Perspectivas do cinema para 2012

A indústria e as tendências estéticas

Já com relativo distanciamento do lançamento e fenômeno de “Tropa de Elite 2”, em outubro de 2010, e ânimos em menos polvorosa, pudemos confirmar que o longa de José Padilha foi caso isolado e que 2011 manterá a média do cinema brasileiro alcançada em 2009, talvez um pouco melhor, com cerca de 15% de market share, o equivalente a uns 15 ou 16 milhões de espectadores. Em 2012 não será diferente, estimam os nossos analistas de mercado. “Será um ano marcado pela diversidade da produção nacional e pelo crescimento das distribuidoras nacionais independentes. Infelizmente o número de potenciais blockbusters ainda será aquém do que o mercado pede. Tem tudo para ser um ano parecido com 2011 em termos de market share. Não haverá um novo ‘Tropa de Elite 2’, mas provavelmente teremos cerca de 20 filmes com mais de 50 mil espectadores e em torno de cinco com mais de 1 milhão. Boa parte dos filmes do Top 20 nacional será distribuída por empresas brasileiras”, aponta Sérgio Sá Leitão, presidente da RioFilme.

Filmes como as comédias “As Aventuras de Agamenon, o Repórter”, de Victor Lopes, com estreia prevista para 6 de janeiro, “E Aí, Comeu?”, de Felipe Joffily, novo longa da dupla Augusto Casé/Bruno Mazzeo, e “Giovanni Improtta”, estreia do ator José Wilker na direção, o drama “Xingu”, de Cao Hamburger, a continuação “Tainá 3 – A Origem”, longa infantil de Rosane Svartman, são os mais citados como potenciais boas bilheterias, com a comédia “Billi Pig”, de José Eduardo Belmonte, o thriller “Paraísos Artificiais”, de Marcos Prado e produção de José Padilha, e o road movie “À Beira do Caminho”, de Breno Silveira/Conspiração Filmes, correndo por fora.

Para o crítico de cinema e editor do portal especializado em mercado audiovisual Filme B, Pedro Butcher, há uma dificuldade muito grande em apontar títulos e tendências entre os lançamentos, uma vez que o cinema brasileiro raramente anuncia sua estreia com antecedência, como as majors fazem. “Um dos grandes problemas da produção brasileira recente é a questão do planejamento e da organização. Avançamos muito, mas se for ver o calendário de estreias para os próximos anos, você verá várias programadas, tanto de blockbusters quanto de filmes independentes. Entre os brasileiros, são menos de dez. Isso é relativamente grave se pensarmos em termos de indústria. Os filmes demoram muito tempo para serem finalizados, fazendo com que as distribuidoras fiquem inseguras para marcar uma data”, aponta.

“Sabemos já que a data de começo de ano, 1º de janeiro, que se confirmou uma ótima data para cinema brasileiro, está ocupada pelo ‘Billi Pig’, com uma distribuidora independente, de um diretor autoral, que faz sua primeira aposta de sucesso comercial. Tem também o ‘Agamenon’ marcado para 6 de janeiro, que apesar de contar com a televisão e ser uma produção grande, é um personagem mais difícil, vindo do jornal O Globo, misturando  falso documentário com ficção”, complementa.

Em 2011, essa data funcionou. “De Pernas pro Ar”, de Roberto Santucci, é, até o momento, a maior bilheteria nacional do ano, com 3,5 milhões de espectadores. Para Cadu Rodrigues, diretor executivo da Globo Filmes, mais um filme nacional pode fazer bonito ainda neste ano. “Acho que o ano ainda pode trazer mais uma boa surpresa com o filme ‘O Palhaço’, do Selton Mello, que estreia em 28 de outubro. 2011 deve ser o terceiro melhor ano desde o início da Retomada, há 20 anos”, aposta.

