Sagrado Segredo: em busca da fé
Chega com grande atraso o quarto longa do baiano André Luiz Oliveira, “Sagrado Segredo”, seu primeiro documental. O filme, que teve repercussão tímida nos poucos festivais onde passou, é uma busca do diretor pelos caminhos da fé e do misticismo. A partir do registro da teatralização da Via Sacra em palco aberto na cidade de Planaltina (DF), André Luiz busca, em diversas entrevistas, uma iniciação espiritual através da arte. A fonte principal é o físico nuclear Amit Goswami, indiano que procura fazer conexões entre a ciência e a espiritualidade e que defende a possibilidade de existência de Deus cientificamente.
“Sagrado Segredo” parte, assim, de uma interessante premissa, pouco retratada no cinema de um país que ainda mantém alto índice de religiosos, que é a busca pelo sagrado e como o poder místico pode ser transformador. Porém, Oliveira não se furta aos estereótipos do gênero e tampouco a questões religiosas em si. Sua procura está acima de aspectos mundanos como as instituições.
Para retratar essa busca, o diretor opta pelo hibridismo entre ficção e documentário, tão em voga. Há, no filme, um diretor e uma equipe que fazem as vezes, à frente da câmera, de Oliveira. A ideia do artifício metalinguístico é poder fazer uma ponte mais concreta entre as dúvidas e ideias de André Luiz e as imagens documentadas, sejam de entrevistas, sejam da Via Sacra. O recurso, talvez, seja o maior pecado de “Sagrado Segredo”, justamente por se tornar tão evidente mesmo a quem não conhece o diretor e sua equipe. O discurso retórico parece premeditado demais até para uma ficção e toda a razão do episódio, que é a da revelação do sagrado, parece apenas uma peça da engrenagem para uma tese.
A questão é que, por mais que seja extremamente sincera essa descoberta de André Luiz pelo sagrado e pela fé mística, uma busca realmente autobiográfica, a maneira como optou por retratar a sensação parece falsa. Isso é um problema, se pensamos que seu propósito é justamente propor uma reflexão para além dos dogmas e dos lugares-comuns. O hibridismo não seria para problematizar os gêneros e sim para reforçá-los.
Oliveira tem uma extensa carreira como documentarista em curtas, alguns muito fortes, como “A Fonte” (1970), em que a imagem fala muito mais alto do que qualquer discurso. Justamente o inverso de “Sagrado Segredo”, em que a imagem parece estar no segundo plano do discurso. O hibridismo, os diversos trechos de entrevistas e o discurso acima da imagem lembram mais a linguagem do documentário televisivo do que o cinematográfico – sem qualquer julgamento pejorativo nisso, claro.
É curioso pensar “Sagrado Segredo” dentro da carreira do diretor bissexto. Começou em 1968, com o curta “Doce Amargo”, e estreou no ano seguinte no longa com o emblemático “Meteorango Kid – O Herói Intergaláctico”, um filme contracultural, ligado ao chamado Cinema Marginal, muito irreverente e contestador. Fez depois “A Lenda do Ubirajara” (1975), adaptado do romance de José de Alencar, e “Louco por Cinema” (1994), uma espécie de redenção do próprio diretor frente ao fazer cinema. “Sagrado Segredo” parece, assim, ligar-se muito mais ao “Louco por Cinema”: ambos são uma busca longa e desesperada, um tanto mística, por um sentido para a vida.
Os problemas desses filmes, muito menos contundentes do que sua estreia e um tanto irregulares, são que Oliveira não só busca uma resposta, como também parece fazer questão de encontrá-las e expô-las, dando um fechamento. “Meteorango Kid” não: para ele, valia apenas questionamento – o espectador que tirasse o que quisesse dali.
Sagrado Segredo
(Brasil, 73 min., 2008)
Direção: André Luiz Oliveira
Distribuição: Polifilmes/Asacine
Estreia: 03 de agosto
Por Gabriel Carneiro