Duas estrelas latinas na festa dos Kikitos

Até o ano passado, ninguém, entre os cinéfilos brasileiros, ouvira falar de Verónica Perrotta. Pois a uruguaia, magra e comprido, como a brasileira Luciana Paes (do fascinante “Sinfonia da Necrópole”), desembarcou em Gramado e “aconteceu”. O fez na condição de protagonista feminina, corroteirista e codiretora (com Gonzalo Delgado) do longa-metragem “Las Toninas Van al Este” (em tradução livre, Os Golfinhos vão a Punta del Este).

Neste final de semana, a atriz, roteirista e diretora uruguaia desembarcará, pela segunda vez, na Serra Gaúcha (agora como integrante do júri latino). E o fará com brilhante “folha de serviços” para apresentar, aos participantes do Festival de Gramado, que inaugura sua quadragésima-quinta edição, nesta sexta-feira, 18, e prossegue até o dia 25.

No prazo de um ano, Verónica conquistou o Kikito de melhor atriz em Gramado com o saboroso “Las Toninas Van al Este”, e atuou no denso e delicado “Mulher do Pai”, filme de Cristiana Oliveira, que lhe rendeu o troféu Redentor de melhor atriz coadjuvante no Festival do Rio.

Gramado, que receberá outra estrela latina, a argentina Soledad Villamil, parceira de Ricardo Darín no oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”, escalou Verónica Perrotta para dura missão: avaliar o trabalho de sete colegas latino-americanos (dois deles uruguaios) que disputam prêmios na Mostra Latina.

A “cantriz” Soledad Villamil, musa de Luiz Fernando Verissimo, terá missão mais fácil: receber o Kikito de Cristal, destinado a personalidades ibero-americanas que contribuam com o cinema de fala castelhana e portuguesa. Com vários discos gravados e muitos filmes no currículo, a argentina será vista, no primeiro semestre de 2018, ao lado de Edson Celulari, no longa “Teu Mundo Não Cabe nos meus Olhos”, do gaúcho Paulo Nascimento.

Verónica Perrotta conta que integrou o júri do FAM (Festival do Audiovisual Mercosul, realizado anualmente em Florianópolis), em junho último. Encarou o desafio como “uma experiência enriquecedora”. O mesmo espera para sua missão em Gramado. “Sei”, diz, tranquila, “que há muito de subjetivo em nossas avaliações, pois são múltiplas as possibilidades”. O que a apavora – confessa – “é atribuir prêmios que implicam em somas em dinheiro, aqueles tipo fundo de fomento, tipo editais”. Estes, ela prefere não enfrentar.

A Revista de CINEMA conversou com a atriz-roteirista-diretora uruguaia sobre sua primeira passagem por Gramado, sobre “Mulher do Pai” e sobre seus novos projetos:

Ano passado, Gramado exibiu e premiou seu trabalho em “Las Toninas Van al Este”. O que significou para você este primeiro contato com o Brasil?

Foi muito intenso, lindo, pessoas tão queridas, o contato com o público gramadense. Foi muito prazeroso sentir nosso trabalho tão valorizado por colegas, ganhar novos parceiros. O prêmio e a boa receptividade dada ao filme repercutiu também no Uruguai. Agradeço muito este Kikito. Eu queria tanto voltar! Agora o farei.

Você desempenhou importante papel em “Mulher do Pai”. Seu desempenho lhe rendeu o troféu Redentor de melhor atriz coadjuvante no Festival doRio. Uma estreia brasileira notável, não?

Eu estou muito feliz com tudo o que aconteceu com este filme. Desde o começo, me apaixonei pelo roteiro e pela minha personagem, a Rosário. Achei super-legal trabalhar com a Cristiane (Oliveira). A experiência de morar naquela vila fronteiriça (entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai), com aquele equipe tão bacana e talentosa foi inesquecível. Este filme me deu tanta coisa: novos parceiros e amigos, me fez atuar em outra língua, mostrar meu trabalho e a possibilidade de conhecer a Berlinale (o filme foi um dos representantes do Brasil no Festival de Berlim no começo deste ano).

Além de atriz, você pretende seguir carreira também como roteirista e diretora? 