A força da comédia e outras tendências

O gênero comédia, aliás, voltou a marcar forte presença nos resultados de bilheteria no cinema brasileiro. Em 2011, dos seis filmes que ultrapassaram 1 milhão de espectadores. Quatro são comédias: “De Pernas pro Ar”, “Cilada.com”, de José Alvarenga Jr, com Bruno Mazzeo, que fez 3 milhões de público, “Qualquer Gato Vira-Lata”, de Tomás Portella, com 1,2 milhão, e “O Homem do Futuro”, direção de Cláudio Torres e produção da Conspiração Filmes, também chegando lá. Os outros dois são o drama “Bruna Surfistinha”, de Marcus Baldini, que ficou na casa dos 2 milhões, e o policial “Assalto ao Banco Central”, de Marcos Paulo, também com 2 milhões. 2012 deve ser novamente um ano de comédias. “Os gêneros preferidos dos jovens, que são presença majoritária nas salas de cinema, são os filmes de ação/aventura e comédias. No caso das comédias, as românticas têm um perfil um pouco mais adulto, portanto, mais abrangentes. Comédia boa funciona no mundo inteiro. O Brasil sempre teve tradição nesta área com Oscarito, Mazzaropi, Renato Aragão, que fizeram filmes de enorme sucesso de público. Ou seja, não há novidade nisso, mas parece que os atuais diretores voltaram a se dar conta disso nos últimos cinco anos”, comenta Cadu Rodrigues.

Aliás, a receita de sucesso que tem sido a comédia brasileira popular está fomentando outra forma muito tradicional de capitalizar: as continuações. Ainda que não estreiem em 2012, ao menos cinco devem ser rodadas no próximo ano, já almejando polpudas rendas, caso de “De Pernas pro Ar 2”, “Cilada.com 2”, “Muita Calma Nessa Hora 2”, “Qualquer Gato Vira-Lata 2” e “Se Eu Fosse Você 3”. Isso só no âmbito da comédia. Abrangendo outros gêneros, devem ser filmados ainda “Nosso Lar 2” e “Sequestrados”, continuação de “Assalto ao Banco Central”, na busca de confirmar o policial como um gênero forte por aqui. “As continuações não têm porque não fazerem grande público. Boa parte da plateia quer mais do mesmo e segue no cinema o que já está acostumado na TV”, opina Luiz Zanin Oricchio, jornalista de O Estado de S. Paulo e presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema – ABRACCINE.

Febre do Rato. Foto: Daniela Nader

O erotismo também voltou a bater carteira e ser aceito pelo público em 2011, com “De Pernas pro Ar” e “Bruna Surfistinha”, pelo viés feminino, e “Cilada.com”, pelo olhar masculino. O Brasil teve uma tradição muito forte com cinema erótico nos anos 70 e começo dos 80, com grande retorno do público, caso de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto, que fez 10 milhões de espectadores, e “A Dama do Lotação”, de Neville D’Almeida, com 6,5 milhões. A questão é se isso virá a ser uma tendência. “Nudez e o sexo viraram tabu. O modelo de filme para família em shopping diminuiu muito o erotismo do cinema. Não vejo muitos filmes feitos nesse sentido. Quando é filme de mercado, há uma tendência de ser conservador, feito com muita cautela. ‘De Pernas Pro Ar’, por exemplo, não tem nudez”, pontua Pedro Butcher. “Há de se ter cuidado entre o erotismo de qualidade e a pornochanchada, que tem muita rejeição no mercado brasileiro”, complementa Cadu Rodrigues.

O cinema brasileiro também parece estar adotando, com sucesso, outra tática do cinema industrial, que é o forte marketing em cima de determinado ator. Dois atores têm chamado bilheteria: Wagner Moura e Selton Mello. “Nenhum ator por si só é uma garantia de público, mas certamente ajudam: ‘Vips’, de Toniko Melo, chegou aos 500 mil espectadores muito ajudado pelo Wagner, por exemplo”, comenta Pedro Butcher. Wagner ainda esteve em “O Homem do Futuro”, e Selton estrela dois longas que estreiam até o final do ano, “O Palhaço” e “Billi Pig”.

Cinema de gênero

Mas não só de comédias vive o cinema brasileiro. 2012 deve confirmar alguns outros gêneros que têm conseguido maior espaço, não só entre as grandes bilheterias, mas também entre os filmes médios, e algumas apostas mais ousadas. “Acho que o cinema brasileiro está deixando de ser um gênero em si e já entrou na briga de cachorro grande. Ainda não é um processo que se completou, mas está bem avançado. Há um esforço das distribuidoras em procurar projetos”, aponta Pedro Butcher.

