“O Traidor” lidera as indicações ao Prêmio Donatello
Por Maria do Rosário Caetano
A sexagésima-quinta cerimônia de entrega dos prêmios David di Donatello, o Oscar peninsular, tem “O Traidor”, de Marco Bellocchio, coprodução entre Brasil e Itália, como o grande recordista em indicações (18 em categorias artísticas e técnicas).
Os profissionais brasileiros, que participaram da realização deste épico sobre a Máfia siciliana, ficarão de olho na transmissão da Rai Uno TV, dia 8 de maio próximo. Isto, caso a noite dos “Donatello” não seja mais uma vez adiada (estava, inicialmente, marcada para 3 de abril) por causa do coronavírus. A Península Itálica é o território mais atingido pela pandemia, depois da China continental.
Vale registrar que, no caso de “O Traidor”, o cinema brasileiro não é um mero caroneiro. O filme tem parte de seu enredo ambientada no Rio de Janeiro, Maria Fernanda Cândido, atriz paranaense-paulista, em papel significativo, e a produtora Gullane, dos irmãos Caio e Fabiano, como parceira.
Os quatro concorrentes de Bellocchio são “Pinocchio”, de Matteo Garrone, e “O Primeiro Rei”, de Matteo Rovere (com 15 indicações cada), “La Paranza dei Bambini”, de Claudio Giovanni, e “Martin Eden”, de Pietro Marcello (11 indicações cada um). Destes, o público brasileiro só conhece o último, uma ousada adaptação do romance homônimo de traços autobiográficos de Jack London à língua italiana e à cidade de Nápoles, metrópole do discriminado Sul e sede de importante porto.
As notícias sobre “Pinocchio”, o quinto longa-metragem de Matteo “Gomorra” Garrone, são fartas. O filme, baseado numa das mais festejadas fábulas peninsulares, tem Roberto Benigni em seu elenco. O ator-cineasta desfruta de condição rara com esta narrativa sobre boneco de madeira que ganha vida e vê seu nariz crescer a cada mentira contada: deu vida a Pinocchio (em filme homônimo, que ele dirigiu e protagonizou em 2003) e, agora, na pele do artesão Gepetto. Benigni está, por este papel, indicado ao Donatello de melhor ator coadjuvante. Exibido no último Festival de Berlim, o filme ainda não tem lançamento programado no mercado brasileiro.
“O Primeiro Rei” chega com força à noite dos Donatello. Afinal, trata-se de épico histórico que narra, em latim arcaico (e ao longo de 127 minutos), o mito originário da capital do Império Romano, a cidade de Roma. Que, diz a lenda, teria sido fundada, em 753 antes de Cristo, por Rômulo e Remo, dois irmãos alimentados por uma loba. O filme foi o grande rival de “O Traidor” na disputa peninsular por uma vaga ao Oscar de melhor filme internacional.
Os quase 2 mil integrantes da Academia Italiana de Cinema analisaram 120 longas-metragens. Entre os escolhidos – mas com menor número de indicações – figura o terror “Suspiria”, de Luca Guadagnino (sete), já lançado comercialmente no Brasil. O filme de maior público foi “Pinocchio” (rendeu quase 15 milhões de euros). Em seguida, vieram “O Traidor” (quase 5 milhões) e “O Primeiro Rei” (quase 3 milhões). O mais festejado pela crítica internacional foi o filme de Bellocchio. A revista Cahiers du Cinéma abriu espaço nobre para este que é o vigésimo-sétimo longa ficcional do mestre italiano e lhe atribuiu 4 estrelas. Mesmo número de Les Inrockuptibles, L’Humanité e Le Nouvel Observateur. Já Positif, Libération, Band à Part, Le Figaro e Elle não fizeram por menos: 5 estrelas, cotação máxima.
A cerimônia do “David di Donatello” será apresentada, em Roma, pelo ator Carlo Conti e prestará tributo a dois de seus maiores profissionais: Federico Fellini, que se vivo fosse, teria feito 100 anos em janeiro último, e um dos astros de seus elencos, o romano Alberto Sordi (1920-2003), que terá seu centenário lembrado em junho.
Na categoria melhor documentário, três dos cinco concorrentes festejam o cinema peninsular: “Fellini Fine Mai” (“Fellini não termina nunca”, em tradução livre), “Cidadão Rosi”, sobre o grande Francesco “Bandido Giuliano” Rosi, e “Se c’è un Aldilà Sono Fottuto – Vita e Cinema di Claudio Caligari (“Se Houver um Além Estou Fodido”). Caligari nasceu no Piemonte, em 1948, e morreu em Roma, 67 anos depois. Dirigiu apenas quatro filmes: “Lotte nel Belice” (1977), “Amore Tossico” (83) “L’Odore della Notte” (98) e “Non Essere Cattivo” (2015). Seu “Amor Tóxico” foi laureado com o Prêmio Vittorio De Sica no Festival de Veneza. Ele morreu vítima de câncer, cinco anos atrás, semanas depois de editar seu último filme.
