O som ao redor dos sonhos
Com seu primeiro longa, “Aspirantes”, o carioca Ives Rosenfeld quer ajudar a quebrar um tabu do nosso cinema: o de que os brasileiros não sabem filmar bem futebol. “Existe toda a tradição do Canal 100, filmes como o ‘Garrincha – Alegria do Povo’, do Joaquim Pedro de Andrade, ou o último do Eryk Rocha. Sem falar que vemos futebol na TV pelo menos duas vezes por semana”, comenta.
Hoje, com 35 anos, Ives se lançou na direção de longas depois de dez anos de carreira como captador de som. Foi o responsável pelo áudio de filmes tão diferentes quanto “Riscado”, de Gustavo Pizzi, “As Cartas Psicografadas por Chico Xavier”, de Cristiana Grumbach, e “Um Filme de Cinema”, o último documentário de Walter Carvalho. “Foi aquela coisa… Optei pelo trabalho de som porque tinha menos oferta de profissionais. Todo mundo prefere ser diretor ou assistente de câmera”, lembra, brincando.
Vascaíno roxo, apaixonado por futebol desde criança, ele começou a escrever com seu corroteirista (e depois preparador de elenco) Pedro Freire a história de Júnior (Ariclenes Barroso), um aspirante a jogador de futebol do Esporte Clube Bacaxá, em Saquarema, no litoral fluminense. Ele divide o campo e o sonho de se tornar um craque com o melhor amigo, Bento (Sérgio Malheiros). Mas a vida não toma o rumo esperado pelos aspirantes a craque, mas aquele vivido por boa parte dos candidatos a estrela: é o seu amigo que passa numa peneira concorrida, e sua namorada fica grávida, jogando mais pressão sobre seus ombros.
Ives tem claro em mente que não fez um filme sobre futebol, mas que usa o esporte como pano de fundo para uma história de sonhos não realizados, a inveja e a dificuldade de lidar com o sucesso daqueles que buscam o mesmo que nós. Para isso, usou toda a sua experiência na construção do som para criar progressivamente essa sensação de claustrofobia emocional na vida de Junior. “Meu maior medo na hora de filmar era o de que esse personagem silencioso se tornasse enfadonho. Trabalhei com o Ari um silêncio de diferentes texturas, que tem uma progressão ao longo do filme. Esse foi o trabalho mais delicado”, diz.
Um time menor
“Aspirantes” começou a carreira com um prêmio importante: entre 16 filmes brasileiros, foi o vencedor da Carte Blanche, projeto de apoio à finalização do Festival de Locarno, na Suíça. Uma vez pronto, o filme venceu três prêmios no Festival do Rio (diretor, ator coadjuvante para Ariclenes e atriz coadjuvante para Julia Bernat) e o Prêmio da Crítica na Mostra Internacional de São Paulo.
Foram quatro semanas de filmagem, a maior parte em Saquarema, com um orçamento de R$ 1 milhão. O resultado é um filme pequeno, pessoal e intimista, mas que não deixa de revelar a habilidade do diretor nas cenas de futebol. Preparar essas cenas foi um dos maiores desafios. Sérgio e Ariclenes treinavam todo dia. Um time fictício foi montado para treinar com eles. Na hora das filmagens, às vezes, o time de 11 era reduzido a oito, para facilitar o trabalho da câmera. Ives viveu um dilema clássico na hora de escalar seu elenco: selecionar atores e treiná-los para jogar, ou escolher jogadores que pudessem aprender a atuar? “Tive receio de que um não ator pudesse não dar conta do trabalho. É mais fácil ensinar futebol a um ator do que pegar alguém que nunca atuou e ensinar todo o lado dramático”, explica.
Bola invisível
Daí a escolha de Ariclenes, ator cearense que tinha 20 anos na época da filmagem. Desde os nove anos, o menino atuava com o Grupo Oficina de Zé Celso em São Paulo. Ives se encantou com o carisma do rapaz. “Na sala de testes de elenco, tinha uma bola para os candidatos fazerem embaixadinha. O Ari dispensou a bola e começou a fazer embaixadinhas imaginárias no ar. Fez com tanta verdade que tive a certeza naquele momento de que ele era o personagem”, recorda. Ariclenes já foi visto num pequeno papel em “Tatuagem” e está em outros filmes da temporada, como “Jonas”, de Lô Politi, e “Se Deus Vier que Venha Armado”, de Luis Dantas.
Ariclenes e Malheiros foram preparados por Pedro Freire, que já havia feito a preparação de elenco de “Era uma Vez Eu, Verônica”, de Marcelo Gomes, e “O Homem das Multidões”, de Marcelo e Cao Guimarães, entre outros.
Depois de alguns trabalhos na TV, como a direção da série “Os Homens São de Marte… e É pra Lá que Eu Vou” (GNT), Ives já prepara o roteiro de seu próximo longa, “América”, história que fará um paralelo entre a imigração do Leste Europeu para o Rio no início do século 20 e a imigração de nordestinos para o Rio nos anos 70 e 80. Como base, ele toma a história de seu avô, que migrou da União Soviética para a capital fluminense nos anos 20, e a história da empregada doméstica que o criou na infância. A única certeza é de que o som continuará a ter papel fundamental na construção do filme.
Por Thiago Stivaletti