Prêmios Platino consagra “O Abraço da Serpente”
Por Maria Rosário Caetano, de Punta del Este (Uruguai)
Foi a mais ousada decisão do colegiado que atribui os Prêmios Platino aos melhores do cinema ibero-americano. Num ano em que a produção da Península Ibérica e, principalmente, a da América Hispânica mostraram rara força, o colombiano “O Abraço da Serpente”, de Ciro Guerra, 35 anos, conquistou sete das oito estatuetas que disputou. Incluindo as duas categorias mais nobres (melhor filme e melhor direção).
A decisão dos jurados dos Prêmios Platino reconheceu a ousadia do cinema colombiano contemporâneo (em ótima fase) e, em particular, as corajosas opções estéticas de Ciro Guerra. Ele realizou um filme em preto-e-branco, longo (125 minutos) e com narrativa entrecortada por idas e vindas temporais. E mais: escalou elenco amador (comandado pelos originários Antonio Bolivar, intérprete do índio xamã Karamakate viejo, e por Nilbio Torres, o Karamakate jovem) e dois estrangeiros (Jan Bijvoet e Brionne Davis), que reviveram os exploradores Theodor Koch-Grunberg e Richar Evans Schiltes.
“O Abraço da Serpente”, finalista ao Oscar de melhor filme estrangeiro, este ano, foi lançado no Brasil pela Esfera e vendeu, até maio último, 17.914 ingressos. Nada mal para um filme com tais características.
O Brasil, que fora totalmente esquecido pela Academia dos Prêmios Platino – não cravara nenhuma indicação (nem de melhor filme de ficção, documentário ou animação, nem de atores, nem de técnicos), acabou ocupando parte do espaço merecido na noite do cinema ibero-americano, realizada numa invernal Punta del Este (o prêmio é itinerante). O longa “ Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert (que, sem patriotada, merecia indicações para melhor filme, direção e atriz/Regina Casé) ganhou o prêmio especial “Cine y Educación en Valores”, que doravante será destinado a projetos ligados aos Direitos Humanos.
A Egeda (Gestora de Direitos Autorais Cinematográficos) e a Fipca (Federação de Produtores Ibero-Americanos), promotoras do Platino, não fizeram por menos. Escalaram a líder indígena Rigoberta Menchú, Prêmio Nobel da Paz em 1992, para entregar a nova láurea. A índia guatemalteca foi recebida com aplausos calorosos e de pé pelos quase três mil convidados, vindos de 23 países que compõem o mundo ibérico.
Vestida em coloridos trajes dos povos indígenas da América Central, Rigoberta explicou a razão de ser do prêmio, compromissado com os Direitos Humanos, em especial com a Educação, e passou a estatueta (representada por um corpo de mulher que segura o globo terrestre) às mãos da atriz Karine Teles, intérprete da patroa de Val, a inesquecível doméstica de Regina Casé, que protagoniza o filme.
Karine, que estava acompanhada pela produtora Claudia Buschel, da Gullane, agradeceu o prêmio e bradou: “Fora Temer”, para em seguida defender direitos iguais para mulheres e homens, inclusive na indústria do audiovisual.
Protestos políticos
A atriz brasileira não foi a única a protestar na invernal noite de entrega dos Prêmios Platino. Depois dela, a atriz argentina Dolores Fonzi, premiada por seu excelente trabalho em “Paulina”, reforçou a luta pelos direitos da mulher e desdobrou um pequeno cartaz (semelhante aos mostrados pela equipe de “Aquarius”, em Cannes) no qual escrevera: “Liberdade para Belém”.
Santiago Mitre, diretor de “Paulina” e namorado da atriz, esclareceu para a Revista de CINEMA a enigmática mensagem que ela deixara no ar (sessenta emissoras de TV do mundo ibérico transmitiram a festa): “Dolores defende a libertação de uma jovem argentina, presa em Tucumã, por ter feito um aborto”.
Os protestos das atrizes brasileira e argentina se deram em tom solene. Já os protestos contra Donald Trump, candidato republicano ao Governo dos EUA, se deram nas divertidas intervenções dos três apresentadores: a bela e escultural cantora uruguaia Natalia Oreiro, o showman mexicano Adal Ramones e o ator e diretor espanhol Santiago Segura. Temia-se que a ausência (por motivos profissionais) do ator e cineasta Eugenio Derbet (diretor do blockbuster azteca “Não Aceitamos Devoluções”) fosse muito sentida pelo público. Não foi, porque seus substitutos estiveram à sua altura e o próprio Derbet mandou intervenção gravada, provocando e espicaçando, com a verve costumeira, seus substitutos.