Sim, tenho um projeto como roteirista que se chama “Queimadura Chinesa”. Trata-se de uma adaptação de peça que escrevi e dirigi em 2006. Gosto muito de formar equipes, trabalhar com amigos colaboradores. Este mundo do cinema e o exercício profissional como roteirista e diretora são ainda muito recentes para mim. Mas estou mergulhando neles com muito entusiasmo.

Você gostaria, a exemplo do argentino Jean-Pierre Noher (“Um Amor de Borges”) e do uruguaio Cesar Troncoso (“O Banheiro do Papa”), de trabalhar em telenovelas brasileiras?

Eu acho que a experiência de atuar em telenovelas brasileiras deve ser muito interessante, um grande desafio. Adoraria escrever para televisão também. Sou uma atriz que gosto muito de escrever.

Você prefere papéis dramáticos ou cômicos? No Uruguai, costumam escalá-la mais para dramas ou comédias?

Eu sou fã do humor. Sempre gosto dos filmes que têm humor, ainda que não sejam tão sutis (risos). Trabalhei dois anos em um show de stand up comedy. Tenho para mim que vida sem humor se torna muito solene.

O Uruguai tem respeitada trajetória teatral, com grandes grupos. Você integra algum deles? Faz muito teatro?

Fiz teatro por muitos anos e volto às vezes. Porém, não integro nenhum grupo de repertório e trajetória longa. Quando sinto necessidade de fazer uma peça, conto com grupo de colaboradores com o qual já atuei em vários projetos. Deste jeito, consigo me dedicar ao teatro e a esta nova paixão, que é o cinema.

O cinema uruguaio viveu uma verdadeira “primavera” com “Whisky”, “O Banheiro do Papa”, entre outros filmes. Como está a produção em seu país neste momento? Fluindo em quantidade e qualidade?

Acho que nossa produção está cada vez mais variada e as equipes artísticas e técnicas mais preparadas. Gosto muito do que está acontecendo. Esse ano participei, como atriz, de em filme chamado “Mi Mundial”, que já foi visto por mais do 50 mil espectadores. Este dado pode parecer pequeno para vocês, brasileiros, mas é muito significativo para nosso país (3,5 milhões de habitantes). Penso que este sucesso mostra que há pessoas querendo ver nossos filmes.

Festival gaúcho premiará os melhores com transmissão ao vivo pela TV

O Festival de Gramado vai durar, este ano, dez dias. Até o sábado, 26 de agosto, quando o Canal Brasil transmitirá ao vivo a festa de entrega dos troféus Kikito aos melhores longas e curtas-metragens brasileiros e aos melhores filmes latino-americanos, serão exibidos quase uma centena de filmes.

Houve modificações na seleção brasileira e na latina. Um filme brasileiro – “Não Devore meu Coração”, de Felipe Bragança, foi substituído por “Vergel”, de Kris Niklison. A equipe do filme carioca alegou, ao retirar-se da competição, “mudanças no cronograma de lançamento do filme”. Tudo indica que sua primeira vitrine brasileira será o Festival do Rio. Agora, com a substituição, a presença feminina passa a figurar em quatro dos sete concorrentes (“Pela Janela”, de Caroline Leone, “Como nossos Pais”, de Laís Bodanzky, e “A Fera na Selva”, de Paulo Betti, Eliane Giardini e Lauro Escorel). O gaúcho “Bio”, de Carlos Gerbase, e os paulistanos “As Duas Irenes”, de Fábio Meira, e “O Matador”, de Marcelo Galvão (este produzido para a Netflix, não terá estreia em salas de cinema) completam a competição brasileira.

Com a retirada do costarriquenho “O Som das Coisas”, de Ariel Escalante, da competição latina (pois foi exibido antes no Festival Latino-Americano de São Paulo), a mostra contará com mais um filme uruguaio (“Mirando al Cielo”, de Guzmán García“), escolhido para a sétima vaga. Os outros títulos da competição são o chileno “Los Niños”, de Maite Alberdi, os argentinos “Pinamar”, de Federico Godfrid, e “Sinfonía para Ana” (Argentina), de Virna Molina & Ernesto Ardito, o peruano “La Última Tarde”, de Joel Calero, o colombiano “X500”, de Juan Andrés Aranda, e o uruguaio “El Sereno” , de Oscar Estévez e Joaquín Mauad.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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