“O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça, estreia nos cinemas
Havia uma grande expectativa, no recente Festival de Gramado de 2012, pela exibição de “O Som ao Redor”, primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho. E não por acaso. Afinal, o jovem pernambucano que havia trocado a crítica pela direção cinematográfica já havia nos brindado com excelente curtas e um longa documental (“Críticos”) que invariavelmente davam o que falar. Entre eles, “Vinil Verde” e “Recife Frio”.
Aí veio a ironia: nos minutos finais de um filme que se chama justamente “O Som ao Redor”, a tão esperada sessão em Gramado teve de ser interrompida exatamente em função de um problema… o som. Algo deu errado na projeção, alguns diálogos repentinamente se tornaram inaudíveis, e uma nova sessão foi marcada para o dia seguinte. Já dava para ver – e ouvir – que estávamos diante de um filme predestinado. A interrupção da sessão foi uma medida acertada, já que o som – como já diz o próprio título do filme – é um dos elementos mais importantes do longa de Mendonça.
“O Som ao Redor” investiga um recorte do abismo social e econômico brasileiro visto sob o prisma de um bairro de classes média e alta de Recife. O bairro onde mora o próprio diretor, por sinal. Quase tudo acontece numa única rua onde coexistem alguns dos tipos mais representativos da nossa sociedade urbana: o poderoso coronel cuja fortuna foi forjada nos antigos engenhos de cana, o ex-policial que vende serviços de segurança, as caladas e silenciosas empregadas domésticas, a classe média que compete com o vizinho pelo tamanho de sua nova televisão. Entre todos eles, grades, muitas grades, cercas eletrificadas, muros altos, câmeras de segurança, sensores de presença e outros sinais representativos da surda guerra civil que se vive há gerações no Brasil. O filme se passa em Recife porque o diretor é de lá, mas poderia se passar em qualquer outra cidade brasileira.
Não há um único protagonista, nem uma única linha narrativa. “O Som ao Redor” é mais um painel comportamental, um retrato crítico e irônico de uma sociedade que se aquartelou em seus domínios, se isolou em si mesma, e perdeu os referenciais de convívio. Felizmente, o roteiro não cede à tentação fácil de creditar este tipo de comportamento aos tais “tempos modernos”. Muito pelo contrário: uma bela introdução formada por fotos antigas relata que este abismo social é histórico, de uma época em que os escravos viviam nos porões das casas dos senhores de engenho (e que hoje foram substituídos por prosaicos “quartos de empregada”).
A fina ironia de Kleber Mendonça, já bastante conhecida de seus premiadíssimos curtas-metragens, está presente com força total neste seu primeiro longa. Há o poderoso que olha para um branco e para um negro, mas só dá a mão ao branco; a mulher que quer se aproveitar do fato de ter acontecido um suicídio no prédio para pedir redução no preço do aluguel; o ladrão de aparelhos de som que não pode ser atingido porque é de classe alta; a dona de casa que aproveita o momento em que seus filhos vão para a aula de inglês para se masturbar com a ajuda da máquina de lavar roupa (situação presente também no curta “Eletrodomésticas”, do mesmo diretor). Tudo retratado de forma extremamente plácida, uníssona e uniforme, onde todos os personagens falam baixo, praticamente sussurram, como que hipnotizando o espectador que aos poucos se vê envolvido e arrebatado pela realidade bizarra e palpável de cada uma das situações propostas.
Prevalece a sensação do triste aprisionamento de todos aqueles personagens, cada qual deles refém de processos seculares da nossa história que, com o passar do tempo, se tornam mais agudos e mais insustentáveis.
“O Som ao Redor” é também um filme onde cada som, cada diálogo, cada efeito sonoro tem a sua importante função dramatúrgica. Veja não só de olhos, como também de ouvidos bem abertos.
Assista ao trailer do filme aqui.
O Som ao Redor (BRA, 131 min., 2012)
Direção: Kleber Mendonça Filho
Distribuição: Vitrine Filmes
Estreia: 4 de janeiro
Por Celso Sabadin