As bilheterias brasileiras

O primeiro filme de Selton Mello – “Feliz Natal” – vendeu apenas 29 mil ingressos. O segundo, “O Palhaço”, surpreendeu a todos e fez 1,2 milhão de espectadores. Aonde chegará “O Filme da minha Vida”, recriação de “Um Pai de Cinema”, narrativa literária de Antonio Skármeta, que Selton concebeu como um filme amoroso, num tempo de ódios dilaceradores?

O primeiro (e único) longa ficcional do chileno Skármeta, de 76 anos – “Ardente Paciência” (1984), no qual assumiu roteiro e direção – não alcançou grande repercussão. Antes, o escritor, que sempre andara irmanado com gente de cinema (partiu para o exílio com o amigo Raúl Ruiz), ajudara o cineasta alemão Peter Lilienthal a realizar documentário sobre a Unidade Popular, comandada por Allende. E passou pelos créditos (como ator?) no drama “Working Title: Journeys from Berlim/1971”, dirigido por Yvonne Rainer.

O fracasso relativo de “Ardente Paciência”, filmado em Portugal, seria recompensado com juros e correção monetária. Afinal, a segunda versão do mesmo livro, dirigida dez anos depois pelo britânico Michael Radford, chegou ao Festival de Veneza com novo título, “O Carteiro de Neruda” (no Brasil, “O Carteiro e o Poeta”). O filme, protagonizado pelo italiano Massimo Troisi (o carteiro) e pelo francês Phillipe Noiret (Neruda), alcançou sucesso planetário e recebeu cinco indicações ao Oscar. Aí, Skármeta experimentou os prazeres de imensa aceitação popular e tornou-se conhecido fora de seu Chile natal e dos circuitos europeus que abrigavam exilados.

Selton Mello, 44 anos, famoso como ator de TV, teatro e cinema, só alcançaria reconhecimento popular como realizador cinematográfico com “O Palhaço”(2011), uma “comédia triste”, feita de gagues, da redescoberta de atores e cômicos (veteranos e esquecidos) e do desempenho aliciante de Paulo José e do próprio Selton, intérpretes do palhaço mais velho e experiente e do palhaço jovem e em crise. Mas ninguém, ao ver o filme em sua estreia no Festival de Paulínia, imaginaria que mobilizaria mais de um milhão de espectadores. Pois mobilizou.

O desempenho de “O Filme da minha Vida” teve arrancada acima da média brasileira neste ano, que promete ser terrível para nossa produção (se ano passado ocupamos mais de 18% de nosso mercado interno, este ano, o dado deve ser muito menor). Lançado em 262 salas, o terceiro longa de Selton fez 82.575 espectadores (média de 295 ingressos/sala). Em seus primeiros onze dias, contabilizou 160.459 e média maior (169 espectadores/sala) que a da estreia brasileira da semana, “Malasartes e o Duelo da Morte”, que vendeu 50.755 ingressos e foi lançado em 332 telas, com média de apenas 153 espectadores/sala. Mesmo assim, só um milagre – quem sabe da “Compadecida” de Suassuna, que Selton protagonizou ao lado de Matheus Nachtergaele – “ O Filme da minha Vida” passará de 300 mil espectadores.

Skármeta, cada vez mais apaixonado pelo cinema, também não viu o fenômeno “O Carteiro e Poeta” repetir-se nos filmes em que teve seus nomes nos créditos. Caso de “A Dançarina e o Ladrão”, do espanhol Fernando Trueba (e olhe que o filme tinha o carismático Ricardo Darín no elenco). São gigantescos os desafios impostos aos que tentam ocupar, com cinematografias nacionais, faixa de pelo menos 20% de seus mercados internos. A hegemonia norte-americana é avassaladora.

Em declaração ao Boletim Filme B, editado por Paulo Sérgio Almeida, o distribuidor Bruno Wainer, da Downtown, parceira da Paris Filmes, forneceu diagnóstico sobre este ano, que se apresenta terrível para o cinema brasileiro: “Enquanto realizarmos apenas dez filmes competitivos (nossa produção anual, somando documentários, chega a 140 títulos/ano), é tudo ou nada. E mais: com a crise econômica e moral, a autoestima do brasileiro está no chão. Aí, a situação fica mais complicada”.

Fernando Meirelles, coprodutor de “Malasartes”, dirigido por seu sócio, na poderosa O2, Paulo Morelli, e integrante do conselho da Globo Filmes, está perplexo com as bilheterias do cinema brasileiro no circuito tradicional (salas de multiplex). Mas vibrou ao ver que “O Filho Eterno”, longa-metragem de Paulo Machline, baseado em best-seller de Cristovão Tezza, brilhou no horário nobre da TV Globo. Ou seja, na Tela Quente, historicamente programadora de blockbusters made in USA.

“Nos cinemas” – lembrou – “’O Filho Eterno’ vendeu apenas 19 mil ingressos”. Já na Tela Quente, “ficou acima da média do horário e bateu em um ponto ‘O Homem de Ferro 2’”. Ou seja, foi visto por milhões de brasileiros.

Meirelles lembra, também, o caso de “Sob Pressão”, de Andrucha Waddington, que teve bilheteria modesta nos cinemas, mas foi muito bem no Ibope quando exibido pela Globo (até virou série com audiência poderosa). E espera também que dois filmes (um de Carolina Jabor e outro de Aly Muritiba), produções de custos modestos, consigam bom diálogo com o público da TV.

Para concluir, diz o diretor de “Cidade de Deus”, que vendeu 3,2 milhões de ingressos, quinze anos atrás: “o sucesso de ‘O Filho Eterno’ na TV comprova que há real interesse pelo cinema brasileiro”.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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