You Tubers

Maria do Rosário Caetano

Quem sintonizar o Canal Curta!, nessa sexta-feira, 11 de setembro, para assistir ao documentário “You Tubers”, verá um filme com quatro personagens fascinantes e progressistas. Não encontrará, portanto, razão para rogar pragas contra o mundo digital, que estaria roubando o hábito da leitura e criando seres vociferantes e retrógrados.

Sandra Werneck e Bebeto Abrantes, diretores de “You Tubers”, construíram um longa documental em tudo oposto ao desesperador (e nem por isso menos necessário) “Intervenção – Amor Não Quer Dizer Grande Coisa”, de Rubens Rewald, Thales Ab’Saber e Gustavo Aranda. Três anos atrás, este trio paulistano mergulhou nas madrugadas das redes sociais e encontrou “fauna” de alucinados e apocalípticos. Daqueles que, de porrete (ou celular) na mão, defendiam a ditadura militar e o AI-5, vociferando contra tudo que cheirasse a esquerda ou mantivesse algum vínculo com causas progressistas.

A dupla carioca Sandra e Bebeto, três anos depois, fez de “You Tubers” uma plataforma de amplificação de vozes (e imagens) de quatro influenciadores digitais brasileiros, dos mais atuantes e capazes de mobilizar plateias significativas. São eles a bem-humorada Júlia Tolezano, a Jout Jout; o mais bem-humorado ainda Arnaldo Taveira, o Apóstolo Arnaldo; o culto professor Guilherme Terreri, que corporifica a trans Rita von Hunty; e o angustiado, mas encantador, Spartakus Santiago, que carrega o próprio nome.

Os quatro youtubers conversam, separadamente, claro, com seu público. E o fazem através de seus canais domésticos e páginas na internet. Sem nenhum tom apocalíptico eles veem suas redes sociais como plataformas de mensagens enriquecedoras. Ou de alegria satírica.

O filme, ao acompanhar a rotina de Jout Jout, Apóstolo, Rita e Spartakus – principalmente durante gravações de seus vídeos –, nos revela muito de suas singulares trajetórias. “You Tubbers”, o documentário, não tem pressa. Dá espaço generoso para que essas “novas celebridades” falem de seus propósitos, dificuldades, desafios, desejos. E da pressão que sofrem (são vítimas do algoritmo) para, cada vez mais, conseguir novos acessos. Só assim o YouTube os remunerá. Se os acessos caírem, a grana também cairá.

O mais franco de todos é Spartakus. Ele posta seus vídeos semanalmente, como os colegas, sonha em ser famoso, mas muito famoso (como grandes apresentadores de TV). Jovem, black e gay, ele é amoroso, de fala doce, progressista, e cai na dança com uma integrante do Jongo da Serrinha. O secular Jongo, patrimônio do samba carioca, parte fundamental da história do Império Serrano, a escola do inesquecível e vitorioso “Bum-bum Paticumbum Prugurundum”. Mas, Spartakus tem seus momentos de desânimo. Sabe que, ao comunicar-se com um público eclético, muitas vezes, esse mesmo público, que acabou de elogiá-lo, poderá se melindrar. E parar de dar click em suas mensagens. E, convenhamos, sua pauta, com ênfase na negritude e universo LGBT, não é daquelas de fácil abordagem em país polarizado como o Brasil de hoje. Mesmo assim, ele vai levando a vida.

O mais hilário e debochado dos quatro “perfilados” é Arnaldo Taveira, o Apóstolo Arnaldo, oficiante de uma autodenominada “Igreja Evangélica Pica das Galáxias”. Ele aparece em sua casa, um aprazível sítio em Petrópolis, na região serrana do estado do Rio. Aparece, também, gravando suas cáusticas loucuras, muitas delas paródias de missionários evangélicos, aqueles que pregam nas madrugadas televisivas. Pela natureza debochada de seus vídeos e pelas letras das canções satíricas que entoa, deve ser o que mais causa furor (ou “espécie”, dependendo do ponto-de-vista) nos espectadores.

