Festival Varilux comemora 10 anos com pré-estreias de filmes franceses

Por Maria do Rosário Caetano

Tem Louis Garrel como diretor e ator, tem Adèle Haenel como “estrela” de épico revolucionário, tem filme novo de François Ozon, tem Asterix, tem Juliette Binoche, tem Fabrice Luchini, tem Cyrano e Edmond Rostand. Enfim, muito da cultura francesa estará nas telas de mais de 80 cidades brasileiras, a partir desta quinta-feira, 6 de junho, até dia 19. Serão exibidos 17 longas em capitais e grandes cidades do interior, sendo 16 inéditos e um clássico, “Cyrano de Bergerac”, com Gérard Depardieu, outro robusto, no duplo sentido, símbolo da pátria dos Irmãos Lumière.

De três anos para cá, o Festival Varilux, realização da produtora Bonfilm (com grandes patrocinadores na retaguarda) só fez crescer. Depois de um começo modesto em nove cidades (e apenas 11 telas) chega, agora, a 88 municípios e 118 salas. Os 25 mil espectadores da fase inaugural cresceram, a cada ano, até chegar aos 172 mil de 2018. Com o público deste ano, os organizadores do Varilux (que não esperam baixas, apesar da crise econômica) anunciam a cifra de milhão de ingressos vendidos (ao longo das dez edições). O festival, não há como duvidar, transformou o Brasil na maior e mais poderosa vitrine de exibição de uma única cinematografia (a francesa) em solo estrangeiro.

São Paulo e Rio receberão delegações de atores, diretores e produtores para debater alguns dos filmes. Entre eles, estão François Civil, Joséphine Japy, Swann Arlaud, Lisa Azuelos e Andréa Bescond, nenhum – por enquanto – familiar às plateias brasileiras. Haverá, também, encontro de produtores franceses e brasileiros.

Um dos longas-metragens mais esperados, entre os 16 inéditos do Varilux, traz a assinatura de François Ozon – “Graças a Deus”. Em pauta, a pedofilia na Igreja Católica francesa. Quando a projeção começa, somos tentados a indagar: como este filme foi premiado em Berlim com um Urso de Prata? Estaria Ozon transformando-se em um diretor, para não dizer acadêmico, clássico demais? Basta um pouquinho de paciência para vermos que o filme é muito bom.

A partir de três personagens – Alexandre (Mevil Poupaud), François (o gordo Denis Menochet) e Emmanuel (Swann Arlaud, que virá ao Brasil) – o diretor, de “Jovem e Bela” e “Frantz”, constrói um filme denso, complexo, nunca apelativo. As nuances de cada personagem e a qualidade dos diálogos nos convencem que passamos duas horas ocupados com um tema árduo, mas a caminhada foi mais que compensadora. E, para cinéfilos, um detalhe: prestem atenção na personagem Irene, interpretada pela atriz e diretora Josiane Balasko (em abril do ano que vem, ela fará 70 anos). Afinal, quem, entre os cinéfilos, não se lembra dela em “Linda Demais pra Você” (Bertrand Blier, 1989), com Gérard Depardieu e Carole Bouquet? Sim, aquele filme em que o personagem de Dépardieu deixava sua linda mulher, a apolínea Carole Bouquet, por Balasko, desprovida de qualquer atrativo físico.

A intenção do Festival Varilux é apostar na diversidade. Por isto, filmes que conseguem espaço em importantes festivais (Cannes, Veneza, Berlim) somam-se a comédias de puro entretenimento, animações de grande bilheteria (o “Asterix” da vez vendeu mais 4 milhões de ingressos na França), dramas contemporâneos e filmes de época (o deste ano é “A Revolução em Paris” (“Un Peuple et son Roi”), de Pierre Schoeller. Uma superprodução que custou 17 milhões de euros, traz figurinos e ambientação históricos (a França, de 1789, da revolução por “igualdade, fraternidade e liberdade”) que fascinam a quem ama épicos. Quem viu o magnífico “Rainha Margot” (Patrice Chereau, 1994), sabe do que os franceses são capazes no item reconstituição do passado histórico.

À frente do numeroso elenco de “A Revolução em Paris” estão estrelas de grande destaque: Adèle Haenel (que inclusive empresta sua imagem ao cartaz e vinheta do Varilux), Gaspard Ulliel (o Yves Saint-Laurent, de Bonello), Olivier Gourmet (ator fetiche dos irmãos Dardenne), Denis Lavant (de “Sangue Ruim”) e Louis Garrel, espécie de Alain Delon de nossos dias (progressista, ao contrário de seu antecessor reacionário até a medula).

