Ugo Giorgetti faz a “Festa” dos 20 anos do Espaço Frei Caneca

Por Maria do Rosário Caetano

Para comemorar seus 20 anos, o complexo cinematográfico Frei Caneca, programado por Adhemar Oliveira, promoverá retrospectiva de 14 longas-metragens de Ugo Giorgetti, sendo dois inéditos nos cinemas – a ficção “Dora e Gabriel” e o documentário “Paul Singer, uma Utopia Militante”. Os filmes serão apresentados em várias sessões diárias, dessa quinta-feira, 29, até 4 de agosto.

Nove dos filmes programados foram escolhidos entre os títulos mais conhecidos (ou premiados) do diretor ítalo-paulistano. Três são pouco conhecidos e, por isso, merecem ser vistos (nos cinemas, ou, a partir do dia 6 de agosto, no streaming Itaú Cultural Play). Afinal, revelam muito do cineasta paulistano, que nunca realizou um filme que fosse, de ficção ou documental, fora de sua cidade, a maior metrópole da América do Sul. Cidade que ele ama e odeia, em igual medida.

A mostra, que terá início nessa quinta-feira, 29 de julho, prossegue até o dia 4 de agosto. O público poderá ver ou rever a dobradinha “Boleiros – Era uma Vez o Futebol” e “Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos”, que se somará a “Jogo Duro”, “Quebrando a Cara”, “Festa”, “Sábado”, “O Príncipe”, “Solo”, “Paredes Nuas”, “A Cidade Imaginária”, “Cara ou Coroa” e “Uma Noite em Sampa”.

Ugo Giorgetti, que faz no cinema o que Adoniram Barbosa fez em nossa música popular, só quer saber de gente paulistana, de territórios paulistanos, de times paulistanos (com um olhar majestoso que chega, no máximo, até o Santos Futebol Clube e aos times de Campinas). Palmeirense desde o nascimento, ele sabe tudo de futebol (foi, por quinze anos, titular da coluna “Boleiros”, nas edições dominicais do Estadão). Por amar o futebol e escrever textos antológicos sobre essa paixão nacional, ele soube captar tão bem histórias de jogadores, treinadores e torcedores.

Giorgetti tem olho clínico para escolher atores. A mesa de craques (da representação e da bola) que montou para relembrar histórias boleiras é inesquecível: Flávio Migliaccio, Sócrates, Adriano Stuart, João Acaiabe, César Negro e Rogério Cardoso. E para dar vida aos “causos” boleiros, outros craques.

Quem se esquece dos “corintianos” Robson Nunes, Eduardo Mancini e Adilson Pancho, que levam um jogador “bichado” ao Pai Vavá (um hilário André Abujamra)? Ou do “juiz ladrão” de um arrebatador Otávio Augusto? Ou craque Azul (Cleber Colombo), preto como a noite, incomodado pela polícia por dirigir um carro da hora?

Sem esquecer, claro, o técnico do Verdão, com o qual Lima Duarte impregnou nossas retinas para o todo e o sempre. Quem não se lembra dele, estressado, interpelando a “maria chuteira” Marisa Orth – “Minha senhora! A senhora não sabe o que é um Parmeira e Curintias”.

Em “Sábado”, outro filme com história instigante e sedutora, mais um time de atores da pesada (Renato Consorte, Otávio Augusto, Gianni Ratto, Giulia Gam, Maria Padilha, Elias Andreato) e participações especialíssimas de Décio Pignatari, Tom Zé, Jô Soares, A.S. Cecilio Neto, André Abujamra e – inesquecível – Wandi Doratiotto. O “premê” dá um show em sua homenagem ao porteiro de “A Última Gargalhada” (Murnau, 1924), genialmente interpretado por Emil Jannings.

O diálogo do cinema de Ugo Giorgetti sempre se deu com a grande comédia italiana dos anos de ouro, mas em “Sábado”, ele acrescentou (aos peninsulares) o tributo ao genial filme de Murnau e, de quebra, atualizou a trama com toque de mestre. O porteiro brasileiro veste, orgulhoso, não o sobretudo elegante de seu similar germânico, funcionário de hotel de altíssimo luxo. Veste, isto sim, o sobretudo de um cultor do nazismo e seu maior símbolo, a suástica.

