Festival de Gramado: emoções em estilos diferentes

O Festival de Gramado 2012, ano em que festejou sua 40ª edição, deixou fortes e impactantes imagens na memória de seus fiéis seguidores, com dois títulos se destacando na mostra competitiva, o paulistano “Colegas”, de Marcelo Galvão, e o pernambucano “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça. O filme de Galvão, um road­movie em tom de comédia, protagonizado por uma trinca de portadores de Síndrome de Down (Ariel Goldman, Rita Pokk e Breno Viola), ganhou o Kikito de melhor filme e emocionou a todos. A entrega do “Kikito Especial” atribuído aos três downianos foi aplaudida de pé pela plateia.

O filme da emoção transcendente

Mas o grande filme “O Som ao Redor”, que vinha de uma série de participações em festivais internacionais e trazia na bagagem o Prêmio Fipresci de Roterdã, conquistou o prêmio da crítica, do público e rendeu o Kikito de melhor direção a Kleber Mendonça. O júri oficial de Gramado teria ousado mais se tivesse escolhido “O Som ao Redor”, ao invés do simpático e mobilizador “Colegas”. O filme pernambucano constrói retrato multifacetado e complexo dos moradores de uma rua do bairro de Setúbal, no Recife. Ao longo de 2 horas e 16 minutos, Kleber Mendonça nos envolve com pequenos e grandes dramas de quem vive, ou trabalha, num bairro de classe média da mais rica metrópole nordestina. Recebemos informações contextuais já nos créditos. Fotos históricas da paisagem humana e física de engenhos de cana-de-açúcar nos motivam a estabelecer relações com o presente. Um senhor de engenho, que hoje vive de negócios imobiliários, é o poderoso proprietário de prédios da rua recifense. Rua que ambienta as pequenas vidas de donas de casa, vizinhas invejosas, empregadas domésticas e seus agregados, crianças que na falta de creche ou do que fazer acompanham as mães ao serviço. Passamos a conviver com dois dos herdeiros do empresário, interpretado pelo dramaturgo W.S. Solha: um que é corretor dos imóveis da família, e o outro, rapaz sem rumo, que vive de pequenos furtos e alguns aditivos químicos. O medo ronda a todos.

Kleber Mendonça Filho (no centro) e a equipe do filme “O Som ao Redor”, com os Kikitos do festival por melhor direção, prêmio da crítica e do público. © Itamar Aguiar

Para vender segurança, surge Clodoaldo, interpretado por Irandhir Santos. Ele baterá de porta em porta oferecendo, desde que haja contribuição mensal, os serviços dele e de um ajudante. O que acontecerá até o impactante desfecho, o público verá depois de conviver com a mais perturbadora banda sonora da história do cinema brasileiro. Ruídos poderosos se somam à trilha musical do craque DJ Dolores, enriquecida com “Charles Anjo 45”, cult benjoriano. Os atores, comandados por Irandhir Santos, rendem bem, só falta carisma à namorada do corretor imobiliário. Há brancos, mestiços e negros, distribuídos de forma tão natural, que parecem estar à nossa volta. Quem insiste em dizer que a nova geração de bons cineastas brasileiros ignora a política, não mergulhou na narrativa de Kleber Mendonça (nem na de “Trabalhar Cansa”). Estão no filme, basta querer ver, as “relações cordiais” entre patrão, capataz e empregados, o “racismo” à brasileira, onde os brancos dão ordens, os pardos e negros “obedecem”, o consumismo, e a violência urbana.

O filme emotivo

“Colegas” é uma colagem cinéfila, carregada de citações. Inspirados em cenas de cinema, os três protagonistas downianos assumem o controle de suas vidas e, de São Paulo até Buenos Aires, viajam em busca da realização de seus sonhos. Stalone quer ver o mar, Márcio quer voar e Aninha quer casar-se. Dois policiais trapalhões sairão à procura do trio num jogo de gato e rato. Tudo embalado com músicas de Raul Seixas. Vê-se com prazer a andança da trinca. E nos comovemos em saber que os três portadores de Síndrome de Down deram o melhor que podiam para decorar (ou improvisar) diálogos. O filme, com estreia marcada para 9 de novembro, deve conseguir bom diálogo com o público.
“O que se Move”, de Caetano Gotardo, ficou com o prêmio de melhor atriz para Fernanda Viana. “Quase Nada”, de Rubens Rewald, com o de melhor ator para Marat Descartes, que participou de outros festivais atuando nos filmes “Os Inquilinos” e “Trabalhar Cansa” e nada levara. “Futuro do Pretérito – Tropicalismo Now!”, de Ninho Moraes, ficou com a melhor trilha para André Abujamra. O exagero foram os três Kikitos destinados a “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto”, por roteiro, fotografia e montagem. A presença no júri do cineasta Roberto Farias, um dos sócios do Canal Brasil e produtor do filme, soou como justificativa para tantos prêmios, especialmente, de roteiro para um documentário, sem texto dramaturgo ou criação narrativa, gravado em um palco de show musical.

Os atores Ariel Goldman, Rita Pokk e Breno Viola, que receberam o Kikito Especial pelo filme “Colegas”. © Itamar Aguiar

Dois longas nada ganharam, o gaúcho “Insônia”, comédia juvenil, e o carioca “Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida”, de Matheus Souza, um filme decepcionante depois do promissor “Antes do Fim”, incursão do diretor no mundinho que o cerca. O melhor longa latino, de uma seleção decepcionante, foi o uruguaio “Artigas, la Redota”, de César Charlone. O curta baiano “O Menino do Cinco” consagrou-se com prêmios do júri oficial, da crítica, do público e do Canal Brasil. Além dele, o curta mais premiado foi o gaúcho “A Casa Afogada”, de Gilson Vargas. O melhor curta da Mostra Gaúcha foi “Elefante na Sala”, de Guilherme Petry.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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