Filmes nacionais com mais público na França do que no Brasil

A oferta de filmes estrangeiros nas salas de cinema da França é uma das mais plurais do mundo. São inúmeros os fatores que explicam essa abertura para longas-metragens provenientes de todos os continentes, inclusive no que se refere às políticas culturais que estimulam essa diversidade, passando pelo próprio fomento às coproduções internacionais, em que os franceses aparecem como sócios minoritários. Uma parte da filmografia brasileira está inserida nesse ecossistema cinéfilo há muitas décadas, mas o que chama a atenção atualmente é o número de espectadores na França para determinadas obras, superando inclusive o público desses mesmos filmes nas salas do circuito brasileiro.

O caso mais emblemático é o da animação “O Menino e o Mundo” (2014), de Alê Abreu. No Brasil, o filme registrou 61.152 espectadores, segundo a Ancine. Na França, o público foi mais do que o triplo: 189.482 ingressos vendidos, de acordo com os dados do CNC, a autoridade cinematográfica francesa. Nesse caso, a premiação máxima no Festival Internacional do Filme de Animação de Annecy – o mais importante do mundo – fez toda a diferença para o público francês. Isso porque o evento acontece no mês de junho e a estreia francesa ocorreu logo depois, em outubro daquele ano, aproveitando o burburinho e a boa recepção. Ao contrário do que se poderia imaginar, a indicação ao Oscar de melhor animação não foi o fator principal, até porque ele só concorreu em 2016, dois anos depois.

Em 2016, outro filme brasileiro teve uma audiência melhor na França do que no Brasil: “Tudo o que Aprendemos Juntos”, de Sérgio Machado. Nas salas brasileiras, a Ancine aponta para 25.816 pessoas, enquanto isso, na França, o CNC registrou um público de 59.327 pessoas. Numericamente, mais do que o dobro.

Olhando para as coproduções franco-brasileiras lançadas recentemente na França, é igualmente surpreendente constatar que há filmes mais vistos por lá do que aqui, inclusive entre aquelas em que o Brasil é o sócio majoritário.

Nesse grupo, é preciso ressaltar o desempenho de “Gabriel e a Montanha”, de Fellipe Barbosa. Nas salas francesas, foram vendidos 86.495 ingressos contra menos da metade no Brasil: apenas 41.314. Algumas hipóteses podem explicar essa boa marca francesa. A primeira delas é a própria participação patrimonial da França no filme. Geralmente, uma coprodução franco-brasileira segue a proporção estabelecida pelo acordo de coprodução: até 80% para o majoritário e ao menos 20% para o minoritário. O filme de Fellipe Barbosa teve 40% de participação artística e financeira da França. Ou seja, como o produtor francês investiu mais, é provável que também tenha trabalhado mais intensamente nesse lançamento local e, antes ainda, na seleção do filme para o Festival de Cannes, visto que “Gabriel e a Montanha” foi exibido na Semana da Crítica e acabou ganhando dois prêmios por lá. Outro fator relevante é que o primeiro filme do diretor teve um público satisfatório na França: “Casa Grande” chegou ao circuito francês em 2015 e vendeu 18.802 bilhetes. Fellipe Barbosa, portanto, já era um diretor conhecido dos cinéfilos quando estreou em Cannes e isso pesa bastante.

Mais uma coprodução majoritária brasileira merece destaque nesta conjuntura que estamos analisando. “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, atingiu 26.666 espectadores na França. Pelos dados oficiais brasileiros, o público nacional é de 11.247, menos da metade. E, de novo, vale uma das hipóteses acima. Na divisão do contrato, a França tem 30,47% e o Brasil, 69,53%. Isto é, acima do que prevê o acordo oficial e abrindo possibilidades para que o coprodutor francês captasse recursos não apenas dentro do seu país, mas também nos editais e fundos da União Europeia. O longa recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival Internacional de Cinema de Locarno, em 2017, fato que igualmente contribuiu para despertar a atenção do mercado exibidor francês, da imprensa e do público.

Desde a chamada “retomada” do cinema brasileiro, o filme que alcançou o maior público nas salas francesas foi “Central do Brasil” (1998), com 889.565 espectadores, de acordo com os dados do CNC. A obra de Walter Salles é uma coprodução franco-brasileira e o meu principal estudo de caso no livro “Coprodução de Cinema com a França: Mercado e Internacionalização”. Desde então, nenhum outro longa-metragem brasileiro, coproduzido ou não com sócios franceses, atingiu tal marca.

Na sequência, os melhores resultados foram: “O Menino e o Mundo” (Alê Abreu, 2014), com 189.482 espectadores; “Aquarius” (Kleber Mendonça Filho, 2016), com 176.518; “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles, 2003), com 155.877; “Que Horas Ela Volta?” (Anna Muylaert, 2015), com 154.523; e “Trash – A Esperança vem do Lixo” (Stephen Daldry, 2014), com 130.268.

 

Por Belisa Figueiró, autora do livro “Coprodução de Cinema com a França: Mercado e Internacionalização”

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