“Festa”, vencedor do Festival de Gramado em 1985, traz no elenco um amigo especial de Giorgetti: Antonio Abujamra (1932-2015). Os dois foram sócios no lendário TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), entre 1980 e 1984. Como nenhum dos dois tinha tino para os negócios, a parceria comercial durou, como se vê, apenas quatro anos. Mas amizade foi eterna. Só terminou quando Abu partiu. Ficaram o divertidíssimo músico de “Festa” e o protagonista de “Solo” (2003), um drama de enxutos 73 minutos.

Abujamra dá vida a um homem fora de seu tempo. Tudo que o cerca parece fazer parte de um mundo que ele não entende. Caminha da solidão rumo às trevas. O filme poderia resultar em um melodrama lacrimoso se diretor e ator não temperassem a narrativa com sarcasmo e ironia. O homem “Solo” revela suas perplexidades e reflete sobre o ato de viver em uma megalópole (São Paulo), vista como território não de sonho, mas um verdadeiro pesadelo.

Outra raridade dessa mostra Ugo Giorgetti é o drama “Paredes Nuas” (2009). No elenco, o saudoso Domingos Montagner e a grande atriz Juliana Galdino, oriunda do antunisiano CPT (Centro de Pesquisa Teatral-Sesc). Eles atuam ao lado de Andrea Tedesco, Angelo Brandini e Luiz Damasceno.

A trama gira em torno de rico mecenas, homem de grande sucesso social e econômico (qualquer semelhança com o dono do Banco Santos será mera coincidência!), que acabará preso em operação desencadeada pela Polícia Federal. As acusações: gerência temerária, evasão fiscal e formação de quadrilha. Na sala de sua mansão, quatro personagens – o motorista, a governanta, o advogado e a esposa – discutem o desdobramento da prisão do empresário e tentam entender suas próprias vidas.

Também pouco conhecido é “A Cidade Imaginária” (2014), de enxutíssimos 58 minutos. Giorgetti esboça retrato de imigrantes italianos que desembarcaram em São Paulo nas últimas décadas do século XIX.

Suzana Alves (sim, a ex-mascarada Tiazinha), Duda Mamberti, Helio Cícero, Ligia Cortez, Cris Rocha, Flavio Tolezani, Gabriela Westphal, entre outros, mostram indagações, hesitações, medos e angústias geradas pelo desconhecido que os aguarda ao alvorecer do dia.

Eles são representações de pessoas que saíram de sua terra natal com pouco ou nenhum esclarecimento do que iam encontrar no novo país. Dão vida a camponeses de nenhuma instrução, aventureiros, anarquistas e cantoras de ópera à procura de novas oportunidades.

A ficção “Dora e Gabriel” (2020) e o documentário “Paul Singer” (2021) terão suas pré-estreias em sala de cinema. Ary França e Nathalia Gonsales protagonizam a narrativa ficcional. No centro de São Paulo, um imigrante libanês, radicado no Brasil, é assaltado e jogado no porta-malas de seu próprio carro. Uma mulher, que – pelas trapaças da sorte – passava pelo local, torna-se testemunha do acontecido. Por isso será lançada no mesmo (e sufocante) espaço. Sem nunca terem se visto na vida, os dois serão obrigados a dividir o minúsculo ambiente sem saber por onde o automóvel circula.

“Paul Singer, uma Utopia Militante” (57 minutos) é um documentário de corte clássico, nascido de ideia original de Fernando Kleiman e Marcos Barreto, discípulos do mestre uspiano, nascido na Áustria, no seio de família judia. Aos sete anos, com a ocupação da Áustria pelos nazistas, ele desembarcou no Brasil. Dedicaria ao país seus melhores estudos, afetos e solidariedade.

O filme desenha sintética autobiografia deste economista e professor universitário, que marcou a vida intelectual paulistana e brasileira do final dos anos 1950 até sua morte, em 2018. Sua sustentação narrativa soma depoimentos de amigos e familiares a substantiva entrevista do perfilado. Já doente, mas com a mente viva, Singer relembra sua trajetória, da Áustria à USP, da leitura de “O Capital” ao lado de jovens colegas da USP, até o projeto Comunidade Solidária.

O Espaço Itaú de Cinema (Frei Caneca) foi inaugurado em agosto de 2001, com o propósito de apresentar programação eclética, composta com títulos de grandes estúdios, mas em “convivência pacífica” com filmes de outras geografias. Ou seja, produções europeias, asiáticas, hispano-americanas e, claro, brasileiras.

