Festival de Brasília: o novo e o novíssimo

Na noite de encerramento do 45º Festival de Cinema de Brasília, em setembro, o cineasta Marcelo Gomes resumiu com humor e alegria a presença hegemônica do cinema de Pernambuco: “Tem mais pernambucano aqui no palco do que na Feira de Caruaru e no Carnaval de Olinda”. O próprio cineasta foi o grande vencedor da noite com seu terceiro longa “Era uma Vez Eu, Verônica”, ganhador de seis troféus Candango (melhor filme pelos júris oficial e popular, roteiro, fotografia, ator coadjuvante e trilha sonora) e um prêmio paralelo, o Vagalume, atribuído por Portadores de Deficiência Visual.

Pernambuco mostrou um cinema de gerações diferentes. Gomes, já veterano, dividiu o prêmio principal com o segundo filme mais premiado da noite, o também pernambucano “Eles Voltam” (melhor filme, atriz, atriz coadjuvante e Prêmio da Crítica), do jovem de 31 anos, Marcelo Lordello, que angariou muitos elogios em seu filme de estreia, realizado com apenas R$ 47 mil. Os dois filmes têm em comum os percursos existências de seus personagens. Cada filme ao seu modo, o cinema pernambucano conquistou ainda o prêmio de direção para Daniel Aragão (“Boa Sorte, meu Amor”). O triunfo pernambucano só não foi maior, porque o júri da categoria documentário, que este ano, pela primeira vez em sua história, o festival adotou extemporânea divisão por gênero, atribuiu seus principais troféus a duas produções mineiras: “Otto”, de Cao Guimarães (melhor filme, fotografia, trilha sonora e som) e “Elena”, de Petra Costa (júri popular, direção, direção de arte e montagem).

Marcelo Lordello, diretor de “Eles Voltam”, surpreso por dividir o prêmio de melhor filme com Marcelo Gomes. © Junior Aragão

Havia um forte candidato pernambucano na categoria documentário: “Doméstica”, de Gabriel Mascaro, sobre domésticas brasileiras registradas por jovens filhos de famílias patronais, mas o júri optou pela poesia visual e autoral de Cao Guimarães, que filmou apaixonadamente (e não documental) a gravidez de sua mulher, a uruguaia Flor Martinez. São Paulo foi a grande ausência do festival. Marcou presença apenas no curta-metragem, os vencedores, “A Guerra dos Gibis” (melhor documentário) e “Vestido de Laerte” (melhor ficção), e o título mais premiado da categoria, “A Mão que Afaga” (júri popular, Prêmio da Crítica, atriz, roteiro, montagem, Prêmio Aquisição Canal Brasil e Prêmio Vagalume).

Brasília, este ano, na ficção, escolheu três longas pernambucanos e três cariocas. No documentário, houve maior alcance: dois mineiros, um paranaense, um piauiense, um pernambucano e um carioca. O Rio Grande do Sul, outro importante centro de produção, passaria batido se o ótimo “A Cidade”, curta documental de Liliana Sulzbach, não tivesse agradado ao júri da categoria. Ganhou três troféus Candango (melhor direção, fotografia e som).

Premiações distribuídas

Como já é de costume, o júri oficial dos festivais contraria muito as apostas dos jornalistas e do público. Aconteceu este ano no Festival de Gramado (ver matéria nesta edição). O júri de ficção concedeu cinco Candangos ao filme protagonizado pela jovem médica “Verônica”, mas puniu sua intérprete, Hermila Guedes, iluminada em papel tão denso quanto o que desempenhou em “O Céu de Suely”. O filme foi feito, segundo seu diretor, pensando na atriz. Mas o júri preferiu premiar uma pré-adolescente (Luiza Tavares) como melhor atriz. Foi o primeiro filme da garota de 12 anos, e por sua atuação segura garantiu a qualidade excepcional do filme, que tem o foco inteiramente depositado em seu personagem. O júri também escolheu dois longas como os melhores da noite, mas nenhum dos Marcelos diretores (o Gomes e o Lordello) levou o Candango de melhor direção.

O diretor de “Era uma Vez Eu, Verônica”, Marcelo Gomes, com o Candango de Melhor Filme. © Junior Aragão

Na área do curta, o perturbador “A Mão que Afaga” levou três Candangos, encantou a Crítica, o júri do Canal Brasil e o público, mas perdeu o prêmio principal para um filme-bobagem: “Vestido de Laerte”, sobre o cartunista Laerte, de Claudia Priscilla, diretora de documentários densos como “Leite e Ferro” e “Olhe para Mim de Novo”. O resultado é caricato e decepcionante. O que o atrevido cartunista Laerte, em fase crossdressing, faz no filme, nós já vimos na TV e em dezenas de aparições em jornais e mídias eletrônicas. Nem graça o curta tem. Brasília, que inscreveu mais de cem filmes de curta e longa-metragem nas várias categorias do festival, só conseguiu uma vaga e um Candango: o do júri popular para “A Ditadura da Especulação”, produção planetária do coletivo do Centro de Mídia Independente do DF. Na Mostra Brasília/Prêmio Câmara Legislativa, o vencedor foi “Meu Amigo Nietzsche”, como melhor filme pelos júris oficial e popular, direção e roteiro, ambos de Fáuston da Silva.

 

Por Maria do Rosário Caetano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.