Sampa em versão latina

No momento em que o Anuário do Cinema Ibero-Americano divulga trágico relatório – os 900 filmes produzidos, ano passado, no mundo ibérico atingiram menos de 1% da bilheteria planetária (exatos 0,92%) – a capital paulista e Campinas sediam nova edição, a décima-segunda, do Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo.

Desta quarta-feira, 26 de julho, a dois de agosto, em 26 salas paulistanas e campineiras, serão apresentados 102 filmes, oriundos de 18 países da América Latina. Haverá, ainda, oficinas, seminários e debates (liderados por alguns dos 15 convidados de fala castelhana, que se somarão a colegas brasileiros). Duas novas iniciativas – prometem os curadores Jurandir Muller e Francisco César Filho – chegam para ficar: o “Latininhos”, espécie de festivalzinho destinado à formação de público, e uma Feira Gastronômica com pratos típicos de diversas regiões da América Hispânica.

Os dados do Anuário do Cinema Ibero-Americano, divulgados em meados de julho, na Casa das Américas, em Madri, demostraram que o cinema ibero-americano constituiu, em volume de produção, a quarta força mundial. Mas em termos mercadológicos, perdem de forma humilhante para EUA, maior potência geradora de imagens do planeta, Índia, China e Europa.

E por que isto acontece? A razão mais significativa está na ocupação dos mercados internos dos países latino-americanos. Em 2016, estes mercados exibiram 4.515 filmes não-ibéricos (maioria oriunda dos EUA). E espaço rarefeito foi aberto para os 900 filmes gerados nos 22 países (de fala castelhana e lusitana) alcançados pelo levantamento. Com um agravante: nossos filmes só dispõem de seus mercados internos (mesmo quando atingem sucesso, caso de “Minha Mãe é uma Peça 2”, que vendeu mais de 9 milhões de ingressos no Brasil). Ou seja, os longas-metragens produzidos no mundo ibérico não viajam.

Mesmo assim, o Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo não desiste. Resiste. Organizou várias mostras de filmes (só duas competitivas: produções de alunos de escolas de cinema e DocTV América Latina), uma série de oficinas, encontros, debates, seminários e edição especial do “Cinema da Vela”, projeto do CineSesc que mobiliza interessados em refletir sobre tema cinematográfico em torno de uma vela. A discussão só termina quando a chama se apaga. Na terça-feira, primeiro de agosto, às 19h30, com entrada franca e saborosos tira-gostos em mesinhas espalhadas pelo hall do cinema da Rua Augusta, será debatido o tema “O Jovem no Cinema Latino-Americano Atual” (com o chileno Fernando Guzzoni, de “Jesus”, filme que mergulha na barra-pesada de adolescentes santiaguenhos, e o argentino Cristian Jure, de “Alta Cumbia”).

No mesmo CineSesc, acontecerá (sábado, 29 de julho, às onze da manhã) o encontro “cinema. novos dispositivos. imagens e comportamentos” (assim, com minúsculas!), que contará com a presença do artista multimídia Tadeu Jungle, do antropólogo Massimo Canevacci e do curador Marcus Bastos.

Entre os convidados hispano-americanos, está a cineasta mexicana María Novaro, que apresentará seu novo filme, “Tesouros”, voltado ao público infanto-juvenil. O maior sucesso dela é Danzón” (1991), protagonizado pela grande atriz María Rojo. Para representar “A Região Desconhecida”, filme do também mexicano Amat Escalante, São Paulo receberá o ator Eden Villavicencio. Escalante, melhor diretor em Cannes, com “Heli”, três anos atrás, e, em Veneza, ano passado, com este “A Região Desconhecida”, é um diretor amado por uns e rejeitado por outros. Mas, registre-se, ninguém fica indiferente a seus filmes marcados pela transgressão. O que veremos nesta edição do Fest Latino é uma mistura de cinema de monstros eróticos (na linha de “Possessão”, de Zulawski) com o “brutalismo” social do cinema mexicano contemporâneo .

Do Chile, país que será homenageado no segmento “Contemporâneos -Foco Chileno”, virá um ator de origem mapuche, Ariel Mateluna, do filme “Más Companhia”, também dirigido por realizadora de igual origem (Cláudia Huaiquimilla). Este povo ameríndio, tão importante na história chilena, aparecerá também em perturbadora ficção, “Rey”, de Nills Atallah. O ator Rodrigo Lisboa representará este longa-metragem que desconstrói a tradição do filme histórico.

Na delegação do país andino estarão, também, a atriz Blanca Lewin (de “Vida em Família”, de Christián Jimenez & Alicia Scherson) e o ator Alejandro Goic, que apresentará, ao lado do diretor Fernando Guzzoni, o explosivo “Jesus”. Goic, ex-preso político e ator de grande talento e articulação verbal, teve a felicidade de atuar em dois dos melhores filmes da história do cinema chileno: “A Criada” (2011), de Sebastián Silva, e “O Clube” (2015), de Pablo Larraín, poderosa e perturbadora reflexão sobre a pedofilia na Igreja Católica.

Da Argentina, virão três realizadores: Emiliano Torres, com “O Inverno”, Nicolás Teté, com “Ônix”, e Christian Jure (“Alta Cumbia”), representando Córdoba, cidade que vem firmando-se como importante polo de produção no país platino). Da Colômbia, cinematografia que ganhou nos últimos anos, em festivais internacionais, relevo similar ao argentino e chileno, chegará Juan Sebastián Mesa, diretor de “Os Ninguém”. O Peru será representado por Rodrigo Moreno del Valle, diretor de “Wilk”.