A terceira homenageada da noite dos Donatello será a atriz Franca Valeri, que fará 100 anos em julho. Ela, que estreou no cinema em “Mulheres e Luzes”, de Fellini e Lattuada (1951), trabalhou também com Steno, em “Totò a Cores”(1952), e com o mestre maior da comédia, Dino Risi, em “O Signo de Vênus” (1955). Franca está viva e deve, em pessoa, buscar o seu David de Donatello. Sua presença servirá para amainar a falta de mulheres nas mais importantes categorias do prêmio italiano (melhores filmes ficcionais e melhor direção). Só varões estão escalados, este ano, para estas duas categorias, as mais valorizadas.
Quem acompanha, com atenção, o cinema italiano conhece alguns dos profissionais, em especial atrizes e atores, que disputam o Donatello. Valeria Golino concorre a protagonista e a coadjuvante. Valeria Bruni-Tedeschi (como Golino, atriz e cineasta) também marca presença (como protagonista de “5 é o Número Perfeito”). Alguns conhecem Jasmine Trinca, indicada por “A Deusa da Fortuna”, do ítalo-turco Ferzan Özpetek (do sensível gay movie “Um Amor Quase Perfeito”, 2001).
A categoria mais disputada será a de ator protagonista. Jovens intérpretes italianos têm causado sensação em prêmios internacionais. Marcello Fonte foi laureado em Cannes (por “Dogman”), Elio Germano, em Berlim (por “Volevo Nascondermi”) e Luca Marinelli (o “Martin Eden” de Pietro Marcello), em Veneza. Agora, Marinelli disputará o Donatello com dois pesos-pesados: o veterano Toni Servillo, ator-fetiche de Paolo Sorrentino (por seu papel em “5 é o Número Perfeito”) e Pierfrancesco Favino, que se entrega de corpo e alma ao “traidor” Tommaso Buscetta, mafioso que viveu no Brasil e desposou uma advogada, vinda da classe média alta do Rio de Janeiro.
Na categoria melhor ator coadjuvante, há três nomes conhecidos dos brasileiros. Um é o comediante Roberto Benigni, Oscar de melhor ator em 1999 (e melhor filme estrangeiro) com “A Vida é Bela”. Os outros dois são Luigi Lo Cascio (de “A Melhor Juventude”, “Os Cem Passos” e “Bom Dia, Noite”), um dos notáveis coadjuvantes de “O Traidor”, e Stefano Accorsi, ator-fetiche de Ferzam Ötzpetek. Ele, que concorre com “Il Campione”, do estreante Leonardo D’Agostini, divide com Margherita Buy o protagonismo no festejado “Le Fate Ignoranti” (“Um Amor Quase Perfeito”).
Por fim, há que se destacar dois nomes do cinema italiano que costumam brilhar nos créditos técnicos de muitos e importantes filmes: o compositor Nicola Piovani, de 73 anos, o mais famoso da Itália, depois de Nino Rota (1911-1979), quando o assunto é trilha sonora, e o escritor e roteirista Roberto Saviano, 40 anos. O autor do romance “Gomorra”, matriz do filme de Garrone, agora disputa o David di Donatello como um dos roteiristas de “La Paranza dei Bambini”, também baseado em livro de sua autoria.