As piadas mais aplaudidas da noite tiveram as relações dos EUA com o México (país que Trump quer separar por muros ainda mais segregadores) como tema.
Primeiro, Adal & Santiago lembraram que Edward James Olmos (que entregou o prêmio ao melhor filme, ao lado do torpedo hormonal colombiano, Angie Cepeda) interpretou um tenente em “Miami Vice”, fato raro numa série norte-americana, que só escalava hispano-americanos para o papel de narcotraficante. O que eleva o mérito do ator, pois – concluíram – “Olmos tem mesmo cara de narcotraficante!” Depois, num segundo momento, evocaram a vingança dos mexicanos, que quebram a língua dos anglo-saxões, obrigados a pronunciar o impronunciável nome do superoscarizado Iñarritu.
A dupla de apresentadores brincou, também, com a idade dos atores. Disseram que o mexicano Julio Bracho estava arrancando suspiros de fãs adolescentes, e que o mesmo acontecia com Darín. Para logo corrigirem: claro que as fãs de Bracho suspiravam por ele… nos anos 1970. Por Darín, sim, elas suspiram. Não pelo pai, mas sim pelo filho, Chino Darín.
As piadas com o grande vencedor da noite – O Abraço da Serpente” – também se multiplicaram. Um dos apresentadores levou uma cobra (de pano, claro) para o colo de (um assustado) Ciro Guerra e perguntou: “como é que a serpente pode dar abraços, se todos sabemos que ela não tem braços?”
Na hora de entregar o Platino de melhor trilha sonora a Nascuy Linares, os cômicos não se contiveram. Um já havia dito que assistira ao filme em cópia que só podia ser pirata e das piores, pois a imagem aparecera em preto-e-branco! Provocaram, então, o compositor: “já pensou se o diretor tivesse resolvido fazer um filme, além de em preto-e-branco, mudo? Você ficaria sem trabalho”.
Garota de Ipanema
A preocupação em mostrar que não houve perseguição ao Brasil, o maior país do mundo ibérico (204 milhões de habitantes e produção cinematográfica média de 130 longas-metragens/ano), se fez sentir em mais dois momentos da noite platina. O que primeiro se ouviu na cerimônia de premiação foi a voz de Natalia Orero cantando, em português, “Garota de Ipanema”, de Tom & Vinícius. Depois, a cantora potiguar-carioca Roberta Sá, que mostrou em Punta del Este o show “Cem Anos de Samba”, subiu ao palco, envolta em primaveril vestido de estampas tropicais, para apresentar o Platino de melhor trilha sonora (o vencedor foi o venezuelano Nascuy Linares, por “O Abraço da Serpente”. Ele agradeceu ao Maestro Abreu, criador, na Venezuela, de O Sistema (projeto de difusão popular da música erudita).
Aplausos para Darín
Além de Rigoberta Menchú, só Ricardo Darín (que fará 60 anos no início de 2017) foi recebido com aplausos demorados e de pé. Bem-humorado, ele pediu que todos se sentassem. Recebeu seu Platino de Honor (láurea atribuída à brasileira Sonia Braga, em 2014, e ao malaguenho Antonio Banderas, em 2015) e avisou que pensara em vários tipos de discurso para agradecer a honraria. Descartou todos eles, por razão muito simples: não gosta de discursos. E mais: conhecia o vibrante discurso proferido por Antonio Banderas, em Marbella, na Espanha, na noite dos Platinos. Sabia que muitos estavam ali, atentos, para ver se ele superaria o manchego. Mas não desejava de forma alguma levar esta competição a cabo. Avisou que concordava com 90% de tudo que Banderas dissera, principalmente com a defesa que fizera dos filmes ibero-americanos. E assim – como quem não quer nada – também construiu com palavras um auto de fé na capacidade criativa do cinema ibero-americano, capaz de enfrentar, com baixos orçamentos e gente de carne e osso, a poderosa indústria dos filmes de efeitos especiais, produzidos com milhões de dólares.
Ao concluir, Darín convocou a todos a reconhecer a capacidade de nossos atores e técnicos, “respondendo com talento, picardia e atrevimento” aos imensos desafios que nos são impostos. “Temos que ter confiança em nós mesmos”.
O astro argentino (e também espanhol, pois tem dupla nacionalidade) concorria a melhor ator por seu trabalho em “Truman”, filme do espanhol Cesc Gay (já visto aqui no Brasil por 140 mil espectadores). Perdeu para seu conterrâneo Guillermo Francela, o magistral intérprete do chefe de “O Clã”, de Pablo Trapero. Este filme, um blockbuster na Argentina, teve aceitação menor que a merecida no Brasil, mas foram unânimes os elogios ao trabalho de Francela. Ele dá vida, sem nenhum viés caricato, a personagem terrível (um pai responsável pela criação de indústria familiar de sequestros, nos estertores da ditadura militar argentina).