Louis Garrel, filho e irmão de gente de cinema, participa do Varilux com “Um Homem Fiel”, seu segundo longa-metragem como diretor. Ele não se conformou em ser apenas um rosto de beleza angelical e capa da Cahiers du Cinéma, daquelas que as fãs cabeçudas guardam no criado mudo para presentear os olhos antes de dormir. E ele tem atitude. Vai protagonizar, junto com o espanhol Sergí López e o austríaco Christoph Waltz, o novo filme de Woody Allen. O primeiro projeto do nova iorquino, depois da caça às bruxas a que vem sendo submetido, será realizado no País Basco (ou em outra região da Espanha).

Garrel, que fará 36 anos em pleno Varilux (ele nasceu em Paris, em 14 de junho de 1983) e que tornou-se mundialmente conhecido (pelo menos junto aos cinéfilos) com “Os Sonhadores”, de Bertolucci, é também o protagonista de “Um Homem Fiel”, que ele escreveu com ninguém mais, ninguém menos, que Jean-Claude Carrière, o parceiro mais constante do Buñuel em sua fase francesa. Com Louis Garrel, contracenam Laetitia Casta e Lily-Rose Depp (filha de Vanessa Paradis e Johnny Deep).

Adèle Haenel, que conhecemos como a médica de “A Garota Desconhecida”, dos Dardenne, e desde o belo “Lírios d’Agua” (2007, primeiro longa de sua companheira Céline Sciamma), só faz aumentar seu prestígio (são 12 anos de carreira e 30 de vida). Ela estará no Varilux também em “Finalmente Livres”, de Pierre Salvadori, junto com Pio Marmai e Audrey Tautou.

Da safra Cannes 2018, o Varilux vai mostrar dois filmes dirigidos por mulheres: “Filhas do Sol”, de Eva Husson, história ambientada no Curdistão, com Golshifeth Farahani no elenco, e “Inocência Roubada”, de Andrea Bescond, codireção de Eric Métayer. Este filme, que trará seus diretores ao Brasil, tem o assédio infantil como tema. Foi visto, na França, por 250 mil espectadores, sucesso significativo para um filme adulto (“Graças a Deus”, de Ozon, se aproximou dos 700 mil ingressos).
A comédia “Amor à Segunda Vista”, de Hugo Gélin, trará ao Brasil seus protagonistas Joséphine Japy e François Civil. O filme vendeu 340 mil tíquetes na França e Civil recebeu o prêmio de melhor ator no Festival Internacional de Comédias de L’Alpe d’Huez. Ele está tão em evidência em seu país, que aparece em mais dois filmes, “O Chamado do Lobo” e “Quem Você Pensa que Sou?” (ao lado de Juliette Binoche!). Este, dirigido por Safy Neblou, é um dos selecionados para o Varilux 2019.

Outra comédia, “Meu Bebê”, mostra a terna relação de uma mãe com sua filha caçula, que está prestes a sair de casa para estudar no Canadá. Para apresentar e debater o filme, estarão no Brasil a diretora Lisa Azuelos e a jovem atriz Thaïs Alessandrin. Assistido por quase 600 mil pessoas na França, “Meu Bebê” também fez sucesso no Festival de Comédias de L’Alpe d’Huez conquistando os prêmios de melhor direção e melhor atriz para a grandona e ótima Sandrine Kiberlain.

Este ano, o clássico homenageado pelo Varilux será “Cyrano de Bergerac”, de Jean-Paul Rapeneau (1990), que rendeu uma Palma de Ouro a Gérard Depardieu. O público poderá, ainda, assistir a “Cyrano mon Amour”, escrito e dirigido pelo dramaturgo Alexis Michalik, que estará no Brasil para acompanhar sua obra. Se o filme protagonizado por Depardieu concentrava-se no personagem (um soldado-poeta, tímido e narigudo), esta nova produção concentra-se no dramaturgo francês Edmond Rostand (1868-1918). A peça, escrita em 1897, e seu autor fascinaram Michalik a ponto de estimulá-lo a escrever (e levar ao palco) uma trama metalinguística sobre criador e criatura. O espetáculo lhe rendeu quatro prêmios Molière (melhor dramaturgo, melhor diretor, melhor comédia e melhor montagem em teatro privado). E o filme fez bonito nas telas (528 mil espectadores).

Completam a programação do Varilux 2019, os filmes “As Boas Intenções”, de Gilles Legrand, com a ótima Agnès Jaoui, “Através do Fogo”, de Frederic Tellier, “Os Dois Filhos de Joseph”, de Félix Moati, “Mistério de Henri Pick”, de comédia policial de Rémi Bezançon, com o hilário Fabrice Luchini, e “O Professor Substituto”, de Sébastien Marnier. A aventura animada do mais famoso personagem dos quadrinhos franceses intitula-se “Asterix e o Segredo da Poção Mágica”, de Alexandre Astier e Louis Clichy”.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.