Com nove salas, bombonière, cafeteria e ampla área de convivência, o Frei Caneca (ex-Arteplex) exibiu, ao longo de suas duas primeiras décadas – segundo cálculo de Adhemar Oliveira, seu diretor-proprietário – “perto de 10 mil títulos, que mobilizaram 8 milhões de espectadores”. Uma das vitrines da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o Espaço abriga pré-estreias de filmes brasileiros e internacionais e mostras especiais. Conta, ainda, em sua área reflexiva e formativa, com projetos como o Clube do Professor, o Clube Jovem, o Clube da Terceira Idade e a Sessão Popular.

“Dora e Gabriel” e “Paul Singer – Uma Utopia Militante” serão lançados, depois das pré-estreias (na “Retrospectiva Giorgetti”) nos cinemas, em agosto e setembro, respectivamente. A partir do próximo dia 6 de agosto, os filmes do cineasta paulistano serão disponibilizados na plataforma Itaú Cultural Play. Que o público on-line fique atento. Afinal, quatro dos 14 longas da Retrospectiva – “Boleiros 1” e “Boleiros 2”, “Sábado” e “Festa” – poderão ser acessados somente por 48 horas (cada um).

 

Retrospectiva Ugo Giorgetti nos “Vinte Anos do Espaço”
Data: 29 de julho a 4 de agosto
Local: na sala 3 do Espaço Itaú de Cinema (Frei Caneca)
Bilheteria: de segunda à sexta: das 13h30 às 22h. Sábado e domingo: das 13h às 22h
Ingressos: R$ 12,00 (inteira) e R$ 6,00 (meia)

 

PROGRAMAÇÃO 

QUINTA-FEIRA (dia 29):

14h30 – Boleiros – Era Uma Vez no Futebol (1998, comédia dramática, 90 min, livre)

16h30 – Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos (2006, comédia dramática, 85 min, 14 anos)

18h30 – Cara ou Coroa (2012, drama, 92 min, 12 anos). Com Walmor Chagas, Emílio de Mello, Geraldo Rodrigues, Julia Ianina, Otávio Augusto, Juliana Galdino, Andrea Tedesco

20h30 –Pré-estreia de Paul Singer, Uma Utopia Militante (2021, 57 min, livre)

SEXTA-FEIRA (dia 30):

14h30 – O Prícipe (2002, drama, 90 min, 14 anos). Com Eduardo Tornaghi, Bruna Lombardi, Ricardo Blat, Ewerton de Castro, Nydia Licia, Otávio Augusto, Ligia Cortez, Adriano Stuart

16h30 – Jogo Duro (1985, drama, 83 min, 14 anos). Com Antonio Fagundes, Cininha de Paula, Paulo Betti, Cleide Yáconis, Eliane Giardini, Humberto Magnani

18h30 – Festa (1985, comédia, 86 min, 12 anos)

20h30 – Pré-estreia de Dora e Gabriel (2021, 85 min, cor, 14 anos)

SÁBADO (Dia 31):

14h30 – Solo (2009, drama, 73 min, 12 anos)

16h30 – Quebrando a Cara (1986, documentário, 76 min, 14 anos)
A saga da família Zumbano-Jofre pelos ringues de São Paulo. História de Éder Jofre, duas vezes campeão mundial de boxe.

18h30 – A Cidade Imaginária (2014, drama, 58 min, livre)

20h30 – Sábado (1994, comédia, 88 min, 12 anos)

DOMINGO (primeiro de agosto):

14h30 – Jogo Duro

16h30 – Paredes Nuas (2009, drama, 58 min, 14 anos)

18h30 – Sábado

20h30 – Uma Noite em Sampa (2016, comédia, 74 min, 12 anos)
Com Otávio Augusto, Flavia Garrafa, Roney Facchini, André Correa, Flávio Tolezane, Cris Couto, Agnes Zuliani, Fernanda Viacava, Andrea Tedesco, Carol Portes, Suzana Alves, Thaia Perez, Cris Rocha, Stella Tobar, Thiago Amaral, Siomara Schröder, Francisco Bretas, Sergio Mastropasqua, Angelo Brandini, Lutti Angelelli.

SEGUNDA-FEIRA (2 de agosto):

14h30 – Cara ou Coroa

16h30 – A Cidade Imaginária

18h30 – Quebrando a Cara

20h30 – Festa

TERÇA-FEIRA (3 de agosto)

14h30 – O Príncipe

16h30 – Solo

18h30 – Paredes Nuas

20h30 – Uma Noite em Sampa

QUARTA-FEIRA (4 de agosto):

14h30 – Boleiros – Era uma Vez no Futebol

16h30 – Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos

18h30 – Festa

20h30 – Sábado

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