Festival de Cinema de Berlim
Por Fatima Lacerda
De Berlim
“Xingu” é o filme dirigido pelo diretor Cao Hamburger, que apesar desse sobrenome tem uma forte ligação extra-cinematográfica com a cidade de Berlim. Seu pai é natural da cidade. Já em 2007, quando participara da competição com “O Dia em que Meus Pais Saíram de Férias”, o diretor paulista já falava da emoção.
Em pleno sábado (11) de um frio glacial, “Xingu” foi exibido na mostra paralela “Panorama” no cinema Cubix no centro nevrálgico, no coração, no lugar mais tribal da cidade: Alexanderplatz, eternizada, no filme de Rainer Werner Fassbinder “Berlin, Alexanderplatz”.
O cinema Cubix fica embaixo das trilhas do S-Bahn, do trem que passa por cima. O mega-cinema é antro de cinéfilos de todos os gostos. O público de hoje pensa menos no balde de pipoca e se encontra instigado por esse nome esquisito. Amazônia, meio-ambiente, Brasil serão com certeza os parâmetros que levaram cinéfilos à ver o filme.
Existem muitas razões para ver “Xingu”: imagens da floresta amazônica de tirar o fôlego e um ator com o poder de um magnetismo ímpar com a câmera, João Miguel; a dramaturgia, a fotografia estão focadas nele.
“Xingu” surge no contexto da construção da usina de Belo Monte. O protesto internacional pode ser seguido pelas redes sociais, longas matérias de segundos cadernos, conferências sobre o meio ambiente e sobre o Rio 2012. Em todos esses contextos, o nome Belo Monte e os questionamentos veem à baila.
“Xingu” peca por se deixar seduzir pelo romantismo do espírito pioneiro dos corajosos irmãos Villas-Boas, de personalidades bem diferentes.
A mensagem do filme não é difícil discernir, principalmente, na Europa. Quando se fala em Amazônia, cai a ficha na hora e quase todos sabem: meio-ambiente, o pulmão do mundo, as multinacionais, a destruição de fauna e flora. A globalização já está em estágio avançado o suficiente para esse ser o denominador intelectual comum para quem assistiu a “Xingu”.
Bem mais interessante e não menos convincente seria usar da lente nua e crua de um formato documentário, de câmera na mão mesmo e por que não, fazer uma avaliação de como a empreitada audaciosa de outrora mudou a vida dos índios e como ela é hoje, quais tribos ainda se negam ao contato com aquilo que o nosso vocabulário linguístico-semântico inscinua como “civilização”.
Me lembro que há muitos anos atrás e bem antes da globalização estar no estado avançado em que se encontra hoje, a revista “Vamos”, de Hamburgo, trouxe um índio de uma tribo da qual o nome eu não me recordo, fazer palestras e sensibilizar os europeus para a sua situação e a do seu povo.
Depois de uma das palestras, fomos eu, o diretor da revista e o índio num café. Chegando lá, na hora de fazer o pedido o que o índio pediu não foi um chá e sim uma coca-cola. Eu, carioca da gema, vinha a ter o meu primeiro contato com um índio na capital alemã! Fiquei chocadíssima com aquilo. Um índio pedindo coca-cola! Todo o pesadelo da colonização se mostrou nu e cru ali para mim.
Qual será a real contribuição de “Xingu” na tentativa da conscentização ambiental? Será mesmo que quem desconhece a realidade e a mentalidade brasileira vai conseguir ir além do achar “legal” um filme politicamente corretíssimo?
Como funcionará o filme no Brasil, já que a única exibição foi no festival de Manaus no final de 2011? “Xingu” peca pelo romantismo, por um roteiro desnecessariamente alongado, mas recompensa sim pelas imagens de tirar o fôlego de um dos lugares mais deslumbrantes do planeta Terra. A Amazônia.
Fátima Lacerda é jornalista freelancer, radicada em Berlim, formada em Letras, gestora cultural, curadora de filmes entre outros da mostra “Perspectiva América Latina” na Oficina das Culturas (Werkstatt der Kulturen), em Berlim.
Twitter @FatimaRioBerlin. Acesse o meu canal no YT “About Cinema”. Tudo sobre a sétima arte.
Cao Hamburger chegou e a terceira exibição iniciou há poucos minutos.