Morre o ator francês Jean-Paul Belmondo

Por Maria do Rosário Caetano

O cinema francês, europeu e mundial perdeu, com a morte de Jean-Paul Belmondo, um de seus símbolos. O “Acossado” e o “Pierrot le Fou”, de Godard, o “Homem do Rio”, de Philippe de Broca, o pequeno gângster de tantas aventuras apresentadas em telas planetárias, tinha 88 anos e morreu em sua cidade adotiva, Paris.

Cinéfilos do mundo inteiro aprenderam a amar Belmondo (belmondô ou Bébel para os franceses) como o anti-herói em fuga do “Acossado” godardiano, filme que inseminou o imaginário da juventude no alvorecer dos anos 1960. Depois viria “Pierrot le Fou” (“O Demônio das Onze Horas” no Brasil). Mais um anti-herói concebido por Jean-Luc Godard. Quem há de esquecer de Pedrinho, o Louco com a cara pintada de azul? Ou com seu corpo circundado por bombas de dinamite?

Jean-Paul Belmondo e o hoje octogenário Alain Delon transformaram-se, nas décadas de 1960 e 70, nos maiores astros internacionais de origem francesa. O primeiro era feio, narigudo, de rosto anguloso, mas tinha para oferecer charme e carisma raros. O segundo era um deus, de beleza similar à de Marcelo Mastroianni, Jean Sorel e Marlon Brando. Por isso – seria inevitável – fascinou o esteta Luchino Visconti, que o escalou como protagonista de “Rocco e seus Irmãos” (e depois de “O Leopardo”). O feio Belmondo e belo Delon trabalharam juntos em “Borsalino”, um drama de gângsters, de imenso sucesso, dirigido por Jacques Deray, em 1970.

O sucesso acompanhou a carreira de Belmondo até os anos 1980. O público amava vê-lo em filmes de aventura ou de gângster. Alcançou imenso êxito comercial com “Cartouche” (De Broca, 1962) e com “Os Ladrões” (Henry Verneil, 1971). Em 1982, encabeçou o elenco de “O Ás dos Ases”, de Gerard Oury, a maior bilheteria francesa daquele ano.

Da fase aventureira de Belmondo, o Brasil recorda-se do destrambelhado (do ponto de vista geográfico) “O Homem do Rio”, que Philippe Broca filmou no Rio de Janeiro, em Brasília e na Amazônia. Lançado em 1964, o filme causou imenso frisson, pois assemelhava-se às aventuras de James Bond. Adrien, o protagonista (Belmondo, claro!), não se faz de rogado quando sua noiva Agnès (Françoise Dorléac, irmã de Catherine Deneuve) é sequestrada. Resolve, ele mesmo, resgatá-la. O sequestro se dá depois que uma estatueta amazônica, de grande valor, desaparece do Museu do Homem, em Paris. Junto com a peça desaparece, também, o tutor da moça. Adrien, que é soldado bem-treinado, vai aparecer em paisagens arrepiantes, para resgatar a noiva e desbaratar uma quadrilha de bandidos envolvida com drogas, sequestros e mortes.

Foi o cinema de aventura que transformou Belmondo em astro blockbuster. Mas foram os três Godard nos quais atuou (“Acossado”, “Uma Mulher é uma Mulher” e “Pierrot le Fou”) que lhe garantiram a eternidade. Afinal, estes três filmes, em especial o primeiro e último, continuam sendo vistos e revistos. E foram as seminais matrizes do cinema inventivo e de baixo custo praticado nos anos de ouro da Nouvelle Vague.

Belmondo atuou sob o comando de outros grandes nomes do cinema: Vittorio de Sica (“Duas Mulheres”, 1961), Jean-Pierre Melville (“Leo Morin Prête”, “Técnica de um Delator” e “L’Ainé des Ferchaux”, realizados em 1961 e 62), Louis Malle (“O Ladrão Aventureiro”, 1965), Francois Truffaut (“A Sereia do Mississipi”, 1969), Claude Chabrol (“Armadilha para um Lono”, 1972), e Alain Resnais (“Stavisky”, 1974). No total, o ator esteve em 92 filmes. E atuou, também como produtor, em 25.

Belmondo nasceu em Neuilly-sur-Sene, em 9 de abril de 1933. Amava o boxe e o futebol. Queria ser ator. Começou pelo teatro. Estreou no cinema aos 23 anos, em “Dimanche… Nous Volerons”, sem grande destaque. Já no filme seguinte, a comédia “Basta Ser Bonita” (1958), conseguiu ser notado. Mas foi a Nouvelle Vague, que varreu a França e o mundo no final dos anos 1950, começo dos 60, que o projetou. E justo num filme escrito por Francois Truffaut e dirigido por Godard. Curioso que Truffaut só tenha dirigido o astro em um filme (e não dos mais conhecidos) – “A Sereia do Mississipi”. Mas o diretor de “Os Incompreendidos” escalou o galã com cara de pugilista para a atuar ao lado de Catherine Deneuve. Aliás, não faltaram belas parceiras profissionais ao “cara dura”. Com Claudia Cardinale atuou em “Cartouche” e “Desejo que Atormenta” (ambos de 1962), com Gina Lollobrígida (“Mar Louco”, 62), com Jean Seberg (“Acossado”), com Anna Karina (“Pierrot le Fou”), com Mari-France Pisier (“Le Corps de mon Ennemi”). Feio sim, mas sedutor. E capaz de somar, com as bilheterias de seus 92 filmes e 60 anos de carreira, mais de 150 milhões de espectadores.

Em filmes sobre filmes, Belmondo aparece em “As Cento e uma Noites”, um híbrido de Agnès Varda (1995), “De um Filme a Outro” (documentário de Claude Lelouch, 2009) e “Viagem Através do Cinema Francês” (obra incontornável de Bertrand Tavernier, 2016).

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