A viagem dos hipopótamos

É um documentário. Mas prende a atenção mais e melhor que muito filme de suspense por aí. Assim é “A Vida Privada dos Hipopótamos”, um trabalho que, num primeiro momento, estava destinado a documentar a vida de estrangeiros presos no Brasil, mas que com o desenrolar dos fatos acabou se debruçando sobre a magnética figura de Christopher Kirk, um simples técnico norte-americano de informática que tem aquilo que todos nós gostamos de ver no cinema: uma boa história para contar. O que faz com grande talento. Já devidamente trajado com seu uniforme de presidiário, Kirk conta diretamente para a câmera a incrível história de um homem (ele mesmo) que certo dia decidiu passar férias na Colômbia só porque se encantou pelo fato do traficante Pablo Escobar ter importado para lá uns pares de hipopótamos africanos. Percebe-se logo que não veremos exatamente uma história convencional. Mas este é apenas o começo. Com um olhar malandro e irônico, e demonstrando pleno domínio da arte de contar histórias, Kirk aos poucos vai incorporando ao seu relato atrativos elementos dignos de um romance policial. Com direito a uma belíssima femme fatale, suspeitas de tráfico internacional de drogas, prostituição e romances arrebatadores ao redor do mundo. Hitchcock adoraria.

Enquanto pululam na cabeça do público questões sobre os motivos que teriam levado aquele simpático gringo à cadeia, quem seria esta femme fatale, cujo rosto caprichosamente não nos é mostrado e, claro, qual é a razão deste filme, a narrativa flui com total desenvoltura e rapidez, prendendo o público na poltrona. Porém, estamos falando de cinema, e toda esta história não pode sobreviver apenas da verbalização. Sem problemas. Para solucionar a questão, a dupla de roteiristas e diretores Maíra Bühler e Matias Mariani teve acesso a uma verdadeira arca do tesouro: o computador pessoal de Kirk, rico manancial de fotos, vídeos e músicas que, cuidadosamente elaborados, compõem o tecido visual e sonoro do filme, atribuindo-lhe ares – agora sim – rigidamente documentais.

O resultado é o filme de suspense ao qual me referi no início do texto. E a prova, mais uma vez, que parece não haver limites que esgotem as infinitas possibilidades deste gênero tão fascinante chamado documentário. Além do fato, este mais óbvio, de que todos nós adoramos chafurdar na vida pessoal de conhecidos e desconhecidos.

Esta não é a primeira vez que Matias e Maíra trabalham juntos. Eles já haviam dividido a direção no filme “Ela Sonhou que Eu Morri”, onde ganharam exatamente o troféu de melhor direção nos festivais de Paulínia e Viña Del Mar. Matias Mariani estudou cinema na Universidade de Nova Iorque e dirigiu o curta “O Não de São Paulo”, premiado no Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro. Trabalhou como produtor em “Sonhos de Peixe” (exibido na Semana da Crítica de Cannes), “O Cheiro do Ralo” e “À Deriva”. Já Maíra Bühler é antropóloga e codirigiu o belo longa documental “Elevado 3.5”, premiado no festival É Tudo Verdade de 2007. Ela também criou e dirigiu a série “Conversas de Salão” para o canal GNT.

Atrativo e criativo, “A Vida Privada dos Hipopótamos” chega ao circuito após vitoriosas participações em festivais como o FID Marseille 2014, Rio 2014 (onde ganhou o prêmio de montagem), IDM 2014 no Canadá, Cine Ceará (Prêmio da Crítica de Melhor Longa-Metragem e Prêmio de Melhor Edição), Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de Cuba, Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, em Portugal, e Festival First Look 2015, em Nova York.

Vale a viagem.

Assista ao trailer do filme aqui.

 

A Vida Privada dos Hipopótamos
(Brasil, 90 min., 2014)
Direção: Maíra Bühler e Matias Mariani
Distribuição: Vitrine Filmes
Estreia: 7 de maio

 

Por Celso Sabadin

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