Paranoias e fascínios da juventude

Primeiro longa-metragem da carioca Anita Rocha da Silveira, formada em Cinema pela PUC-Rio, em 2008, “Mate-me por Favor” estreou fazendo sucesso ao aliar um trama meio policial com as descobertas da juventude. O filme foi exibido na seção Orizzonti do Festival de Veneza de 2015, voltada para novas tendências, e no Festival do Rio, de onde saiu com os prêmios de melhor direção e de melhor atriz para Valentina Herszage. Em “Mate-me por Favor”, um serial killer assombra a Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Os eventos influenciam a vida da adolescente Bia (Herszage) e de suas amigas do colégio, criando medo e ao mesmo tempo fascínio.

O medo como fascínio

O filme de Silveira traz uma abordagem bastante diferente para o universo adolescente, contextualizando os dilemas juvenis de classe média em um cenário de violência urbana, com foco especial sobre a mulher. “O filme aborda as paranoias de ser jovem, o medo do assédio, do estupro. É o que toda garota passa quando entra na adolescência, esse medo do sexo – e o sexo associado a algo errado, a algo doloroso, quando se torna consciente do que é o estupro e de que isso pode acontecer com você. Uma memória muito grande da minha adolescência é essa lógica de que é melhor morrer do que ser estuprada. São as paranoias de ser uma mulher adolescente, tanto o medo do estupro, quanto o medo do sexo mesmo, da descoberta sexual em uma sociedade que é ainda muito moralista quando se fala disso”, afirma Anita da Rocha Silveira.

No filme, as garotas que habitam condomínios fechados exploram a paisagem quase desértica da Barra da Tijuca, tomadas por matagais e prédios em construção, e o que o bairro pode oferecer, como a igreja evangélica voltada para o jovem que o namorado de Bia frequenta. A presença do serial killer, amplamente noticiado, paira como um fantasma na mente das meninas. “Claro que, por estar numa cidade, passa-se pelo medo de se sair à noite, de não estar acompanhada. Elas querem explorar o bairro, querem a liberdade, algo natural de todo adolescente, de querer ser livre, de se colocar em risco, de se achar invencível, e de achar que pode sair por aí. Parte de ser jovem é querer sair, experimentar com o próprio corpo. Não é fácil ser jovem e ficar trancado dentro de um condomínio. As meninas estão seguindo seus instintos naturais e explorando o espaço onde vivem”, complementa.

Silveira já vem trabalhando o universo adolescente desde seu primeiro curta, “O Vampiro do Meio-Dia” (2008), passando por “Handebol” (2010) e “Os Mortos-Vivos” (2012), este último exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. A preferência pelo tema diz respeito às suas experiências pessoais. “Mate-me por Favor”, que nasceu a partir de um convite da produtora Vânia Catani, da Bananeira Filmes, para desenvolver um argumento de longa, é inspirado na trajetória de uma amiga de Silveira que se suicidou aos vinte e poucos anos. “A Bia não é suicida, mas tem vontade de estar num lugar extremo, de testar seu corpo cada vez mais e de explorar todas as suas possibilidades, nem que a leve até a morte. Com o serial killer no bairro, a vida dela sai de uma normalidade e ela quer viver nesse estado de exceção descobrindo tudo o que pode acontecer com ela”, conta a diretora, que vê no jovem o desejo de querer viver tudo intensamente.

Gênero fantástico

Para contar sua fábula sobre adolescência, Anita Rocha da Silveira deixa de lado o realismo e apela para o exagero e para a fantasia, de forma a deixar mais claro certos resultados. Exemplo disso é a ausência de adultos na trama. O personagem mais velho é o irmão de Bia, dez anos mais velho que ela, com 25 anos, que ainda mora com os pais e se comporta como um adolescente. Os pais, por exemplo, nunca são vistos; estão em viagem. O artifício é uma forma de centralizar o longa na questão dos jovens e criar um espaço sem controles e sem mentores, em que os adolescentes vão se criando. “[A estratégia] é um exagero do que se passa quando a classe média se muda para um bairro como a Barra [da Tijuca], formado por condomínios, com grades e seguranças, em que os pais acham que ali podem largar os filhos e que está tudo bem naquele espaço gradeado, que é seguro. Lembro-me da minha juventude, de vários amigos meus que mudaram para a Barra, cujos pais passavam o dia inteiro trabalhando no outro lado da cidade e os filhos ficavam ali naquele espaço extremamente solitário”, conta.

