Cinema brasileiro enfrenta mais um ano de bilheterias reduzidas

Por Maria do Rosário Caetano

Será que algum filme brasileiro com significativo apelo de público chegará às salas de cinema nos próximos sete meses? Ou seja, antes que a maioria da população tenha tomado as duas doses da vacina anticoronavírus?

A se julgar pela lista de lançamentos previstos pelo Boletim Filme B (publicação especializada em mercado cinematográfico), produtores e distribuidores estão ariscos. Não querem queimar seus filmes.

Contam-se nos dedos as produções dispostas a enfrentar momento tão adverso. Entre elas destacam-se três filmes protagonizados pela comediante Cacau Protásio: “Amarração de Amor”, previsto para 10 de junho, “A Sogra Perfeita (2 de setembro) e “Juntos e Enrolados” (7 de outubro).

No terreno do filme infantil, dois títulos com bom desempenhos antes da epidemia têm datas agendadas: “Detetives do Prédio Azul – Aventuras no Fim do Mundo”, de Mauro Lima, em julho, e “A Turma da Mônica 2 – Lições”, de Daniel Rezende, em dezembro. Para o público juvenil, há “Diários de Intercâmbio”, com Larissa Manoela à frente do elenco.

Um dia, em especial, anuncia-se promissor nesse complicado ano de 2021: 4 de novembro. Se não houver nenhum contratempo, “Marighella”, de Wagner Moura, e “O Predestinado”, de Gustavo Fernández, este sobre o médium Zé Arigó (1922-1971), chegarão às salas físicas de cinema.

Bruno Wainer, da distribuidora Downtown, que ajudou a construir o sucesso da trilogia materna de Paulo Gustavo (“Minha Mãe é uma Peça”), no mercado exibidor, mostra-se tão abalado com a perda do amigo, que nada quer dizer sobre o assunto. Só vivenciar o luto.

No terreno dos lançamentos, Wainer avisa que tem “seis filmes guardados”. E que “só Deus sabe quando os lançará” em salas físicas. Enumera, então, os títulos que esperam a hora menos arriscada para buscar diálogo com o público: “Eduardo e Mônica”, segunda incursão de René Sampaio no universo musical de Renato Russo (a primeira foi “Faroeste Caboclo”), “Tô Ryca 2”, com a comediante Samantha Schmütz , “O Palestrante”, com Fábio Porchat, “Pluft, o Fantasminha”, recriação do clássico infantil de Maria Clara Machado, comandado por Rosane Svartman, “Uma Pitada de Sorte”, com Fabiana Karla, e “Coração de Leão”, este um remake de bem-sucedida comédia argentina. Entre os títulos de sua cartela de lançamentos, este é o único que, por razões contratuais, o distribuidor tem o compromisso de lançar até dezembro.

Bruno Wainer se viu – para manter a saúde financeira de sua empresa – obrigado a buscar saídas fora do mercado de salas de cinema. A principal delas foi estrear três produções de sua carteira de inéditos em plataformas de streaming (um deles, “No Gogó do Paulinho”). No começo desse mês de maio, ele lançou “Amigas de Sorte”, comédia de Homero Olivetto, protagonizada por Arlete Salles, Rosi Campos e Suzana Vieira.

O proprietário da Downtown não descarta a possibilidade de lançar direto no streaming os filmes “Os Suburbanos”, comédia de Luciano Sabino, e os longas brasilienses “Pureza”, de Renato Barbieri (com Dira Paes) e “Amado”, de Edu Felistoque. O distribuidor acautela-se recorrendo ao advérbio “provavelmente” quando se refere ao lançamento destes filmes. Seu desejo é colocá-los primeiro nos cinemas, só depois, no streaming. Mas se a vacinação e a segunda dose continuarem na lentidão atual, será forçado a recorrer a procedimento similar ao que adotou ano passado – abrir mão das salas tradicionais.

As bilheterias dos filmes brasileiros lançados esse ano são desesperadoras (registre-se que até candidatos a blockbusters internacionais tiveram desempenhos modestos). Exemplos preocupantes: a comédia “Um Tio Quase Perfeito 2” vendeu 78 mil ingressos (o primeiro, dois anos atrás, ultrapassou os 500 mil), “Lucicreide Vai para Marte”, 15 mil, “Depois a Louca Sou Eu”, 14 mil, “O Auto da Boa Mentira”, baseado na obra de Ariano Suassuna, ainda em cartaz, 5 mil na primeira semana.

