CPC-UMES lança em DVD o clássico russo “A Ascensão”

Por Maria do Rosário Caetano

Dois filmes notáveis da cinematografia russa, realizados ainda na era soviética – “A Ascensão”, de Larisa Shepitko, premiado com o Urso de Ouro no Festival de Berlim, e “Vá e Veja”, de Elem Klimov, eleito em enquete promovida pela BBC inglesa “um dos melhores filmes de todos os tempos” – acabam de ganhar versões em DVD, lançadas pelo selo CPC-UMES (Centro Popular de Cultura da União Municipal de Estudantes de São Paulo).

Há pontos de união entre os filmes: ambos são poderosos dramas de guerra, feitos com ousadia e inventividade e capazes de resistir à ação do tempo. E, detalhe curioso, são fruto de dupla de diretores que eram, na vida civil, marido e mulher. “A Ascensão”, premiado em Berlim, em 1977, traz a assinatura de Larisa Shepitko, esposa de Elem Klimov. “Vá e Veja”, que foi restaurado pelas Cinematecas de Bolonha e Moscou e pelo World Film Fundation, coordenada, nos EUA, por Martin Scorsese, é sem sombra de dúvidas o momento mais luminoso da carreira de Elem Klimov (1933-2003).

Larisa Efimovna Shepitko, que era também atriz (de grande beleza) e roteirista, morreu, vítima de acidente de carro, em 1979, quando preparava novo longa-metragem, “A Despedida”. Tinha 41 anos. Estavam com ela quatro integrantes de sua equipe, que também vieram a óbito. A jovem realizadora mal teve tempo de desfrutar o Urso de Ouro conquistado na Berlinale. Consternado, Klimov dedicou a ela um curta-metragem “Larisa” (1980) e realizou “A Despedida”, projeto que ela deixara, por trágica razão, inacabado.

Foi depois de perder a esposa (e mãe de seu filho Antônio), que Elem Klimov realizou “Agonia” (1981), seu primeiro filme de repercussão internacional, sendo inclusive lançado no circuito de arte brasileiro. Catorze anos depois, assinaria “Vá e Veja”, seu trágico e atmosférico drama sobre um menino-guerrilheiro, perdido numa Bielorúsia conflagrada pela Segunda Guerra Mundial.

Larisa nasceu em janeiro de 1938, em Artemovsk, na Ucrânia, uma das quinze repúblicas que integravam a União Soviética. Klimov nasceu em Volvogrado, em 1933. Os dois se conheceram no Instituto Gerasimov de Cinematografia, o famoso VGIK, em Moscou, considerado a mais antiga escola de cinema do mundo. A jovem estudante orgulhava-se de ter sido aluna, por dezoito meses, de Aleksandr Dovchenko (1894-1956), diretor dos clássicos “Arsenal” (1928) e “A Terra” (1930). Ainda nos anos de escola, ela participou, como atriz, de vários filmes, incluindo “O Poema do Mar” (1958), iniciado por Dovchenko, morto aos 62 anos, e concluído por sua esposa, Yulia Solntseva.

A jovem aspirante a cineasta graduou-se no VGIK em 1963, com “diploma de honra” por “Calor”, seu trabalho escolar. Ela tinha 22 anos. O filme conta a história de uma nova comunidade agrícola na Ásia Central em meados dos anos 50. No processo de montagem de “Calor”, Larisa contou com a ajuda do colega Elem Klimov, com quem se casaria no mesmo ano. Antes de triunfar em Berlim, com “A Ascensão”, a jovem diretora realizou “Asas” (1966) e “Você e Eu” (1971), este, o único em cores.

“A Ascensão” (111 minutos) é um filme construído com poderosas imagens em preto-e-branco, a partir do romance “Sotnikov”, do bielorruso Vassil Bykov. Um grupo de guerrilheiros soviéticos luta contra o exército de Hitler, durante o rigoroso inverno de 1942. Fustigados pelas tropas nazistas, que avançam sobre o território da URSS, os partisans (eles não integravam o Exército Vermelho) enfrentam duras provações. A maior delas é a fome.

Dois guerrilheiros são escolhidos para sair em busca de provisões, enquanto os demais permanecem no acampamento. Rybak (Vladimir Fgostyhkin) e o judeu Sotnikov (Boris Plotnikov) tentam conseguir alimentos onde for possível. Depois de muito esforço, conseguem um carneiro, mas acabam capturados por um comando nazista. Submetidos a interrogatórios, sob tratamento brutal, cada um reagirá a seu modo.

Larisa constrói um drama realista, centrado nos dois guerrilheiros, submetidos à provação máxima: delatar ou não os companheiros. Tornar-se um colaboracionista ou morrer enforcado? Que opção escolher?

Os protagonistas, atores de imensos recursos, nos arrebatam com seus dramas de consciência. Um filme de guerra em tudo diferente dos épicos de guerra hollywodianos. “A Ascensão” — como diz o título escolhido por sua autora (ela preferiu-o ao nome de um dos protagonistas, opção do escritor Vassil Bykov) — discute o estado de “elevação” de quem marca sua existência por princípios. Aqueles que trocam a própria vida pelo bem coletivo.

“Vá e Veja” (142 minutos) causou funda impressão em quem o viu, nos anos 1980, quando foi lançado no Brasil. Premiado com a Medalha de Ouro pelo júri oficial doFestival de Moscou e com o Prêmio da Crítica, pelo júri Fipresci, acabou esquecido por algum tempo, até ser exibido em Veneza Classics, três anos atrás, e, depois, eleito para a Lista BBC de melhores filmes de língua não-inglesa.

