CineSesc promove mostra com melhores momentos do Festival do Rio

Por Maria do Rosário Caetano

O Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro promove, no CineSesc paulistano, a partir desta quinta-feira, 6 de fevereiro, até a quarta seguinte, mostra composta com 21 longas-metragens (estrangeiros e brasileiros), todos inéditos.

O público poderá assistir, no confortável cinema da Rua Augusta, ao novo Ken Loach (“Você Não Estava Aqui”), a um imperdível documentário sobre a trajetória da crítica californiana Pauline Kael (“O que Ela Disse”) e a título do incansável e prolífico Werner Herzog (“Nômade: Seguindo os Passos de Bruno Chatwin”). A eles, somar-se-ão os novos trabalhos de Abel Ferrara (“Tommaso”), Alain Cavalier (“Vivendo e Sabendo que se Está Vivo”), Victor Kossakovsky (que teve seu “Aquarela” entre os 15 finalistas ao Oscar Doc), Sergei Loznitsa (“State Funeral”) e Asif Kapadia, com seu “Diego Maradona”.

Quem acha que o craque argentino já apareceu demais nas telas de cinemas e TVs, não perde por esperar. Neste filme, Kapadia, diretor de “Senna” e “Amy”, opta por recorte notável: a comunhão entre o “pibe da periferia argentina” e os “periféricos da Itália”. O abusado e talentosíssimo Maradona encontrou em Nápoles, cidade do Sul peninsular e “subdesenvolvido”, suas almas gêmeas. Paixão à primeira vista, consolidada em dribles, série de gols inesquecíveis e títulos.

A produção brasileira marca presença no resumo do Festival do Rio no CineSesc com três documentários. Dois premiados: “Ressaca”, de Vincent Rimbaux e Patrizia Landi, que recebeu do júri oficial os troféus Redentor de melhor longa documental e melhor direção, e “Favela é Moda”, de Emílio Domingos, eleito pelo Júri Popular. Os três realizadores estarão em São Paulo para debater seus filmes com o público.

O primeiro (“Ressaca”) mostra a luta do corpo de baile do Teatro Municipal carioca por seu ofício, em momento de salários atrasados e temporadas interrompidas. Algo que se tornava, a cada novo dia, mais preocupante. Afinal, nunca é demais lembrar que bailarinos necessitam, como os jogadores de futebol, de força física e juventude para alcançar seus melhores desempenhos.

“Favela é Moda” mostra o cotidiano e o desenvolvimento de jovens modelos de uma agência localizada na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio. A partir do conceito “Moda Resistência”, eles questionam o padrão estético no mercado fashion no Brasil.

“Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”, de Tatiana Lohmann, completa a representação brasileira. O filme registra, ao longo de 84 minutos, “histórias de lares sem pai, em favelas esquecidas pelo Estado, onde mães solitárias adquirem aura de santas guerreiras”. Após a sessão, que acontecerá nesta quinta-feira, 6, às 19h, haverá debate com a diretora, que se fará acompanhar da atriz-MC e poeta Roberta Estrela D’Alva, de Negotinho, presidente e articulador do espaço São Mateus em Movimento, e Dona Jacira, artesã formada em desenvolvimento humano, saberes e fazeres.

Entre os 18 longas internacionais selecionados pelo Festival do Rio para seu Resumo Paulistano, o que, decerto, chamará mais atenção dos cinéfilos é o documentário “O que Ela Disse: As Críticas de Pauline Kael”. Produção canadense, dirigida por Rob Garver, o filme, realizado há dois anos, narra, ao longo de 95 minutos, a trajetória de uma das mais respeitadas críticas de cinema dos EUA. A partir da revista New Yorker, Pauline Kael (1919-2001) ergueu seu prestígio. Acompanhou com imenso interesse o cinema de realizadores como Martin Scorsese e Robert Altman (entre outros nomes da linha de frente da Nova Hollywood) e estabeleceu seu estilo ousado e culto.

Rob Garver registrou mais de quarenta entrevistas (de Francis Ford Coppola, Quentin Tarantino, Camille Paglia, entre outros) e acessou imenso e inédito material de arquivo. De posse de tais recursos, pôde traçar retrato desta mulher que dizia o que pensava, sendo amada por muitos e detestada por outros tantos. Parte dos escritos de Kael são lidos, no filme, pela atriz Sarah Jessica Parker. Sessão única na terça, dia 11, às 19h.

“Você Não Estava Aqui”, de Ken Loach, que participou da competição de Cannes 2019, está, claro, na mira dos cinéfilos. Mas o filme já tem lançamento garantido no Brasil (previsto para 27 de fevereiro). O mestre britânico, de 83 anos, segue em seu rigoroso labor cinematográfico, dedicado por inteiro aos proletários do mundo. Desta vez, ele foca no casal Ricky, que vive de bicos mal pagos, e Abby, cuidadora de idosos. Eles moram em Newcastle, com dois filhos. A família é unida, mas os pais, que dão duro pela sobrevivência, percebem que não conseguirão sequer ser proprietários da casa onde habitam. Até que a revolução digital parece oferecer-lhes oportunidade real de mudar suas vidas. O filme terá sessão única na segunda-feira, dia 10, às 19h.