Vários produtores, por razões contratuais ou por não aguentarem mais ver seus filmes nas prateleiras, já agendaram datas para lançamentos esparramados pelos meses de junho a dezembro, mesmo sabendo que os protocolos sanitários só permitem ocupação reduzida de poltronas. E que muitos brasileiros só se animarão a voltar a frequentar os cinemas, quando estiverem imunizados com as duas doses da vacina.

Nessa semana, dois documentários devem chegar ao circuito exibidor: “Libelu – Abaixo a Ditadura”, de Diógenes Muniz, vencedor do Festival É Tudo Verdade, ano passado, e “Boa Noite”, também da seleção do mesmo festival, cinebiografia do locutor Cid Moreira, que por décadas apresentou o Jornal Nacional, na Rede Globo.

Dia 27, mais dois filmes: o documentário “Alvorada”, de Anna Muylaert e Lô Politi, sobre a tensão vivida pela presidenta Dilma Roussef, em seu palácio residencial, durante o período em que foi submetida a processo de impeachment, e a comédia – “Quem Vai Ficar com Mário?”, de Hsu Chien.

De todos os filmes anunciados, os mais esperados são mesmo as cinebiografias de Marighella e a de Zé Arigó, e o drama “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos.

O filme de Wagner Moura, sobre o guerrilheiro baiano Carlos Marighella (1911-1969), estreou no Festival de Berlim em 2019. Enfrentou problemas burocráticos, que retardaram seu lançamento, e depois viu as salas de cinema fechadas ou funcionando sob rigoroso protocolo sanitário. O guerrilheiro, filho de mãe afro-brasileira e pai de origem italiana, é vivido no filme pelo ator e cantor Seu Jorge. Com ele, no elenco, estão Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Humberto Carrão, Bella Camero, Herson Capri, Luiz Carlos Vasconcelos, Tuna Dwek e Charles Paraventi. O filme dura 2h35′.

“O Predestinado”, de Gustavo Fernández

A vida de Zé Arigó, cujo nome civil era José Pedro de Freitas, realmente merecia um filme. Ele nasceu em Congonhas do Campo, na região do ouro de Minas Gerais, e viveu de forma modesta. Ano que vem, os seguidores do espiritismo vão comemorar seu centenário. Daí a estreia dessa cinebiografia protagonizada por Danton Mello, que interpreta o médium, e Juliana Paes, sua esposa Arlete. Produzido pela Moonshot, de Roberto d’Ávila, e a JF Productions, de Fábio Golombek, o filme reavivará, na memória dos mais velhos, a figura do “homem que realizava cirurgias e curas espirituais”, atraindo verdadeiras levas de pessoas à sua pacata cidade natal.

Vale lembrar que Congonhas é um dos mais importantes centros de prática da fé católica, já que sedia a Basílica do Bom Jesus de Matozinho. Esse santuário, uma das mais belas construções arquitetônicas do país, conta, em sua área externa, com 12 profetas esculpidos pelo Aleijadinho (1738-1814), além de 64 esculturas em madeira colocadas dentro das capelas dos Passos. E, por ironia do destino, foi um médium espírita quem recolocou a cidade, por período de 20 anos, de novo na mídia.

Com seus dons de “paranormalidade”, Arigó tornou-se esperança de cura para milhões de pessoas. Isto, numa época em que o espiritismo não era prática religiosa muito difundida no Brasil e sofria preconceitos de parte da sociedade (em especial dos católicos). O médium, rejeitado pela comunidade médica, foi levado aos tribunais, condenado e preso por charlatanismo, mesmo que por curtos espaços de tempo. Sua fama, porém, só crescia. Era reverenciado pelo povo brasileiro (calcula-se que passaram por seu centro de atendimento perto de 4 milhões de pessoas). Veio gente até do exterior (inclusive dos EUA) em busca de cura.

Arigó representou, no século passado, papel semelhante ao desempenhado pelo goiano João de Deus, mas ao contrário deste nunca foi acusado de assédio. Ele, que dizia incorporar o espírito de um médico alemão, de nome Dr Fritz, morreu num acidente de carro, em janeiro de 1971, com apenas 49 anos. No elenco de “O Predestinado” estão, também, Marcos Caruso, Alexandre Borges, Marco Ricca e Carlos Meceni.

Nesse momento em que a luta contra o racismo estrutural é uma das mais fortes reivindicações da pauta progressista brasileira, um filme – “Medida Provisória” – de Lázaro Ramos, pode mobilizar público significativo. Basta ver o sucesso do romance “Torto Arado”, de Itamar Vieira Jr, junto ao público brasileiro. O livro, lançado pela Todavia, lidera a lista de best sellers ficcionais, há várias semanas, repetindo feito similar ao registrado, em outros momentos, por Jorge Amado e Chico Buarque.