O Uruguai, o pequenino país platino, se fará representar pelo ator Diego de Paula, de “O Candidato”, segundo longa-metragem dirigido pelo também ator Daniel Hendler (o preferido de Daniel Burman). No elenco, outro nome conhecido dos brasileiros, Cesar Troncoso (do delicioso “O Banheiro do Papa”, de “Hoje”, de Tata Amaral, que protagonizou com Denise Fraga, e de telenovelas da Rede Globo).

Da Bolívia, virá, para representar “Viejo Calavera” (direção de Kiro Russo), o produtor, fotógrafo e montador Pablo Paniagua. A Venezuela, que viu seu cinema florescer na última década, a ponto de conquistar o Leão de Ouro no Festival de Veneza, com “Desde Allá”, se fará representar no Fest Latino por “Belén”, longa de Adriana Villa Guevara. Da América Central, nota-se a presença da Costa Rica, com o filme “O Som das Coisas”, de outro Escalante, o Ariel). Para mostrar o filme, estará em São Paulo sua produtora, Mariana Murillo Quesada.

Cuba, Equador, Guatemala, Nicarágua, Panamá, Paraguai e República Dominicana somam-se a outros países latino-americanos na Mostra Escolas de Cinema Ciba-Cilect e no DocTV Latinoamérica, que chega à sua quinta edição.

BRASIL TEM FORTE REPRESENTAÇÃO

Nesta quarta-feira, 26, o Memorial da América Latina, berço do Fest Latino, será palco da pré-estréia brasileira de “Corpo Elétrico”, primeiro longa-metragem do cineasta e roteirista Marcelo Caetano. O filme, um dos mais esperados momentos da edição deste ano, passou por diversos festivais, incluindo Roterdã e Guadalajara (neste festival, conquistou o Prêmio Maguey, destinado a melhor filme de temática homoafetiva).

“Corpo Elétrico”, que será debatido pelo público, com seu realizador, na manhã desta quinta-feira, 27 (Memorial da América Latina, 11h00), propõe-se como “ um olhar inventivo sobre jovens trabalhadores da cidade de São Paulo, uma discussão sobre afetos, homossexualidade e a situação de imigrantes”.

Mais três produções brasileiras terão sua estreia nacional no Fest Latino: “Apto 420”, de Dellani Lima, “Música Pelos Poros” e “Gilberto Mendes e a Música Nova”, ambos de Marcelo Machado.

O público paulistano e campineiro poderá conferir, também, “Cubajazz”, de Max Alvim e Mauro di Deus, “No Vazio da Noite”, de Cristiano Burlan, “Para Ter Onde Ir”, de Jorane Castro, “Rifle”, de Davi Pretto, e “Angelus Novus”, de Duo Strangloscope (os catarinenses Rafael Schlichting & Claudia Cardenas). Este filme conta com um protagonista inesperado: o cineasta baiano Edgard Navarro (dos inquietos “Superoutro”, “Eu me Lembro” e “O Homem que Não Dormia”). Ele contracena com a atriz Juliane Elting e com o cantor paraibano Chico César.

Beto Brant, 53 anos, diretor de filmes como “Os Matadores” e do excepcional “O Invasor“, premiado no Festival Sundance, nos EUA, é o grande homenageado desta edição (ano passado, a homenagem coube a Anna Muylaert). Além de ter seus principais curtas (o melhor deles é o poético “Dov’ Meneghetti”) e todos os seus longas-metragens exibidos em mostra retrospectiva, Beto apresentará (e debaterá com o público) dois documentários, que terão sua pré-estreia mundial no Fest Latino: “Zócalo” (parceria com Carol Quintanilha) e “Ilú Obá De Min”.

“Zocalo” acompanha, pelo olhar do artista plástico mexicano Felipe Ehrenberg, recém-falecido, um “Dia dos Mortos” no famoso centro histórico da capital mexicana. “Ilú Obá De Min” presta homenagem a Elza Soares, a Pérola Negra. Ou seja, a um bloco afro-brasileiro, em festa no carnaval paulistano e sua inquieta musa, Elza, sambista já quase octogenária.

No sábado, 29, no Espaço Petrobras de Encontros, no Memorial da América Latina, Beto Brant debaterá sua vasta produção audiovisual com todos os interessados (às 16h00).

Em mês de férias, nada melhor que prestigiar a recém-criada mostra “Latininhos”. Ou seja, o segmento infanto-juvenil que – avisam os curadores – se soma a filmes para toda a família”. Neste momento em que, em sua monumental sede niemárica, o Memorial da América Latina recebe milhares de crianças para ver a exposição “Castelo Rá-Tim-Bum”, o festivalzinho escalou o longa homônimo, de Cao Hamburguer, e uma animação mexicana “Cantando de Galo”, de Gabriel & Rodolfo Riva-Palacio Alatristee, para divertir a molecada (no auditório da Biblioteca Latino-Americana, 11 da manhã de sábado, 29, e domingo, 30).

“Latininhos” inclui, ainda, os documentários “Pitanga”, de Beto Brant e Camila Pitanga, e “Dominguinhos”, de Aydar, Nazarian e Castro, que serão exibidos em praça aberta do Memorial, no final de tarde (18h30) dos mesmos sábado e domingo.

O Fest Latino promove, ainda, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, o curso “Filmando Corpos Queer: Os Gestos da Direção, os Gatilhos da Criação” (na terça, 1º, e quarta, 2 de agosto).

A programação completa do festival está em http://www.festlatinosp.com.br e https://www.facebook.com/festlatinosp.

Por Maria do Rosário Caetano

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