Capitalismo financeiro, segundo Costa-Gavras

“O Capital” é o último filme de uma espécie de trilogia não oficial a estrear no Brasil. Assim como “O Exercício do Poder” (2011), de Pierre Schoeller, e “Cosmópolis” (2012), de David Cronenberg, “O Capital” versa sobre o mundo predatório do capitalismo financeiro, aquele que não produz nada mais do que o capital em si. Cada qual com suas particularidades e visões de mundo, “O Capital” centra-se na mudança de mando de um grande banco de investimento europeu, que está em vias de ser comprado por norte-americanos. É importante ressaltar que “O Capital” traz a assinatura do octogenário grego, naturalizado francês, Costa-Gavras.

Gavras se notabilizou por seus filmes de forte acento político, de ideologia esquerdista e viés humanístico. Retratou a ditadura militar na Grécia (“Z”, 1969), no Chile (“Desaparecido – Um Grande Mistério”, 1982), no Uruguai (“Estado de Sítio”, 1972), a relação entre o nazismo e a Igreja Católica (“Amén”, 2002), um julgamento de crimes de guerra (“Muito Mais que um Crime”, 1989), o sensacionalismo na imprensa (“O Quarto Poder”, 1998), entre outros. Gavras já ganhou Cannes, Berlim e até um Oscar, porém seus últimos três filmes ficaram de fora dos principais festivais e premiações. “Eden à l’Ouest” (2009), seu filme anterior, nem sequer chegou ao Brasil.

“O Capital” parece uma decorrência de “O Corte” (2005), que versava, de maneira espirituosa, sobre o complicado mercado de trabalho na Europa. Se “O Corte” tomava o ponto de vista do trabalhador, desempregado e desesperado, “O Capital” retrata o lado do patrão, tentando apontar as razões do mercado para as transformações sociais no continente. Após o presidente de um banco europeu quase morrer, ele é substituído por seu homem de confiança, um jovem e ambicioso, que não aceita o papel de uma eminência parda no projeto.

O estilo de Gavras está lá: gosto pela narrativa, agilidade na montagem, quase como um thriller, tema acima da estética etc. O problema é outro: o roteiro. Gavras sempre foi direto ao ponto em seus filmes, sem firulas, mas também sem se preocupar em encontrar formas diversas para falar de um particular tema. Parece ser a sina dos cineastas essencialmente políticos, quer dizer, daqueles cineastas que trabalham a macro política através da denúncia. Se “O Capital”, por oras, soa didático, querendo explicar e clarificar todos os pormenores das questões políticas e econômicas das fraudes, em outros momentos, sem saber como fazê-lo, simplesmente joga termos e jargões no meio do filme. De fato, é uma trama complexa, cheia de detalhes. Falta ao filme, porém, consistência e amarração, uma edição de texto no roteiro – a começar pelos diálogos.

Há, ali, por exemplo, o presidente recém-empossado, que se encanta por uma bela top model, uma espécie de Naomi Campbell. Fará de tudo para consegui-la, inclusive, participar de seus joguinhos, dando-lhe um bocado de dinheiro que pertence ao banco. O adultério pouco serve ao filme, narrativamente. Se é uma metáfora ao jogo que o capitalismo é ao banco, tampouco. As motivações, em “O Capital”, parecem esquemáticas: querem apenas provar um ponto, de como os bancos jogam com as pessoas. E dá-lhe a medida de reforma no banco: precisando cortar 10% dos funcionários, a mando dos norte-americanos, o presidente cria um sistema de avaliação que lhe dará uma espécie de aval populista entre os funcionários de base, visando apenas à manutenção no poder. Através da denúncia de privilégios, descarta diversos executivos.

Gavras trabalha com a ideia do capitalismo selvagem, que parece de fato muito adequado ao capitalismo contemporâneo, o financeiro – o capital que gera apenas capital –, mas sem se aprofundar em seus personagens-tipos, sem encontrar novas soluções narrativas – “O Corte”, ao menos, trazia um viés do absurdo que lhe servia bem –, sem sequer trabalhar bem as premissas do cinema clássico ou do cinema político dos anos 60 – como se só a denúncia funcionasse. Gavras envelheceu, e com ele, tristemente, seu cinema.

O Capital | Le Capital
França, 113 min., 2012
Direção: Costa-Gavras
Distribuição: Paris Filmes
Estreia: 4 de outubro

 

Por Gabriel Carneiro

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