Mostra SP 2014

AS NUVENS DE SILS MARIA – Há quem veja em “Acima das Nuvens” (Clouds of Sils Maria), de Olivier “Carlos” Assayas, um filme menor. Menor? De forma alguma. Um belo filme, com Juliette Binoche vivendo, aos 50 anos, uma atriz quarentona. Uma atriz obrigada a constatar que os doces anos da juventude passaram. Rodado na Suíça, falado em inglês (com alguns diálogos em francês e alemão), o filme, cujo roteiro foi escrito pelo próprio Assayas, nos presenteia com uma bela reflexão sobre o próprio cinema.

LULI E LUCINA – A dupla hippie-umbandista, que gostava de bater tambores, forneceu a Ney Matogrosso alguns de seus grandes sucessos. Frequentadoras de circuitos alternativos nos anos 70 e 80, Luli e Lucinha, depois Luli e Lucina (agora Luhli & Lucina) estão no centro do documentário “Yorimatã”, que representa o Brasil na Mostra SP 2014 (Novos Diretores). Seu autor, Rafael Saar, contou com rico material de arquivo, já que a dupla viveu um casamento a três com o fotógrafo e superoitista Luiz Fernando Borges da Fonseca. Ele registrou as compositoras e cantoras em momentos os mais diversos, no trabalho e na vida cotidiana. Nos anos 70, de alma hippie e avanços morais, os três criaram filhos e cultivaram amigos numa comunidade coletiva, em Filgueiras, no estado do Rio. “Yorimatã” tem boas imagens de arquivo, mas é longo demais (116 minutos), e por isto, redundante. E os encontros realizados, para o documentário, com artistas (como Joyce, Gilberto Gil e Ney Matogrosso) não rendem muito.

BRECHT, SCHLONDORFF, FASSBINDER, VON TROTTA, SCHYGULA – Um dos biscoitos finos da Mostra SP 2014 é “Baal”, que Volker Schlondorff (Palma de Ouro em Cannes, por “O Tambor”), realizou em 1969, a partir de Brecht. O público pode até não se apaixonar pela história do poeta e anarquista Baal, que perambula por estradas em busca de aguardente, cigarros e parceiros/parceiras. Tudo, porém, muda de figura quando vemos, no filme, os nomes que renovaram, naquele final de anos 60 e aos longa da década de 70, o cinema alemão. Afinal, Fassbinder (1945-1982) é o protagonista absoluto do filme, na pele de Baal. Ele tinha 23/24 anos, e já trazia a cara rechonchuda que marcaria seus breves 37 anos de vida e muito cinema. Com Fassbinder, na tela, está Margareth Von Trotta, que, como ele, se tornaria diretora das mais importantes (Leão de Ouro em Veneza com “Os Anos de Chumbo”). Hanna Schygulla, atriz fetiche de Fassbinder também está em “Baal”. Scholondorff comanda o texto brechtiano levado à tela. E muitos atores que brilhariam nos elencos dos filmes germânicos das décadas de 70 em diante estão lá. Se Werner Herzog e Alexander Kluge estivessem em “Baal”, este longa-metragem seria um compêndio de rostos e talentos que marcaram, para o todo e o sempre, o cinema da pátria de Bertolt Brecht.

A FANTASIA DE GUEDIGUIAN – Irresistível a primeira parte da bem-humorada “fantasia” do francês (de origem armênia) Robert Guediguián, mais uma vez estrelada por sua mulher e musa, Ariane Ascaride. “O Fio de Ariane” (que evoca o Fio de Ariadne grego) mostra uma dona de casa que, abandonada em sua festa de aniversário por todos os familiares, resolve se aventurar pela cidade. Na Marselha que ambienta a maioria dos filmes da Trupe Guediguián, ela vai relacionar-se com taxista melômano (o filme tem muita música, inclusive de Brecht & Weill), uma jovem prostituta, um “virador” que atrai clientes da terceira idade para um restaurante, um vigia africano que sonha com sua terra natal etc, etc. E com Ariane Ascaride estão os “musos” de Guediguian: Jean-Pierre Darroussin e Jacques Boudet à frente. E muitas canções Jean Ferrat.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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