“Acho que falta, no Brasil, uma política eficaz de ocupação de mercado. O que é um desperdício, pois temos um mercado interno relevante. Vencer aqui deveria ser a prioridade. É preciso pensar em nichos. Não é o ‘cinema brasileiro’ que compete com o ‘cinema americano’. É a comédia brasileira com a comédia americana. Produzimos um grande número de filmes com os mesmos perfis, voltados para os mesmos públicos. E poucos filmes de outros gêneros, voltados a outros públicos. O perfil campeão certamente é o ‘drama-adulto-autoral’. Há dezenas de filmes assim todos os anos. Por outro lado, há poucos filmes voltados ao público infantil, sejam animações ou live action. Idem para thrillers. Ou filmes voltados ao público jovem. Somos muito competitivos em comédias. Sabemos fazer esse gênero. O market share da comédia brasileira é maior do que o dos competidores. Mas apanhamos no resto. Para que o market share do cinema brasileiro aumente, não basta apenas ter três ou quatro comédias competitivas; é preciso ter três ou quatro filmes infantis competitivos, três ou quatro filmes para jovens competitivos, três ou quatro dramas competitivos e três ou quatro thrillers competitivos. E filmes autorais que também possam competir com os autorais estrangeiros”, complementa Sérgio Sá Leitão. Os outros filmes de gênero mais demarcado talvez sejam o que falta para ocupar uma área de público. “Há hoje uma carência grande do filme médio, aquela que leva umas 300 mil a 500 mil pessoas ao cinema. Alguns filmes, se bem lançados, podem destoar desse destino, como ‘Corações Sujos’, de Vicente Amorim, quase um filme de máfia, e ‘Heleno’, de José Henrique Fonseca, cinebiografia do jogador de futebol Heleno de Freitas, que têm bom potencial”, opina Zanin.

Em 2011, dois filmes ocuparam essa área: “Vips” e “As Mães de Chico Xavier”, de Halder Gomes e Glauber Filho. O filme espírita e religioso, que sofreu um boom em 2010, com os sucesso de “Chico Xavier” e “Nosso Lar”, teve outro exemplar há pouco lançado, “O Filme dos Espíritos”, de André Marouço e Michel Dubret, que logo deve chegar à faixa do filme médio.

Em 2012, a animação, que sofreu um aumento significativo de produção, deve ter alguns exemplares apresentados ao público, como “2096 – Uma História de Amor e Fúria”, de Luiz Bolognesi, e “Nautilus”, de Alê Abreu e Clewerson Saremba. Cadu Rodrigues não acredita no êxito das animações brasileiras em termos de público. “Quando os projetos chegarem ao mercado, a maioria deles não será em 3D, tirando boa parte da atratividade atual dos filmes estrangeiros de animação voltados ao público infantil e família”, comenta. Com o cinema infantil é a mesma coisa, e, em 2012, “Tainá 3 – A Origem” tentará manter os bons resultados dos dois primeiros filmes, que ficaram na casa dos 600 a 800 mil espectadores.

Filmes derivados de Renato Russo e da Legião Urbana devem também aportar com grandes pretensões, vindo na esteira, de forma um tanto tardia, do sucesso de “Cazuza – O Tempo Não Para”, de Walter Carvalho e Sandra Werneck. Estão programados para o próximo ano “Faroeste Caboclo”, de René Sampaio, uma adaptação da popular canção da banda, e “Somos Tão Jovens”, de Ary Fontoura, cinebiografia de Russo. “Os dois filmes dependem da permanência do roqueiro no imaginário da juventude. E, claro, da capacidade dos filmes em se comunicarem com o público, como foi o caso de ‘Cazuza’, por exemplo”, comenta Zanin. “Rock Brasília – Era de Ouro”, documentário de Vladimir Carvalho, será um bom teste, em 2011 ainda.

Também devem entrar em produção apostas um pouco mais ousadas de filme de gênero, em que o Brasil não tem tanta tradição, com o surgimento de roteiros para filmes de ação – um sobre a invasão do Bope ao Morro do Alemão – e de terror psicológico – “Terapia do Medo”, de Roberto Moreira, com produção da Warner.

