um caminho de idas e vindas: ora com foco nas ações de Raymond, ora nas do cunhado, mas fixa-se em igual medida nas ações da sogra e nas de sua esposa. Nesse vai e vem cenas de violência de forte impacto, como a que exibe sem retoques a impiedosa surra que Raymond dá em sua esposa grávida. Nesse vai e vem, ainda, o desespero de sua sogra, absolutamente impotente para lidar com a situação.
Outro aspecto que chama a atenção em “Violento e Profano” é a maneira claustrofóbica com que os personagens são exibidos: todos parecem presos numa panela de pressão, pronta para explodir a qualquer momento.
Até onde se pode perceber, Oldman procurou ter como foco a desagregação familiar como consequência do consumo de drogas e de álcool. É certo que as ações se centram num microcosmo familiar, mas é digna de registro, igualmente, a ausência do poder público (a ação da polícia é omissa ou corrupta) e que o incômodo dos vizinhos se restringe a manifestações de raiva momentânea. Ou seja, tudo se passa como se o cotidiano de violência fosse aceito com resignação: não há nada a ser feito, senão sobreviver, sem esperança no Estado ou em Deus.
Oldman realizou seu filme pouco depois de “Trainspotting” (1996), que acabou sendo muito mais cultuado, mas é interessante destacar nesses dois filmes não só as semelhanças temáticas. Neles se apresentam questões de ajuste social que não podem ser deixadas de lado quando se fala em consumo de drogas. Agora disponível em DVD pela Lume, vale ver “Violento e Profano” depois de ter visto “Quebrando o Tabu”, recente documentário de Fernando Grostein Andrade.
Por Humberto Pereira da Silva