O mais impactante dos longas-metragens de Elem Klimov se passa na mesma Bielorússia de “A Ascensão” e no mesmo momento histórico (a Segunda Guerra Mundial, para os soviéticos – e os russos – a Grande Guerra Patriótica). Em 1943, um grupo de guerrilheiros – despreparado para enfrentar as bem-armadas forças nazistas – coopta um camponês, o pré-adolescente Florya (Alexei Kravchenko). O garoto, afinal, havia encontrado uma arma e sentia-se encorajado a enfrentar o invasor. Mas, em meio aos horrores da guerra, ele é deixado para trás. Sem entender bem o que se passa, Florya perambula por um mundo brutal, entre o lirismo e o pesadelo. Klimov dá tratamento magistral às imagens e ao som, transportando o espectador para perturbadora dimensão sensorial. Um filme de imensa originalidade.

“A Ascensão” é o quadragésimo DVD lançado pelo selo CPC-UMES. Ele chega depois de “Anna Karenina – A História de Vronsky” (2017), de Karen Shakhnazarov, que além de cineasta, é presidente da Mosfilm, produtora estatal e maior estúdio da Rússia (foi criada há mais de 90 anos, nos momentos mais efervescentes da Revolução Bolchevique). Com a ruína do socialismo e o consequente desmonte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o estúdio viveu momentos difíceis, mas não foi desativado. Está, aos poucos, reconstruindo e recuperando sua força histórica.

“Anna Karenina”, vista pelo olhar de Vronsky, passou pelo circuito de arte brasileiro e foi visto por 15 mil espectadores. Depois, foi lançado em DVD. “E também”, enfatiza Igor Oliveira, “em Blu-Ray”, pois trata-se de recriação da obra de Leon Tolstói, realizada como minissérie e filme, há três anos, com elenco de peso, direção de arte de ponta e os fartos recursos exigidos, em produções de época, por cenas de guerra e grandes bailes com centenas de figurantes.

Dos 40 filmes soviéticos e russos lançados pelo CPC-UMES, pelo menos dez se destacam por suas qualidades estéticas e prêmios internacionais. Um dos mais antigos, “Bola de Sebo”, de Mikhail Romm, recria com imensa fidelidade o famoso conto do francês Guy de Maupassant, fonte inspiradora de diversos filmes e até de Chico Buarque (na criação da personagem “Geni”, do musical “Ópera do Malandro”). Realizado em 1934, ainda na fase muda soviética, “Bola de Sebo” traz a beleza dos filmes afiliados ao “Formalismo Russo”, movimento que contou com nomes da grandeza de Serguei Eisenstein, Vassili Pudovkin, Dziga Vertov e Alexander Dovchenko.

Outros destaques da Coleção CPC-UMES são “A Mãe”, recriação da obra de Máximo Gorki empreendida por Pudovkin (e que serviria de matriz à peça “Mãe Coragem”, de Bertold Brecht), “Dersu Uzala”, de Akira Kurosawa, produção da Mosfilm, protagonizada por atores soviéticos e filmado, na Sibéria, pelo mestre japonês, “Solaris”, de Andrei Tarkowski (tido como a resposta soviética ao “2001” de Kubrick), “Quando Voam as Cegonhas”, de Mikhail Kalatozov (o mesmo de “Soy Cuba”), Palma de Ouro em Cannes 1957, e, agora, “A Ascensão” e “Vá e Veja”.

Igor Oliveira, integrante da equipe que, anualmente, promove a Mostra de Cinema Soviético e Russo, na Cinemateca Brasileira (com exposições, debates e feira de alimentos típicos da culinária eslava), conta que “Bola de Sebo” não está entre os DVDs preferidos do público.

“Nossos títulos mais procurados” – enumera – são “Lenin em Outubro”, “Lenin em 1918”, e “O Fascismo de Todos os Dias”, todos de Mikhail Romm, o clássico “A Mãe”, de Pudovkin, “Tigre Branco”, de Karen Shakhnazarov, “O Caminho para Berlim”, de Serguei Popov, “Solaris”, “Dersu Uzala” e “Vá e Veja”. Ele acredita que, “pelo bom desempenho inicial”, os lançamentos deste ano devem figurar em breve na lista dos mais procurados. Caso de “Anna Karenina: A História de Vronsky”, “A Ascensão”e “Quando Voam as Cegonhas”.

“Vá e Veja”, depois de ser restaurado, exibido no segmento Veneza Classics e resgatado pela crítica internacional, foi apresentado em duas sessões na Mostra Mosfilm 2018, na Cinemateca Brasileira, e integrou a programação do Circuito Spcine. “Nossa intenção” – confessa Igor – “é exibir o filme mais vezes nos cinemas, por tratar-se de obra de grande beleza plástica, que ganha muito na tela grande”. Mas o integrante do CPC-UMES admite que “conseguir data no circuito exibidor está cada vez mais difícil”. Mesmo assim, não se dá por vencido: “estamos buscando parcerias para mostrar este e outros filmes de nosso acervo em salas de cinema”.

O próximo lançamento do Selo CPC-UMES, em DVD, será “Boris Godunov” (1986), de Serguei Bondarchuk (1920-1994). O filme chegará às lojas na primeira de agosto.

ONDE ENCONTRAR: os DVD do CPC-UMES podem ser adquiridos na sede da entidade, na Rua Treze de Maio, na Bela Vista/Bixiga paulistano. Ou nas seguintes livrarias: Cultura, Books, Anita Garibaldi (em SP), Travessa (Rio), E o Vento Levou (Porto Alegre), Joreli Revistaria (Florianópolis) e CineShow (Belo Horizonte).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.