Cinéfilos costumam acompanhar a impressionante carreira do alemão (hoje radicado nos EUA) Werner Herzog, de 77 anos. Parece que ele não descansa. Faz, em média, dois filmes por ano (sua filmografia já soma 63 títulos). Agora, o CineSesc apresenta “Nômade: Seguindo os Passos de Bruce Chatain”. Nesta produção britânica, Herzog, que atendera, outrora, à convocação do lendário escritor e aventureiro Bruce Chatwin (1940-1989), resolve revisitar o passado. Naquele final da década de 1980, Bruce pedira ao diretor de “Fata Morgana” que assistisse a seu filme sobre tribos do Saara. Em troca, Chatwin daria ao alemão a mochila que carregara em suas viagens pelo mundo.

Passaram-se três décadas, desde a visita ao escritor em seu leito de morte. Com a mochila do amigo, Werner Herzog promove em “Seguindo os Passos de Bruce Chatain”, jornada épica, inspirada pela paixão dos dois pela vida de povos nômades. No caminho, da Patagônia às Montanhas Negras do País de Gales, passando pelos descampados da Austrália, Herzog revelará histórias de dinossauros, tribos perdidas, tradições aborígenes, viajantes e sonhadores. Sessão única no domingo, 9, às 15h.

Outro filme que há de reunir plateia especial é o documentário “Toni Morrison: As Muitas que Eu Sou”, de Timothy Greenfield-Sanders. Ao longo de 120 minutos, o cineasta promove “íntima meditação” sobre vida e obra da escritora afro-americana, vencedora do Nobel de Literatura. O foco recai sobre a infância, adolescência e maturidade de Toni (1931-2019), suas turnês literárias nos anos 1970, suas lutas ao lado do boxeador Muhammad Ali e a militância junto à ativista Angela Davis. Enfim, sua incansável batalha pelos direitos dos negros de seu país. Sessão única no domingo, 9, às 17h.

Muitos dos outros títulos reunidos pelo “Resumo do Festival do Rio” têm como tema personagens de relevo (positivo ou negativo) político, social ou cultural. Caso de “The Kingmaker”, de Lauren Greenfield, centrado na trajetória da controvertida Imelda Marcos, e “Sean Scully e a Arte de Tudo”, de Nick Willing, sobre o pintor abstrato Sean Scully, um dos mais ricos artistas britânicos. Ou de longa “XY Chelsea”, de Tim Hawkins, retrato do ex-soldado que revelou 750 mil documentos para o Wikileaks e, depois tornou-se a jovem trans Chelsea Manning. Ou, ainda, “Cidadão K”, de Alex Gibney, que “biografa” a Rússia contemporânea através da perspectiva de Mikhail Khodorkovsky, oligarca que esteve no centro do poder e, depois, bateu de frente com o (então) novo presidente do país eurasiano, Vladimir Putin.

O escritor Truman Capote (1924-1984) é a figura central de “The Capote Tapes”, de Ebs Burnough. O livro “Answered Prayers” (Orações Respondidas) foi concebido para tornar-se a obra-prima capotiana. O escritor pretendia erguer retrato épico da reluzente alta-sociedade de Nova York. Em vez disso, o ambicioso projeto provocou sua derrocada. Com material de arquivo, muitas horas inéditas de áudio e entrevistas com amigos e inimigos de Capote, o filme revela a ascensão e queda de um dos mais famosos escritores gays dos EUA.

O “Resumo” traz, ainda, os filmes “Uma Mulher Extraordinária”, da alemã Sherry Hormann (baseado na vida real de Hatun “Aynur” Sürücü, jovem turca assassinada aos 23 anos, em Berlim), e “Fotografando a Máfia”, de Kim Longinotto, sobre a siciliana Letizia Battaglia que registrou, com sua câmera, casamentos, funerais e assassinatos de cidadãos comuns, assistindo ao silêncio de sua comunidade, ameaçada pela Cosa Nostra. A Itália se faz representar, também, por “O Desaparecimento de minha Mãe”, de Beniamino Barrese. No centro da narrativa, Benedetta Barzini, modelo, ícone fashion nos anos 1960, musa de Andy Warhol, Salvador Dalí e Richard Avedon, e feminista radical.

A ficção “Little Joe”, da austríaca Jessica Hausner, participou do Festival de Cannes e rendeu a Emily Beecham a Palma de Ouro de melhor atriz. Sua protagonista, Alice, é criadora de plantas em empresa que pesquisa e desenvolve novas espécies. Ela consegue criar uma flor carmim, notável não só por sua beleza, mas também por seu valor terapêutico. Se mantida na temperatura ideal e alimentada adequadamente, a planta faz seu dono feliz. Só que um dia, desobedecendo às ordens patronais, Alice resolve levar um exemplar da flor carmin para sua casa.

 

Festival do Rio no CineSesc
O festival carioca exibe, no cinema da Rua Augusta, 21 filmes inéditos no circuito paulistano. De 6 a 12 de fevereiro, em vários horários. Ingressos a R$ 12,00 (inteira), R$ 6,00 (aposentado, pessoas com deficiência, estudantes e servidores de escola pública com comprovante) e R$ 3,50 (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo). Horários no site: sescsp.org.br/cinesesc.

Sessões seguidas de debates dos três documentários brasileiros: “Minha Fortaleza, os Filhos de Fulano”, Tatiana Lohmann (quinta-feira, dia 6, às 19h), “Favela é Moda” (sexta-feira, dia 7, às 19h, com o diretor Emílio Domingos, a produtora Letícia Monte e Julio Cesar Silva, da JCRÉ Facilitadora), e “Ressaca”, debate com os diretores Patrizia Landie e Vincent Rimbaux (terça-feira, dia 11, após a sessão das 17h).

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