Filmes autorais e independentes

A maior parte do cinema feito no Brasil atualmente não tem grandes pretensões em termos de bilheteria ou mercado, ainda que busquem uma significativa carreira em festivais brasileiros e internacionais e revelem, muitas vezes, o que há de melhor sendo feito. Poucos são como “Xingu”, produção da O2 sobre a fundação do Parque Indígena do Xingu, que pode alcançar 1 milhão de espectadores e deve brigar por uma vaga num grande festival estrangeiro, como Berlim. Outros devem tentar carreira lá fora, como “Era uma Vez Verônica”, de Marcelo Gomes, “Praia do Futuro”, de Karim Aïnouz, ainda a ser rodado, e “A Floresta de Jonathas”, de Sérgio Andrade, além dos já exibidos por aqui em festivais, como “Hoje”, de Tata Amaral, “Febre do Rato”, de Cláudio Assis, e “Mãe e Filha”, de Petrus Cariry, entre outros – todos a serem lançados nos cinemas do Brasil em 2012.

“Em 2012 teremos trabalhos dos dois diretores brasileiros com maior projeção internacional: Fernando Meirelles, com “360”, que não é uma coprodução com o Brasil, e Walter Salles, com “On the Road”, que é uma coprodução com a Videofilmes. “360” já passou em Toronto e em Londres, e o filme do Walter vai ficar para o ano que vem e é forte”, afirma Pedro Butcher. “Os filmes dessa galera mais jovem, mais experimental, também estão ganhando um espaço muito bom em festivais, como “Girimunho”, de Helvécio Marins e Clarissa Campolina, e “Histórias que Só Existem Quando Lembradas”, de Julia Murat, que fizeram o tour Veneza-Toronto-San Sebastian superbem”, complementa.

Hoje. Foto: Ding Musa

Aliás, esses filmes mais independentes tem conseguido chegar ao mercado muito por conta de algumas distribuidoras dedicadas a encontrar um nicho, como a Vitrine Filmes e a Filmes do Estação. “Finalmente está acontecendo aqui uma coisa que já vem acontecendo em outros países. Nunca tivemos o mercado tão polarizado entre os filmes de grande público e os filmes de nicho e esse esforço para criar alternativas para filmes pequenos é muito benéfico. Em Nova York, existem muitas sessões assim, de filmes que estreiam em dois horários, com debates, tentando fazer um lançamento diferenciado. Em breve, esses filmes devem ser disponibilizados em strea­ming, lançados simultaneamente. 2011 foi marcante nesse sentido. Mesmo que o resultado seja reduzido, o lançamento e seu custo é muito reduzido. Esses filmes têm uma tendência boa de conseguir permanecer em cartaz, mesmo em menos horário. Aos poucos esse espaço se mantém ou até aumenta, dependendo do filme”, analisa Pedro Butcher. “Se observar a bilheteria de alguns desses filmes verá que apenas os amigos dos diretores têm ido. E alguns deles não têm um grande círculo social. Um ou outro fura o bloqueio, dentro da sua proposta modesta de público. São exceções. Em geral, esses filmes não foram feitos pensando no outro”, complementa Zanin.

Mesmo que tenham conseguido agora mais espaço, e filmes como “Riscado”, de Gustavo Pizzi, “A Alegria”, de Felipe Bragança e Marina Meliande, “O Céu Sobre os Ombros”, de Sérgio Borges, e “Os Residentes”, de Tiago Mata Machado, estejam chegando aos cinemas depois de muitos esforços, Sérgio Sá Leitão não vê esse mercado de maneira tão otimista. “O que está acontecendo no Brasil é precisamente o oposto. O circuito para o chamado ‘filme de arte’ está diminuindo. Talvez porque o público para esses filmes esteja consumindo cinema de outra forma, via serviços de VOD, TV paga, blu-ray etc. O fato é que há um grande número de filmes brasileiros (de 50 a 60 por ano) que fazem menos de 50 mil espectadores. E boa parte desses faz menos de 15 mil espectadores. Claro que há um vasto segmento de exibição alternativa, por meio de cineclubes e outras iniciativas. Temos de considerar o circuito alternativo também. Mas o fato é que o cinema autoral brasileiro está perdendo, no mercado interno, para o cinema autoral estrangeiro. Que filme brasileiro com esse perfil, nos últimos anos, atingiu a marca de 1 milhão de ingressos? Foi esse o patamar do último Woody Allen. A competição se dá nicho a nicho, gênero a gênero, perfil a perfil”, comenta. A ver.

 

Por Gabriel Carneiro

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