História à la Back

Silvio Back é um cineasta singular em nosso cenário cinematográfico. Diria mesmo que um ponto fora da curva ao se olhar com atenção para seus filmes, temas e como ele próprio se manifesta sobre sua obra. Catarinense, filho de emigrantes alemães, Back mantém uma constância de temas históricos com forte teor patriótico desde “Guerra dos Pelados” (1970), que trata justamente da Guerra do Contestado: conflito armado entre a população da região fronteiriça entre Paraná e Santa Catarina e tropas federais, que vai de 1912 até 1916.

Esse mesmo tema é retomado em seu filme mais recente, “O Contestado – Restos Mortais” (2010), o que ratifica tratar-se de um cineasta com incrível obsessão por questões locais de fundo histórico, pela acomodação de imigrantes no sul do país quando confrontada com sentimentos patrióticos. Sob esse aspecto, “Aleluia Gretchen” (1976) é seu filme mais importante, conhecido e discutido.

Os temas de seus filmes são inegavelmente importantes e oportunos. Mas Back é um cineasta singularmente conhecido e desdenhado. Seus filmes se situam numa zona estranha. Como se despertassem curiosidade “antropológica”, mas não vão muito além do exótico. De modo que sua obra e sua própria figura acabam gerando discussões marginais, possivelmente, com incompreensões recíprocas entre suas intenções e a recepção esperada.

Quem sabe a Coleção Cinemateca Silvio Back, duas caixas de DVDs com doze filmes de sua vasta obra, lançada pela Versátil, sirva para dirimir incompreensões entre Back e especificamente seguimento da crítica que não o vê com bons olhos. Dos filmes das duas caixas, aqui darei atenção à “Revolução de 30” (1980), realizado justamente cinquenta anos depois da “revolução” que levou Getúlio Vargas ao poder.

Trata-se de um filme-colagem com cenas de dezenas de registros fílmicos dos anos de 1920. Como destacado nos créditos, ele reuniu material de diversos acervos e arquivos para compor um painel de imagens dos acontecimentos que vão da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 1922, até a saudação que Vargas faz ao povo ao se instalar no poder, em 1930. Além da pesquisa de imagens, cabe destacar a escolha da trilha musical. Inúmeras canções da época, que foram obtidas do arquivo fonográfico de Jairo Severino, revelam como personagens e situações políticas eram cantadas.

Além de imagens e sons, “Revolução de 30” é pontuado pelos comentários dos historiadores Boris Fausto e Edgard Carone e pelo cientista político Paulo Sérgio Pinheiro. Eles procuram traçar, em linhas bem gerais, o contexto político dos anos de 1920 no Brasil, assim como o papel das diversas forças sociais que estão em jogo à medida que o país começa a se industrializar. Para os três, uma constante em suas exposições é sobre o papel do povo, da classe média e do movimento tenentista na evolução dos acontecimentos que culminarão com o fim da chamada República Oligárquica.

Não suponho que Back tinha tido a intenção de confrontar interpretações ao reunir Boris Fausto, Edgard Carone e Paulo Sérgio Pinheiro. Mas, para um observador que não tenha conhecimento das respectivas ideias desses três estudiosos do período, é notório como eles têm interpretações distintas. Sobre o papel da classe média, por exemplo, enquanto Boris Fausto vê uma projeção de seus interesses no processo revolucionário, Paulo Sérgio Pinheiro acentua que a classe média que contava no país, a paulista, era contrária ao fim da ordem vigente.

Distante no tempo, esse é apenas um dado para vermos como o tratamento de um documentário histórico envolve sutilezas que vão além do que o próprio diretor tinha em mente. Mas igualmente um dado que nos instiga a pensar sobre a urgência de revermos nossa história. Nesse sentido para mim a importância de se ver um documentário sobre a revolução de 30.

Sobre o filme em si, como concebido por Back, cabem algumas observações. Destaco que, ao inserir ocasionalmente letreiros escritos por ele entre as imagens, há um inequívoco tom de sarcasmo. Inclusive, porque os letreiros conservam a grafia da época. Mas o tom sarcástico está em flagrante contraste com as sisudas locuções dos comentários acadêmicos.

Por que Back optou por certa dimensão sarcástica num filme em princípio sério não chego a entender. Com essa opção o que entendo é que ele pode confundir um espectador disposto a não levar o país a sério. Talvez aqui um dos motivos pelo qual sua obra gere incompreensões. De qualquer modo, pondo de lado as excentricidades de Back, “Revolução de 30” é um documentário que merece atenção. Seja porque revela um país tão diferente do que vivemos; seja porque revela um país com conflitos tão parecidos quase cem anos depois.

 

Por Humberto Pereira da Silva, professor de ética e crítica de arte na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.