“Mate-me por Favor”, pela ameaça iminente de um serial killer e por um gosto em mostrar o vermelho do sangue, tem sido associado ao gênero horror. Ainda que tenha pontos de contato, o longa não se filia completamente ao gênero, trabalhando diferentes códigos. A diretora não vê o filme como horror. “Tem um lado de filme de horror, mas é uma coisa muito pequena dentro do filme, diria que é muito mais fantasia do que horror. Essa associação com o horror não foi intencional, não foi algo que pensei quando escrevi. Claro, uma cena ou outra vai por esse caminho”, pontua.

O longa tem uma estética que também o aproxima do gênero fantástico. Parte de um registro mais realista, naturalista, e termina em tons expressionistas. Situações cada vez mais estranhas tomam o filme. A cor assume um papel importante nessa mudança de tom do longa. “‘Mate-me por Favor’ não é um retrato naturalista, mas a ideia era começar mais realista e, à medida que avança, as cores vão mudando. Preto vai virando azul. As cores vão sendo alteradas para refletir o meio contextual e sair do registro realista. Na paleta de cor, a cor chave é o roxo, que acho que tem a ver com o vampiro. O vermelho, usamos apenas para pontuar. Usamos muito do roxo, indo para o azul e para o rosa”, afirma Silveira, que contou com João Atala na direção de fotografia. Atala é amigo de Silveira e fotografou os dois curtas anteriores dela. É sua estreia na função em longas-metragens ficcionais.

Cena de “Mate-me por Favor”, com Valentina Herszage à frente, premiada como melhor atriz no Festival do Rio. © Bruno Mello

Lançando jovens talentos

Um dos elementos que mais tem chamado atenção em “Mate-me por Favor” é o elenco, protagonizado por jovens pouco conhecidos. Em Veneza, o filme ganhou o prêmio paralelo Bisatto D’Oro, dado pela crítica independente italiana, pelo conjunto da interpretação para Valentina Herszage, Dora Freind, Júlia Roliza e Mariana Oliveira. Herszage também levou o prêmio de melhor atriz no Festival do Rio.

Para escolher o elenco, Silveira fez muitos testes. Viu o material de mais de 500 meninas e testou 200. Depois, pediu para 50 voltarem para uma segunda rodada de testes. Reduziu mais o número para um terceiro teste para fechar as quatro garotas. “Para mim, era importante que fossem meninas com a idade real das personagens. O elenco principal jovem tinha de 14 a 16 anos nas filmagens”, conta Silveira, que rodou o filme ao longo de cinco semanas, em janeiro e fevereiro de 2014, no verão carioca.

Foram dois meses de preparação do elenco com a atriz Ana Kutner. Como as garotas estavam em período letivo, eram três horas semanais dedicadas ao filme. Começou com improvisação, conversas sobre morte e sexualidade e exibição de filmes para mostrar outras referências de temática e de interpretação. Só depois dessa etapa, começaram a trabalhar o texto, ensaiar e marcar as cenas. “Minha ideia é ir para o set sempre muito segura, muito preparada, com abertura para poder conversar, relaxar. Não está entendendo algo? Podemos parar, conversar. Meu set não é sério, as pessoas fazem piada, se divertem. O principal para mim é que os adolescentes se sintam muito confortáveis, tanto comigo quanto com a equipe”, conclui. “Mate-me por Favor” tem estreia prevista para abril, pela Imovision.

 

Por Gabriel Carneiro

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