Tropa de elite invade cidade de Deus

Favela. Traficantes. Policiais. Jornalistas. Moradores. O leitor já deve ter visto este filme. Seria “Cidade de Deus”? Não. “Tropa de Elite”? Muito menos. Vejamos mais de perto. Os policais são atrapalhados. O traficante é uma travesti que atende pelo codinome Diaba Loura. O jornalista, além de medroso, é péssimo fotógrafo. Estamos falando de “Totalmente Inocentes”, uma coprodução Globo Filmes, Migdal e Total Enterteinment, que não é definitivamente apenas mais um “favela-movie”, gênero recente que ganhou os cinemas e a TV ao longo da última década. “Dadinho é o C… meu nome é Tranquilo”, reforça o policial interpretado por Leandro Firmino, parodiando o seu próprio papel de o temível Zé Pequeno em “Cidade de Deus”. Este é o foco do longa de estreia de Rodrigo Bittencourt, uma paródia colorida com os clichês mais famosos de filmes sobre a realidade brasileira.

“É a primeira paródia do cinema brasileiro. Eu abri um leque novo e provavelmente virão mais paródias depois dessa. Acredito que o cinema brasileiro se leva a sério demais, estava empoeirado nesse sentido. Um povo que brinca tanto como é o brasileiro… não entendia por que não brincar no cinema”, explica o cineasta, natural de Bangu, no Rio de Janeiro. “Sempre pensei em cinema como mercado. Cinema é uma máquina grande, custa caríssimo. É preciso que você tenha um projeto, seja ele drama, comédia ou documentário, que interesse às pessoas, começando por produtoras e distribuidores. Achei que faltava uma sátira no cinema brasileiro, sentei e escrevi o roteiro.”

Sátiras imitam cinema americano

“Totalmente Inocentes” se passa em uma favela fictícia do Rio de Janeiro chamada DDC. Nela, quem manda é o violento Do Morro, que acaba de tomar o poder da terrível traficante travesti Diaba Loura (“Aqui na DDC, se correr o bicho pega, se ficar a bicha come”, choraminga um personagem). Dá Fé, um cara do bem e amado por todos na comunidade, vive pra cima e pra baixo com o seu irmãozinho Torrado e o amigo Bracinho. Ele está apaixonado pela irmã deste último, Gildinha, que só tem olhos para Do Morro. Dá Fé decide então se transformar no criminoso mais temido da favela. O problema é que nenhum dos três amigos tem talento para roubar. Eles são totalmente inocentes. E para levar esta missão impossível a cabo, vão contar com a ajuda de um fotógrafo fracassado.

O filme lembra de cara as sátiras do americano David Zucker (“Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu!”, “Todo Mundo em Pânico” etc.), especialmente, no que diz respeito à arbitrariedade onírica da montagem e a vontade e irreverência de transformar tudo em nada mais que uma piada. Rodrigo, contudo, cita filmes mais recentes, como “SuperBad” (2007) e “Scott Pilgrim” (2010), além da “Pantera Cor de Rosa”. “Este último pela sátira do detetive. Os outros dois pela coisa pop, pelas cores, pelo entretenimento adolescente, como energia, como atmosfera, como pulso pro ritmo do filme. Mas eu gosto mesmo é de Brasil, então, quis fazer uma sátira brasileira e não americana. Eu fiz a primeira sátira brasileira com cara de Brasil dentro dela mesmo”, conta.

Rodrigo ainda faz questão de esclarecer que “Totalmente Inocentes” não é exatamente uma sequência de esquetes de humor. Escrito a seis mãos, com a colaboração de Rafael Dragaud e Carolina Castro, a ideia central do projeto era contar a história de uma aventura entre amigos. “Eu escrevi o primeiro tratamento sozinho. Depois trabalhei um pouco com a Carol. Ela saiu e entrou o Rafael. Ficamos escrevendo juntos por bastante tempo. Escrever com o Rafael foi ótimo. Acho que ele entendeu onde eu queria chegar. O filme não é uma sucessão de esquetes. Então, precisava de dramaturgia. É a história desses meninos, uma história da amizade linda deles três. São três crianças olhando pro mundo, com inocência e diversão. Olhando pro mundo com felicidade, porque é assim que eu olho pro mundo, com felicidade. Mesmo depois de ter passado por fases muito difíceis na minha vida, eu olho pras coisas com encantamento”.

Diretor é fã do cinema italiano

Curioso mesmo é o fato de Rodrigo reforçar aqui e ali que o filme que mais o influenciou e mesmo norteou a realização deste “Totalmente Inocentes” foi “A Vida é Bela” (1997). “O longa do Roberto Benigni me inspirou pela delicadeza, pela inocência das personagens. O meu filme fala do meu povo, que não é um bando de riquinhos tomando uísque numa cobertura do Leblon. O meu filme não é feito com essa cara das comédias de hoje, que são televisivas demais. Se é para fazer desse jeito, é melhor então ficar na TV. E eu amo TV. Fui criado com a TV. Amo a linguagem, não vai aqui nenhum tipo de preconceito bobo e ingênuo. O meu filme tem linguagem adolescente, mas o conceito por trás é todo cinematográfico. Sou fã do cinema italiano assim como sou fã do cinema brasileiro e do americano. O filme é uma junção dessas três formas de fazer cinema. Pelo menos foi o que eu tentei fazer”, diz o cineasta.

Rodrigo Bittencourt: experiência na TV ajuda na linguagem adolescente do filme

“Totalmente Inocentes” foi rodado no polo cinematográfico de Paulínia, no interior de São Paulo, e no Morro Dona Marta, na zona sul do Rio de Janeiro. A produção ficou a cargo de Mariza Leão e Iafa Britz. Além delas, Rodrigo faz elogios à produtora de elenco Ciça Castelo. Não era para menos. Um dos trunfos do filme é mesmo sua equipe de intérpretes. Os três protagonistas (Lucas D’Jesus, Carlos Evandro e Gleison Silva) foram escolhidos após um longo período de testes. Kiko Mascarenhas vive a Diaba Loura. Mariana Rios faz a menina dos olhos de Da Fé. Fábio Porchat estreia no cinema no papel do traficante Do Morro. Fábio Assunção interpreta o jornalista. Leandro Firmino (o Zé Pequeno de “Cidade de Deus”) e Fábio Lago (o Baiano de “Tropa de Elite”) são os policiais Tranquilo e Nervoso. E o filme ainda conta com as participações especiais de Ingrid Guimarães, Felipe Neto e Vivianne Pasmanter.

Com outras duas comédias já engatilhadas, Rodrigo agora aguarda pela resposta do público a partir do dia 7 de setembro quando o filme entra em cartaz nas salas digitais de todo o Brasil. O filme não terá cópias em película, mas as salas digitais vão garantir um lançamento com 200 cópias. A distribuição é da Paris Filmes, da RioFilme e da Downtown.

Assista ao trailer do filme aqui.

 

Por Julio Bezerra

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