Julia Tolezano conta que era a menina com quem ninguém dançava nas festas, a que não arranjava namorado, a “feia engraçada”. O tempo passou e ela criou a Jout Jout, divertidíssima e com discurso que vai bem além da autoajuda. No final de 2019, após uma pausa em seu canal doméstico, ela partiu, com uma simples mochila nas costas, para viagem solitária pelo Brasil. A equipe do documentário foi encontrá-la no Conde, pequena cidade litorânea, parte da Grande João Pessoa paraibana. Sensível e franca, ela é a força feminina do filme.

Guilherme Terreri mora em São Paulo. O filme o registra no momento em ele faz palestras para empresas, no Rio. Ele, não, ela, a trans Rita von Hunty. Professor e amante dos livros, Guilherme se transforma na frente da câmera de Fabrício Mota. Camadas e camadas de maquiagem fazem dele um corpo trans delicado, nada caricatural. Aliás, o filme não está interessado em perfis grosseiros ou apressados. Busca a empatia do público com seus personagens e com o que eles têm a dizer. E Rita von Hunty não foge de temas difíceis, até áridos, como a História e as questões sócio-econômicas.

Os espectadores que sintonizarem o Canal Curta! verão alguns dos vídeos caseiros do quarteto. Uns, claro, são mais elaborados que outros e trazem forte engajamento social e político. O titular da “Igreja Evangélica Pica das Galáxias” parece mais interessado em entreter seus espectadores. Mesmo assim, comparado aos trogloditas virtuais (e apocalípticos) que aparecem em “Intervenção – Amor Não Quer Dizer Grande Coisa”, o “pregador” da Pica das Galáxias se revela um adorável brincalhão. Fiquem, pois, de olho em “You Tubers”, em sua estreia nesta sexta-feira (seguida de, em média, cinco reprises) no Canal Curta!

E, registre-se, Jout Jout, que centra o foco de seus vídeos na questão de gênero, é a campeã de acessos (tem 2,3 milhões de seguidores).

You Tubers
Brasil, 79 minutos, 2020
Documentário de Sandra Werneck e Bebeto Abranche
Fotografia: Fabrício Mota
Estreia: 11 de setembro no Canal Curta! (Claro-Net, Oi TV, Vivo, NeoTV).

FILMOGRAFIA
Sandra Werneck
(Rio de Janeiro – RJ, 1951)

2020 – You Tubers (longa documental, parceria com Bebeto Abranches)
2017 – Mexeu com Uma, Mexeu com Todas (longa doc)
2016 – Os Outros (longa doc)
2015 – Pequeno Dicionário Amoroso 2 (longa ficção)
2009 – Sonhos Roubados (longa fic)
2005 – Meninas (longa doc)
2004 – Cazuza – O Tempo não Pára (longa fic em parceria com Walter Carvalho)
2001 – Amores Possíveis (longa fic)
1997 – Pequeno Dicionário Amoroso (longa fic)
1994 – Canudos – As Duas Faces da Montanha (parte do longa-metragem “Os Sete Sacramentos de Canudos”)
1993 – Profissão Criança
1992 – Pornografia (curta-manifesto, parceria com Murilo Salles)
1991 – Guerra dos Meninos (média-metragem)
1989 – Canal Click (curta)
1987 – Damas da Noite (média)
1986 – Geléia Geral (média)
1984 – Pena Prisão(média)

Bebeto Arantes

2020 – You Tubers (longa documental, parceria com Sandra Werneck)
2020 – Me Cuidem-se! (filme-processo), A Esperança Equilibrista (filme-live), Quem jamais te esqueceria (filme-live)
2019 – Saudades do nosso Futuro – Sá Pereira 70 anos (doc)
2018 – Quando os Suíços Imigravam – Nova Friburgo 200 anos (doc)
2017 – Caminho do Mar (doc)
2011 – As Batidas do Samba (doc)
2006 – Histórias de um Brasil Alfabetizado (doc)
2005 – Até Quando? (doc)
2003 – Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto (longa doc)
2001 – TV – Quem Faz, Quem Vê (doc)
1993 – 3 Antonios & 1 Jobim (projeto e roteiro)

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