Oscar 2019
“Roma”, o “Amarcord mexicano”, dirigido pelo festejado Alfonso Cuarón, é o indicado de seu país para disputar vaga entre os cinco finalistas ao Oscar de melhor produção estrangeira.
O filme, que trouxe o diretor de “E Tu Maman También” de volta ao México e à sua língua materna – depois do festejado e oscarizado “Gravidade” – é peso-pesado na disputa de melhor longa-metragem em língua não-inglesa. Se a Academia de Cinema de Hollywood seguir procedimento que vem adotando nas últimas décadas – escolher dois filmes europeus, um latino-americano, um asiático e um do Oriente Médio (ou africano, fato mais raro) – a situação de “As Herdeiras”, de Marcelo Martinessi, se complicará. O filme, que parecia capaz de realizar proeza única (colocar o Paraguai, país de cinematografia rarefeita, na competição) tem agora caminho árduo para percorrer.
O histórico (notável, registre-se) dos dois filmes deixa o paraguaio em desvantagem. “Roma”, que contém elementos autobiográficos (a relação de menino branco, habitante do bairro de classe média alta da capital mexicana, de nome Roma, com serviçal da casa, de origem indígena) saiu do último Festival de Veneza, um dos três maiores do mundo, com o Leão de Ouro. Ou seja, com o prêmio máximo. O presidente do júri era o mexicano Guillermo del Toro, o grande vencedor do Oscar, em fevereiro último, com “A Forma da Água”.
Teria o roliço Del Toro puxado a sardinha para a lata de Cuarón? Teria convencido a todos seus pares de júri a premiar um filme azteca? A excelente recepção crítica a “Roma” dá a entender que a vitória se deu por merecimento. Publicações, incluindo a norte-americana Variety, bíblia do cinema industrial, têm “Roma” como forte candidato não só ao Oscar de melhor filme estrangeiro, mas também como possível presença entre os nove finalistas ao Oscar principal. E Cuarón, quem sabe, entre os candidatos a melhor diretor. Se não fosse produção da Netflix, “Roma” teria competido em Cannes. Agradou aos selecionadores franceses, mas foi excluído por não priorizar a exibição em salas cinematográficas.
“As Herdeiras”, já visto no Brasil por 21 mil espectadores (nada mal para um filme paraguaio), ganhou três prêmios no Festival de Berlim, em fevereiro último: melhor atriz para Ana Brun, Prêmio Alfredo Bauer e Prêmio Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). Depois, somou, em festivais mundo a fora, mais de 30 prêmios. Inclusive em Gramado, que o consagrou, em sua competição latina, com os principais troféus Kikito. Da Serra gaúcha, o filme partiu para o Festival de San Sebastián, na Espanha, e para um festival no Egito. O Prêmio Fênix, que entrega (no próximo dia 7 de novembro) troféus aos melhores filmes ibero-americanos, indicou “Las Herederas” em sete categorias (incluindo melhor filme).
Os convites festivaleiros ao longa-metragem paraguaio continuam muitos e suas atrizes (Ana Brun, Margarita Irun, Ana Ivanova e María Martins) transformaram-se em “astros pop de saías” em seu país. A força de “As Herdeiras” é tão avassaladora, que depois do triunfo em Berlim, o Parlamento paraguaio, que cozinhava em fogo brando, há dez anos, lei de fomento ao cinema nacional, aprovou-a em prazo recorde de quatro meses.
O filme, rodado em Assunção, longe de todos os cartões postais, é fruto da união de seu produtor paraguaio (Sebastián Peña Escobar) a profissionais de mais cinco países: o Brasil (com a Taiga, das cineastas Lúcia e Júlia Murat), a França, a Alemanha, a Espanha e a Noruega.
Se “Roma” fala das relações de um menino com sua doméstica indígena (tema que costuma comover plateias mundo a fora), “As Herdeiras”, por sua vez, aborda assunto da hora: o amor homoafetivo. No caso, a relação de duas mulheres já sexagenárias, que vivem seu discreto amor num casarão, outrora rico, mas hoje em explícita decadência. A herdeira Chela (Ana Brun) e sua companheira Chiquita (Margarita Irum) são obrigadas a vender joias, prataria, móveis e, até, um carro Mercedes. A prisão de Chiquita, como “estafadora”, deixará Chela sozinha na imensa casa. Para se virar, a herdeira falida será motivada a usar o Mercedes, posto à venda, para levar (como se fosse taxista amadora) amigas ricas a jogos de baralho. A mais divertida e adoravelmente fofoqueira delas é Pitucha (María Martins).
No ofício de chofer, Chela conhecerá Andy (Ana Ivanova), mulher bem mais jovem e sedutora. Seu coração voltará a palpitar. O filme é belo, elegante e comovente, como Hollywood gosta.
Será que a Academia reconhecerá, então, “Roma” e as “As Herdeiras”, abrindo assim duas vagas para a América Latina? Para quem acredita em milagre, a possibilidade existe.