“Medida Provisória”, recriação cinematográfica da peça “Namíbia, Não!”, de Aldri Assunção, tem no elenco Alfred Enoch, Taís Araújo e Seu Jorge. O filme já passou por festivais internacionais (no Texas, em Moscou etc). Depois de fazer carreira em festivais brasileiros, no segundo semestre, Lázaro deve estrear este que é seu segundo longa-metragem (o primeiro ficcional) em 18 de novembro, às vésperas do Dia da Consciência Negra.

A Revista de CINEMA elaborou a lista abaixo com novos filmes brasileiros com lançamentos agendados a partir das próximas semanas. Outros devem figurar nas programações dos festivais cinematográficos e esperar datas melhores em 2022:

Dia 13 de maio

. “Libelu – Abaixo a Ditadura”, de Diogénes Muniz
. “ Boa Noite”, de Clarice Saliby

Dia 27 de maio

. “Alvorada”, de Anna Muylaert e Lô Politi
. “Quem Vai Ficar com Mário”, de Hsu Chien

Dia 3 de junho

. “Cine Marrocos”, de Ricardo Calil
. “Virando a Mesa”, de Caio Cobra

Dia 10 de junho

. “Acqua Movie”, de Lírio Ferreira
. “Amarração de Amor”, de Caroline Fioratti

Dia 24 de junho

. “Veneza”, de Miguel Falabella
. “4 x 100 – Correndo por um Sonho”, de Tomás Portella

Dia 8 de julho

. “Detetives do Prédio Azul – Aventuras no Fim do Mundo”, de Mauro Lima
. “Ana. Sem Título”, de Lúcia Murat
. “Águas Selvagens”, de Roly Santos
. “Reação em Cadeia”, de Márcio Garcia

Dia 29 de julho

. “Migliaccio – O Brasil em Cena”, de João Mariano
. “Dois + Dois”, de Marcelo Saback

Dia 5 de agosto

. “Mangueira em Dois Tempos”, de Ana Maria Magalhães
. “Terapia da Vingança”, de Marcos Bernstein

Dia 12 de agosto

. “Intervenção”, de Caio Cobra (ação)

Dia 19 de agosto

. “Nada É por Acaso”, de Márcio Trigo

Dia 2 de setembro

. O Livro dos Prazeres”, de Marcela Lordy
. “A Sogra Perfeita”, de Chris D’Amato

Dia 9 de setembro

. “45 do Segundo Tempo”, de Luiz Villaça
. “Me Tira da Mira”, de Hsu Chien

Dia 23 de setembro

. “A Garota da Moto”, de Luís Pinheiro

Dia 30 de setembro

. “O Sol”, de Lô Politi

Dia 7 de outubro

. “Diários de Intercâmbio”, de Bruno Garotti
. “Juntos e Enrolados”, de Eduardo Waisman
. “Princesa Yakuza”, de Vicente Amorim

Dia 14 de outubro

. “Mar de Dentro”, de Dainara Toffoli

Dia 21 de outubro

. “Suspeita”, de Pedro Peregrino

Dia 4 de novembro

. “Marighella”, de Wagner Moura
. “O Predestinado”, de Gustavo Fernández

Dia 18 de novembro

. “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos
. “Nas Ondas da Fé”, de Felipe Jofilly

Dia 25 de novembro

. “Hermanoteu”, de Homero Olivetti

Dia 23 de dezembro

. “Turma da Mônica 2 – Lições”, de Daniel Rezende
. “Coração de Leão”, de Marcos Carnevale

 

COM DATA A DEFINIR

. “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou meus Pais”, de Maurício Eça
. “Homem Onça”, de Vinícius Reis
. “Jesus Kid”, de Aly Muritiba
. “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio
. “Tô Ryca 2”, de Pedro Antonio
. “O Palestrante”, de Marcelo Antunez
. “Pluft, o Fantasminha”, de Rosane Svartman
. “Uma Pitada de Sorte”, de Pedro Antônio
. “Pureza”, de Renato Barbieri
. “Amado”, de Edu Felistoque
. “Pedro”, de Laís Bodanzky
. “Tarsilinha”, de Célia Katunda e Kiko Mistrorigo
. “A Paixão de G.H”, de Luiz Fernando Carvalho
. “O Silêncio da Chuva”, de Daniel Filho
. “É Fada 2”, de Cris D’Amato
. “Madalena”, de Madiano Marchetti
. “Carro Rei”, de Renata Pinheiro
. “Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti
. “Diário de Viagem”, de Paula Kim
. “Silvio Santos, o Sequestro”, de Mauricio Eça

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