Eu, Almodóvar
“Conversas com Almodóvar” (de Frederic Strauss, Editora Zahar) é um longo depoimento do diretor mais cultuado da Espanha, e uma marca do cineasta autêntico que não se rendeu a Hollywood. O livro é rico porque ouvimos pela voz de Almodóvar como ocorreram as suas escolhas ao longo da vida, os atores, os técnicos, os temas, e algumas divergências. Almodóvar, inclusive, confessa que costuma escrever os releases de seus filmes, coisas que outros cineastas não fazem, porque acha que precisa explicá-los, e faz isso por medo. Seus filmes nascem de pequenas anotações, que vão ganhando um pensamento linear, e somente quando o conflito central está desenvolvido ele começa a escrever seus roteiros. Afirma que seus escritos são sempre literários, em forma de filme ou diários.
O livro é uma seleção de entrevistas concedidas a Strauss por mais de 20 anos, e relata sua infância e os primeiros filmes, como passou de funcionário da companhia telefônica a cineasta, passando pelo super8 e o cinema independente dos anos 80. Na longa conversa (que parece revisada pelo próprio Almodóvar), sabemos como faz para diversificar os gêneros de seus filmes e o tema tratado, especialmente, sua relação com as mulheres, em cujas personagens o cineasta mostra os transtornos da alma feminina, os valores ligados à família, fé e sexualidade. E também das cores e músicas de seus filmes. O lado pobre do livro é a ausência de um olhar crítico sobre o que está atrás do seu discurso, a fonte dos seus conflitos que faz gerar filmes tão belos. E mais uma vez seu filme “A Lei do Desejo”, onde Antônio Bandeiras faz um homossexual obcecado, ficou fora de suas conversas, como se esse filme não existisse e fosse tão importante na sua filmografia. Por que ele o esconde?