Críticos e cineastas falam sobre a importância de Leon Cakoff

Leon Cakoff: um militante da vida, do cinema e da política

Por Maria do Rosário Caetano

É com o coração cheio de dor que registro estas lembranças, que me vieram à memória tão logo soube da dolorosa  perda de Leon Cakoff.

Conheci este teimoso e apaixonado armênio, nascido na Síria, tão brasileiro e tão cidadão do mundo, em Brasília, em 1978, quando ele levou um Resumo da Mostra Internacional de SP à cidade. Como repórter, participei com ele e o anfitrião, o saudoso Marco Antônio Guimarães, de um almoço, no qual só falamos de cinema. E, em especial, de dois filmes: o boliviano “Chuquiago”, de Antônio Eguino, e o cubano “A Última Ceia”, de Gutierrez Alea. Dois títulos que estavam na Seleção da Mostra SP-Brasília. Dois títulos que ele amava. E que eu, louca por cinema latino-americano —  embora  conhecesse menos de uma centena de títulos do sub-continente (graças a Cosme Alves Netto, então curador da Cinemateca do MAM) — pude iniciar um amplo diálogo com as cinematografias hispano-americanas. Quantos filmes da América Latina veria na Mostra SP? Centenas.

Um dia, numa conversa com Cakoff, falamos de Geraldo Vandré.  Pois não é que ele me contou que  fôra secretário do compositor e cantor paraibano? Sim, em 1968. Fôra uma espécie de assessor de imprensa do artista, justo no ano mais tumultuado da vida dele (Vandré). Sim, pois foi no final de 1968 que Geraldo Vandré levantou o Maracanãzinho com “Caminhando” ou “Prá Não Dizer Que Não Falei das Flores”. Dali para o exílio seriam poucos meses, algumas semanas. E Cakoff me antecipou informação que Caetano Veloso confirmou em entrevista a Genneton Moraes Neto, no Canal Brasil: “Vandré era o artista mais procurado do País”. Quando Gil e Caetano foram presos, os militares queriam notícias do autor de “Caminhando”. Os tropicalistas, que conheciam Vandré dos festivais, nada disseram e nada sabiam. Naquela altura, Vandré estava escondido na casa de Dona Aracy Guimarães Rosa, viúva do autor de “Grande Sertão: Veredas”. Uma complexa operação o retiraria do Brasil, via exílio, rumo ao Uruguai, depois Chile, Peru…

Viajamos Cakoff, Zanin e eu, juntos, para Cuba,  na segunda metade dos anos 1990 (1997 ou 98). Morávamos na Alameda Santos e ele, Cakoff, na Alameda Lorena. Sendo quase vizinhos, ele foi para nosso apartamento, para irmos juntos ao Aeroporto de Guarulhos, pois embarcaríamos à noite para Havana. Na viagem, ele, ou falava de cinema, ou pregava contra os malefícios do fumo. Dizia a Zanin que fumar charuto (mesmo sem tragar, atenuante sempre lembrado) era tão danoso quanto fumar cigarros tipo sousa cruz. Naquele momento, ele era um cruzado, um missionário incansável, no combate ao fumo. Em Cuba solidarizou-se com o alemão Peter Schumann, um dos curadores do Festival de Berlim (e autor “Historia del Cine Latinoamericano”, Editora Legasa, Buenos Aires), que se indispusera com o comando do Festival. O mesmo Cakoff já brigara com o ICAIC e com as autoridades cinematográficas cubanas por causa de Nestor Almendros. Exibira, na Mostra SP, “Conduta Imprópria”, filme do espanhol-cubano, sobre o tratamento que a Ilha dava aos homossexuais.

Ao chegar a nosso apartamento na Alameda Santos, com suas paredes e estantes recheados de retratos, Cakoff  transformou uma série de três fotos numa politizada HQ. Numa foto, Zanin e eu estávamos em Moscou, em frente à Catedral de São Basílio. Na outra com camisetas de Che Guevara ou estampas de Havana. Na terceira, numa balsa.

Vejam como ele legendou-ambientou as fotos.

A primeira (afirmativamente): “União Soviética”

A segunda (afirmativamente): “Cuba”

A da balsa (em tom de pergunta): “Esta foi feita no Delta do Mekong?”