O subcontinente tem, este ano, outros candidatos dignos de atenção. Caso do argentino “El Angel”, de Luis Ortega, coproduzido pelos poderosos Irmãos Almodóvar (Agustin & Pedro), e o colombiano “Pájaros de Verano”, de Christina Gallego e Ciro Guerra (ele, finalista ao Oscar, dois anos atrás, com o belo e potente, “O Abraço da Serpente”).
O candidato uruguaio, também, vem chamando atenção e pode ser conferido, pois está em cartaz nos cinemas brasileiros (vendeu mais de 5 mil ingressos em 4 dias): “A Noite que Durou 12 Anos”, de Álvaro Brechner. O filme narra os doze anos em que Pepe Mujica, futuro presidente eleito de seu país, e dois companheiros de militância política (Eleutério Fernández Huidobro e Maurício Rosencof) passaram em cárceres diversos. Inclusive em insalubres silos (sim, aqueles profundos buracos onde são guardados cereais). Sempre em prisão solitária.
Os acadêmicos hollywoodianos não costumam morrer de amores por filmes sobre guerrilheiros urbanos. Ou seja, por militantes que enfrentaram governos, mesmo que ditatoriais, com arma na mão. O que tira “A Noite que Durou 12 Anos” da vala comum da produção engajada à esquerda é sua poderosa carpintaria narrativa. Brechner realizou um filme impregnado em densa e opressiva atmosfera, com ótimos atores, diálogos econômicos, fotografia arrepiante e sem abusar de cenas de tortura. Conseguiu somar o épico e o intimista, o desespero e a crença, na força das ideias.
O longa “A Noite” tem outro trunfo: Pepe Mujica, 40 anos mais jovem, como personagem de peso. Hoje, o octogenário político uruguaio parece situar-se acima do bem e do mal. Transformou-se em sinônimo de democracia e de honestidade franciscana (vive em modesto sítio, cercado de cachorros e dirige um velho fusquinha). E colocou o Uruguai, mais uma vez, na vanguarda latino-americana ao legalizar a venda de marijuana em farmácias. Virou até personagem de documentário do ex-iugoslavo Emir “Underground” Kusturica.
Outros candidatos ao Oscar de melhor filme estrangeiro, pela América Latina, são o brasileiro “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, coprodução entre Brasil, Portugal e França, o chileno “Y de Pronto el Amañecer”, de Sílvio Ciozzi (que brilhou, em Berlim, nos anos 1990, com “La Luna em el Espejo”), o peruano “Wiñaupach”, de Oscar Catacora, o venezuelano “A Família”, de Gustavo Rondón Córdova (de tema tocante, mas com chance rarefeita), o equatoriano “El Hijo del Hombre”, de Pablo Agüero e Felipe Fernandez-Salvador, o boliviano “Muralla”, de Rodrigo Patiño, o dominicano “ Cocote”, de Nelson de los Santos Arias, e o costarriquenho “Medea”, de Alexandra Latishev Salazar.
Cuba indicou “Sérgio & Sergei”, de Ernesto Daranas, sobre a amizade entre um ilhenho e um cosmonauta russo. O filme foi exibido no Festival de Havana, conquistou o público, que o elegeu o melhor entre dezenas de candidatos, mas não alcançou nem um terço do sucesso do longa anterior de Daranas, o comovente “ Uma Escola de Havana”.
O Panamá indicou um documentário, “Ruben Blades is not my Name”, de Abner Benain. O cantor e ator (inclusive de filmes de Robert Redford), conhecidíssimo nos EUA, não será capaz de garantir vaga para o filme, por tratar-se de realização de vôo artístico limitado.
Se o subcontinente cravar uma (com “Roma”) ou duas vagas (caso se concretize o milagre de se colocar “As Herdeiras” paraguaias na maior vitrine planetária do cinema), estes filmes terão concorrentes poderosos pela frente: o Japão indicou o vencedor da Palma de Ouro, em Cannes, “Assunto de Família”, do mestre Hirozaku Kore-Eda, a Turquia, “Ahat Agaci”, do grande Nuri Bilge Ceylan, o Irã, o impactante “Sem Data, sem Assinatura”, de Vahid Jalilvand, a Hungria, “Sunset”, do vencedor (com “Filho de Saul”) Laszlo Nemes, o Líbano, “Capharnaúm”, da festejada Nadine Labaki, a Alemanha, “Werk Ohne Autor”, de Florian Von Donnersmarck (outro oscarizado com “A Vida dos Outros”), e a Ucrânia, “Donbass”, de Sergei Loznitsa, outro premiado em Cannes, em maio último.
Itália e França, os dois países europeus que mais estatuetas hollywoodianas conquistaram na categoria melhor filme estrangeiro, têm candidatos aos quais se deve prestar atenção. A península chega com o potente “Dogman”, de Matteo “Gomorra” Garone (talvez violento demais para o gosto de Hollywood). A pátria dos Irmãos Lumière indicou “Memórias de Guerra”, de Emmanuel Finnkiel. Mas boa parte da crítica francesa não se entusiasmou com o épico inspirado em “La Douleur”, de Marguerite Duras.
A sorte está lançada.
Por Maria do Rosário Caetano
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