“Truman” foi, junto com “O Abraço da Serpente”, o filme mais zoado pelos apresentadores da festa dos Platino, dois “palhaços” que se espicaçavam um ao outro, arrancando risos e aplausos da plateia. Um deles, o mexicano, resolveu revelar, na frente do almodovariano Javier Cámara (simpaticíssimo e festejadíssimo por todos), também concorrente ao Platino, que os distribuidores de “Truman” o haviam substituído por um “perro”. Sim, o cão de nome Truman teria dividido o cartaz portenho do filme de Cesc Gay com Darín, tirando Cámara de cena.
Para provar que não mentia, apresentou prova material, mostrando o cartaz espanhol, no qual os personagens de Darín e Cámara brilhavam juntos, e comparando-o ao cartaz argentino. A plateia, surpresa, acabou rindo da esdrúxula opção dos conterrâneos de Darín. E ficou sem saber se aquilo era verdade ou brincadeira de internet apropriada pelos irreverentes Santiago Segura & Adal Ramones.
Botão de Pérola
O Chile foi a força hegemônica na competição de documentários dos Prêmios Platino. Três dos cinco concorrentes vinham do país andino. E venceu o melhor deles: “O Botão de Pérola”, de Patrício Guzmán. Mais uma prova da ousadia do júri platino, este ano.
O chileno Guzmán, que vive na França mas prossegue, cada vez com mais paixão, em seu mergulho na história política e social de seu país natal, não esteve em Punta del Este. Seus representantes justificaram: “Guzmán está trabalhando no fecho de sua trilogia da Memória do Chile, iniciada nas areias do deserto (“Nostalgia da Luz”) e sequenciada com a água (“O Botão de Pérola”) e a ser encerrada com a coluna vertebral do território chileno: a Cordilheira dos Andes”.
“El Botón de Nacar”, o filme premiado pelo Platino, deve muito aos povos originários do Chile: os índios. Assim como o devem os dois outros grandes vencedores da noite (“O Abraço da Serpente” e “Ixcanul”), ambos protagonizados por descendentes dos primeiros habitantes das Américas.
Depois de anunciar, com um belo videoclip, que Madri, a capital da Espanha, sediará o Platino 2017, o comando do prêmio entregou o palco à equipe vencedora de Ciro Guerra. A produtora do filme, Cristina Gallego, contou a saga de sua realização, que reuniu esforços colombianos, venezuelanos, argentinos e espanhóis e dedicou o grande prêmio ao marido (Ciro guerra) e aos ex-maridos. Bem-humorada, ela brincou: “sim, aqui na equipe temos vários ex-maridos”. Passou, então, a palavra a Antonio Bolivar, o viejo xamã Karamakote, que portava vistoso cocar de penas coloridas.
O índio agradeceu as sete estatuetas a todos que apoiaram o filme e aos que os receberam tão bem no Uruguai, mas lembrou que estavam ali, além dos ibero-americanos, os “índio-americanos”. Foi calorosamente aplaudido. Entrou, então, em cena, para fechar a noite com forçae ritmos black, o músico Rubem Rada, o rei do candombe e da murga, ritmos afros que fertilizaram a cultura do país platino.
Rada – um mix de Martinho da Vila com Tim Maia e Jorge Benjor – e centenas de cultores do candombe transformaram a invernal Punta del Este numa vibrante sucursal da África.
Confira abaixo os vencedores do Platino 2016:
* O Abraço da Serpente (Colômbia) – melhor filme, diretor (Ciro Guerra), fotografia (David Gallego), trilha sonora( Nascuy Linares), montagem ( Etienne Boussac e Cristina Gallego), direção de arte (Angelica Perea), som (Carlos García e Marco Salavarria).
- O Botão de Pérola (Chile), de Patrício Guzmán – melhor documentário
- Atrapa la Bandera (Espanha), de Enrique Gato – melhor animação
- Ixcanul (Guatemala), de Jayro Bustamante – melhor opera-prima (filme de diretor estreante
- O Clube (Chile), de Pablo Larraín – melhor roteiro (Pablo Larraín, Guillermo Calderon e Daniel Villalobos)
- Paulina (Argentina), de Santiago Mitre – melhor atriz (Dolores Fonzi)
- O Clã (Argentina), de Pablo Trapero – melhor ator (Guillermo Francela)
- Que Horas Ela Volta? (Brasil), de Anna Muylaert – Prêmio Direitos Humanos (Valor Educativo)
- Platino de Honor (pelo conjunto da carreira) – Ricardo Darín
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