Série de Hermes Leal questiona a imagem do Brasil

A série “Pensamento Contemporâneo”, de Hermes Leal, começou a ser exibida nos canais CineBrasilTV e Curta!, trazendo um novo olhar para as questões que foram retratadas no programa “Café Filosófico”, transmitido na TV Cultura. Em sete episódios, diferentes temas da filosofia e outros temas são recriados, repensando o discurso daqueles palestrantes com novas entrevistas, imagens históricas de arquivos nacionais e internacionais, cenas de filmes ou ainda filmagens atuais, compondo um ensaio audiovisual.

Segundo o diretor Hermes Leal, a série, patrocinada pelo Instituto CPFL, que debate temas filosóficos, sociais e históricos que estão no limiar do pensamento contemporâneo atual, revela o que somos e porque a grande dificuldade de nos reconhecermos. O diretor cruzou depoimentos de intelectuais em cima de temas em comum, gerando argumentos para um pensamento atual com base no que foi apresentado pelos filósofos naqueles encontros gravados, aprofundando e contextualizando tais discussões. Para cada episódio de pouco mais de 26 minutos, foram cerca de oito horas de material analisado, editado e recriado, além de uma ampla pesquisa historiográfica.

“Estamos sempre à flor da pele, somos levados o tempo todo pelas informações factuais da mídia, e com a série podemos ir à raiz desse pensamento do brasileiro para compreender e esclarecer por que agimos de tal forma, por que misturamos a emoção com a realidade, e confundimos a percepção com a sensação, por exemplo. Especialmente, dois episódios chamam a atenção para a questão da imagem que o brasileiro tem de si mesmo. Isso é relevante, porque é um tema pouco debatido.”, reflete Leal.

O diretor, que estreou, no ano passado, as séries “Cineastas” (Prime Box Brazil) e “Guerra do Araguaia” (CineBrasilTV), estreia, este ano, a série “Cinema em Transe” (Prime Box Brazil), e roda outra série, “Na Força da Lei”, sobre as mudanças no Brasil nas últimas décadas ocorridas na força das leis, está desenvolvendo dois longas-metragens com temáticas relacionadas à imagem do Brasil. “Nos documentários, vamos analisar esse jeito brasileiro de ser, que vem sendo questionado desde Gilberto Freyre, passando por
Sérgio Buarque de Holanda e até mesmo por Nelson Rodrigues, que disse que temos um ‘complexo de vira-lata’, para vermos como hoje ainda temos dificuldade de ver quem somos realmente, porque o nosso sofrimento e nossa felicidade, por exemplo, são diferentes de outros lugares do mundo”, afirma Leal.

A série e os próximos documentários dialogam com os estudos do diretor relacionados à semiótica das paixões, tema do seu doutorado na USP, no qual investigou o sentido do ser nos personagens do cinema brasileiro, e com isso refletiu o modo de fazer cinema, mas também como não enxergamos nós mesmos como os outros nos veem. Além de que Leal é natural do Tocantins, Estado que está passando somente agora pela transformação cultural da globalização, e que, por isso, está servindo de cenário e laboratório para diversos aspectos da cultura imaterial brasileira.

Episódios filosóficos

Em um dos primeiros episódios, “A Evolução das Artes”, o diretor demonstra, através de obras literárias, cinematográficas e pictóricas, a dificuldade que o brasileiro tem de retratar a si mesmo. O Brasil é o tema central e os entrevistados discutem o realismo e as dificuldades em nos observarmos como brasileiros, especialmente nas artes plásticas até o início do século 20, com a participação de Nelson Aguilar e Jorge Coli.

Por meio da psicanálise de Sigmund Freud e Jacques Lacan – e interligando à distopia e ao filme “Alphaville” (1965), de Jean-Luc Godard –, o episódio “O Sofrimento do Brasil” é baseado nas obras “O Circuito dos Afetos”, de Vladimir Safatle e “Mal-estar, Sofrimento e Sintoma”, de Christian Dunker, e revela como paixões como o “medo” motivou a explosão de condomínios fechados no Brasil, trazendo uma reflexão do sofrimento que isso gera não apenas para os moradores, mas as fronteiras que se recriam por meio desses espaços ilusórios para a sociedade em geral.

Em outro episódio, “Raízes da Democracia”, podemos observar o discursos de políticos como Lula e Obama, a partir da reflexão de filósofos que estudaram os autores clássicos, como Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes e John Locke. O debate avança para a democratização da autoridade em todas as esferas da vida social e o enfraquecimento das instituições socializadoras.

Em “Ecos de Maio de 1968 e a Política Transgressora” o tema é atualismo e questiona se podemos viver atualmente fora das normas como no passado, propondo uma avaliação do que restou daquelas reivindicações dos estudantes franceses, a partir das ideias libertárias de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, cujos pensamentos estão sendo levados adiante por filósofos franceses, como Guillaume Le Blanc e Pierre Zaoui, presentes no documentário.

Ainda reverberando a efervescência daquela geração, o episódio “Pensamento Rebelde e Loucura”, dedicado à rebeldia e à psicodelia, baseado também no pensamento de Deleuze e Foucault, reflete sobre que forma aquelas experiências levaram à invenção de uma cultura de libertação estética e moral. Compõem ainda amplas reflexões sobre a sustentabilidade na atual sociedade global “A Invenção de um Novo Modo de Viver”, além dos danos causados pela recompensa e o prazer adquiridos pelas drogas lícitas e ilícitas, em “Sob o Domínio dos Vícios”, temas dos dois últimos episódios.

 

Por Belisa Figueiró

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