Tratava-se de uma nada épica balsa de travessia Santos-Guarujá. Mas ele, com suas paixões político-cinematográficas, via nela uma balsa vietnamita, pois a Guerra do Vietnã o marcara (a todos nós) profundamente. Fiquei felicíssima com a história que ele inventou para as modestas fotos domésticas (preservadas até hoje na ordem que ele as interpretou), pois sempre me tomava como uma passionária. Ele também era um passionário. A política era parte integrante da alma dele. Estava sempre defendendo alguma causa.

De Veneza 2000, me vem a lembrança de um Cakoff dos mais generosos. Sim,  ele  era — no trato cotidiano —  duro e obstinado. Mas sabia ser capaz de imensos gestos de carinho. Voltemos pois ao Fest Veneza de onze anos atrás:  íamos ver, na imensa Sala Pappalleo, uma cabine para a imprensa. A sala cabia pouco mais de mil pessoas. Havia uns 2 mil jornalistas disputando espaço. Quase esmagada pela multidão, desisti. Ele estava do meu lado e eu disse: “Cakoff, não aguento, vou desistir”.

— “De jeito nenhum”, retrucou ele. E pequenino, com seus braços curtos, me protegeu como se fosse um segurança, daqueles tipo armário, e entramos juntos, quase esmagados, mas entramos.

Dentro da sala, ele, vitorioso, me disse: “está vendo, estamos aqui e vamos ver o filme. É direito nosso”. (Ele fazia tudo por um filme! E tudo, para ele, era uma luta, um ato de cidadania! Herança do filho de imigrantes que chegou ao Brasil aos 8 anos).

Para Renata Almeida, companheira e parceira de todas as horas de Cakoff nos últimos 22 anos, e aos filhos dele e deles dois, minhas condolências e força total para que sigam em frente com o maior legado de Leon Cakoff: a MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO.

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Nota da Abraccine sobre o falecimento de Leon Cakoff

O cinema internacional e brasileiro perdeu hoje (14.10.2011) um de seus mais ativos difusores: o jornalista, crítico, produtor, realizador e organizador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff.

Muitos dos críticos que hoje atuam nos jornais, revistas e espaços digitais optaram por este ofício e ampliaram seu amor pelo cinema assistindo aos filmes programados por Leon Cakoff.

Cakoff lutou como poucos pelo que lutamos todos nós, críticos de cinema: para que a diversidade da cinematografia mundial tenha oportunidade de exibição e não seja engolfada pelo cinema mainstream, com seu poder econômico e vocação hegemônica.

Pela importância da Mostra em nossas vidas, a Abraccine – Associação Brasileira dos Críticos de Cinema sente-se enlutada e envia sinceros votos de condolências à sua família, com a certeza de que sua memória permanecerá presente e forte nos que aprenderam a entender o cinema como arte muito mais diversa e mundial. Tudo faremos para contribuir com a continuidade do seu importante legado cultural.

Assinado

Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema

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Cinéfilos de luto

Por Paulo Antunes

A cinefilia está de luto. Morreu Leon Cakoff, o criador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que na próxima quinta-feira, dia 20 inaugura a sua 35ª edição.

Pois é a cinefilia de São Paulo e do Brasil está de luto. A sua obra está escrita e já faz parte da história cinematográfica do Brasil. E, o que é melhor, continua. Está impregnada indissociavelmente em cada um dos amantes do cinema. Sim, porque, nos últimos 35 anos muitos milhares de brasileiros cultivaram o saudável de ir ao cinema, graças ao Leon Cakoff e sua Mostra que cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Ou, para aqueles que, antes, já frequentavam e amavam o cinema, ganharam um aliado de peso, trazendo filmes, cinematografias, retrospectivas, autores desconhecidos, homenagendo os grandes do cinema, tudo isso foi possível graças à Mostra.

Conforme escrevi diversas vezes já estava na hora da Mostra se transformar em um patrimônio cultural da cidade. Como tudo nesse país ganha notoriedade depois que as pessoas morrrem, quem sabe agora um político oportunista aparece com a proposta de conferir o estatudo de patrimônio cultural e cinematográfico à Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Não resta dúvida que a 35ª Mostra, que começa no próximo dia 20 de outubro (quinta-feira), acontecerá sob o manto do luto profundo.

Sds,

Paulo Antunes – Jornalista e pesquisador da história do cinema

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