Confira os principais indicados:
Melhor filme (ficção)
. “O Traidor”, de Marco Bellocchio
. “Martin Eden”, de Pietro Marcello
. “Pinocchio”, de Matteo Garrone
. “O Primeiro Rei”, de Matteo Rovere
. “La Paranza dei Bambini”, de Claudio Giovanni
Melhor documentário
. “Fellini Fine Mai”, de Eugenio Cappuccio
. “Cidadão Rosi”, de Didi Gnocchi e Carolina Rosi
. “Vita e Cinema di Claudio Caligari (Se c’è un Aldila Sono Fottuto)”, de Simone Isola e Fausto Trombetta
. ‘Selfie”, de Agostino Ferrente
. “La Mafia non È Più Quella di Una Volta”, de Franco Maresco
Melhor produtor
. “O Traidor” (IBC Movie, Kavac Film, Gullane)
. “Martin Eden” (Marcello, Caschetto, Ordonneau, Weber, Fügen e RAI Cinema)
. “Pinocchio” (Archimede, RAI Cinema e Le Pacte)
. “ O Primeiro Rei” (Groenlândia, Gapbusters, RAI Cinema, Roman Citizen)
. Bangla (Domenico Procacci, Anna Morelli e TIMvision)
Melhor diretor
. Marco Bellocchio (O Traidor)
. Pietro Marcello (Martin Eden)
. Matteo Garrone (Pinocchio)
. Matteo Rovere (O Primeiro Rei)
. Claudio Giovanni (La Paranza dei Bambini)
Melhor diretor estreante
. Igort (“5 é o Número Perfeito”)
. Pahim Bhuiyan (“Bangla”)
. Leonardo D’Agostini (“Il Campione”)
. Marco D’Amore (“L’Immortale”)
. Carlo Sinoni (“Sole”)
Melhor atriz
. Valeria Bruni Tedeschi (5 é o Número Perfeito)
. Valeria Golino (Tutto il mio Folle Amore)
. Jasmine Trinca (A Deusa da Fortuna)
. Linda Caridi (Ricordi?)
. Lunetta Savino (Rosa)
. Isabella Ragonese (Mio Fratello Rincorre i Dinosauri)
Melhor ator
. Luca Marinelli (Martin Eden)
. Pierfrancesco Favino (O Traidor)
. Toni Servillo (5 é o Número Perfeito)
. Alessandro Borghi (O Primeiro Rei)
. Francesco Di Leva (Il Sindaco del Rione Sanità)
Melhor atriz coadjuvante
. Valeria Golino (5 é o Número Perfeito)
. Maria Amato (O Traidor)
. Alida Baldari Calabria (Pinocchio)
. Tania Garribba (O Primeiro Rei)
. Anna Ferzetti (Domani è un Altro Giorno)
Melhor ator coadjuvante
. Roberto Benigni (Pinocchio)
. Luigi Lo Cascio (O Traidor)
. Fabrizio Ferracane (O Traidor)
. Stefano Accorsi (Il Campione)
. Carlos Buccirosso (5 é o Número Perfeito)
Melhor roteiro original
. O Traidor (Bellocchio e equipe)
. O Primeiro Rei (Matteo Roveri e equipe)
. A Deusa da Fortuna (Ferzan Öztepek e equipe)
. Ricordi? (Valerio Mieli)
. Bangla (Phaim Bhuiyan e equipe)
Melhor roteiro adaptado
. “Martin Eden” (Pietro Marcello e Maurizio Braucci))
. “Pinocchio” (Garrone & Ceccherini)
. “La Paranza dei Bambini” (Giovannesi, Roberto Saviano e Braucci)
. “Il Sindaco del Rione Sanità” (Mario Martone)
. “La Famosa Invasione degli Orsi in Sicilia” (Fromental, Bidegain e Mattoti)
Melhor fotografia
. Vladan Radovic (O Traidor)
. Nicolaj Brüel (Pinocchio)
. Francesco Di Giacomo (Martin Eden)
. Daniele Ciprì (O Primeiro Rei)
. Daria D’Antonio (Ricordi?)
Melhor trilha sonora
. Nicola Piovani (O Traidor)
. Dario Marianelli (Pinocchio)
. Andrea Farri (O Primeiro Rei)
. Thom Yorke (Suspiria)
. Orchestra di Piazza Vittorio (Il Flauto Magico di Piazza Vittorio)
Melhor montagem
. Francesca Calvelli (O Traidor)
. Aline Hervé e F. Federico (Martin Eden)
. Marco Spoletini (Pinocchio)
. Granni Vezzosi (O Primeiro Rei)
. Jacopo Quadri (Il Sindaco del Rione Sanità)
Melhor direção de arte
. Andrea Castorina (O Traidor)
. Dimitri Capuani (Pinocchio)
. Tonino Zera (O Primeiro Rei)
. Inbal Weinberg (Suspiria)
. Nello Giorgetti (5 é o Número Perfeito)
Prêmio da Juventude (Davi Giovani)
. Martin Eden, de Pietro Marcello
. A Deusa da Fortuna, de Ferzan Ötzpetek
. O Traidor, de Marco Bellocchio
. L’Uomo del Labirinto, de Donato Carisi
. Mio Fratello Rincorre i Dinosauri, de Stefano Cipani
Melhor filme estrangeiro
. Parasita (Coreia do Sul)
. J’Accuse – O Oficial e o Espião (França)
. Coringa (EUA)
. Era Uma Vez em.. Hollywood (EUA)
. Green Book (EUA)