“Ilusões Perdidas” é o campeão de indicações aos Prêmios César

Por Maria do Rosário Caetano

O velho romancista Honoré de Balzac continua seduzindo o mundo, em especial a França, com sua Comédia Humana. “Ilusões Perdidas”, seu livro mais famoso, deu origem ao filme que mais indicações recebeu aos Prêmios Cesar, o “oscar francês”. As cobiçadas estatuetas serão entregues no dia 25 de fevereiro, em Paris. O longa-metragem de Xavier Giannoli, que participou do Festival de Veneza, recebeu quinze indicações, deixando para trás o vencedor do festival italiano (“L’Évenement”, de Audrey Diwan) e o vencedor de Cannes (“Titane”, de Julia Ducournau), com quatro indicações cada um. Deixou para trás, também, títulos que integraram o top 10 da revista Cahiers du Cinéma, caso de “Annette”, de Leos Carax (com 11), “France”, de Bruno Dumont, e “Benedetta”, de Paul Verhoeven (com uma cada).

Nem “L’Évenement”, nem “Titane”, filmes que deram o bicampeonato a realizadoras francesas em dois dos maiores festivais do mundo, figuram na robusta lista de candidatos ao César de melhor filme. Ano passado, por causa da pandemia, só foram escolhidos cinco filmes. Este ano são sete. Três receberam dez ou mais indicações – o balzaquiano “Ilusões Perdidas”, o musical “Annette”, amado por uns e desprezado por outros, e a biografia ficcional “Aline”, dirigida pela atriz, cantora e roteirista Valérie Lémercier, famosa por sua veia cômica.

Valérie, que já ganhou dois César de melhor coadjuvante por papéis ligados à comédia, uniu forças financeiras da França e Canadá para cinebiografar, com muita liberdade, a vida da cantora (canadense) Céline Dion, de 53 anos. Conseguiu 10 indicações ao “Oscar francês”. Lembremos que o César não é um prêmio atribuído por críticos, mas sim pelos profissionais (artistas, técnicos e produtores) que integram a Academia Francesa de Cinema. A pátria dos irmãos Lumière, de Jean Renoir e de Godard gosta de somar cinefilia e negócios, arte e diálogo com o mundo. Esse ano, Adam Driver, um dos mais festejados intérpretes dos EUA, concorre a melhor ator por “Annette”, que coprotagoniza com Marion “Piaf” Cotillard (ela não foi lembrada). E um diretor francês, de origem nipônica, Arthur Harari, dirige filme rodado em floresta do extremo-oriente (“Onoda, Dez Mil Noites na Selva ”), já que seu protagonista é um soldado japonês, que só se entregou 30 anos depois do final da Segunda Guerra Mundial. O filme, claro, é falado em japonês, pois é prática da França respeitar o idioma alheio e não fazer de sua própria língua o esperanto universal.

A festa do César esse ano anuncia-se tão tranquila quanto a do ano passado. Sem Roman Polanski (que detinha o maior número de indicações em 2020, com seu bem construído “O Oficial e o Espião” (“J’Accuse”, sobre o Caso Dreyfuss), as feministas devem evitar barricadas. Há presença significativa de diretoras mulheres (três em sete indicações – Audrey Diwan, Julia Ducournau e Valérie Lemercier), mesmo número entre os sete filmes (“Titane” não entrou, mas foi substituído por “A Fratura”, de Catherine Corsini).

Na categoria melhor atriz, o prêmio ostenta time da pesada. A belga Virgine Efira causou furor em “Benedetta”, do holandês Verhoeven. Lea Seydoux, neta e sobrinha-neta de dois magnatas do cinema francês, Jérôme, da Pathé, e Nicolas Seydoux, da Gaumont, está excelente em “Frances”, ousado filme de Bruno Dummont. A ítalo-francesa Valeria Bruni Tedeschi, ex-senhora Louis Garrel, concorre por “A Fratura”, e Leïla Bekhti, por “Les Intranquilles”. Valérie Lemercier arrasa com a cinebiografia “Aline” (melhor atriz, melhor filme e mais oito indicações). Duas intérpretes pouco conhecidas no Brasil estão no páreo – Laure Calamy, por “Une Femme du Monde”, e Vicky Krieps, por “Serre moi Fort”, literalmente “Abraça-me com Força”, direção do grande ator Mathieu Amalric.

Curiosamente, o recordista “Ilusões Perdidas” não brilhou nas categorias “protagonista masculino” e “protagonista feminina”. Benjamin Voisin, revelado aos olhos dos cinéfilos brasileiros em “Verão de 85”, de François Ozon, foi escolhido para interpretar o personagem central da obra máxima de Balzac, o poeta Lucien de Rubempré. Os acadêmicos acharam, com razão, que ele merecia, no máximo, concorrer a “espoir” (ator revelação). Mesmo caso para a ótima Salomé Dewaels, que faz a sonhadora Coralie, estrela do teatro de variedades, o grande amor do provinciano Lucien. Mas a jovem atriz tem concorrente parada dura pela frente – Agathe Rousselle, a performática mutante de “Titane”, um prodígio.

Já no elenco de coadjuvantes, “Ilusões Perdidas” arrasou: Jeanne Balibar e Cécile de France brilham nos papéis de nobres que se relacionam com o pobre Rubampré. Vincent Lacoste, na pele do cínico Etiénne Lousteau, rouba todas as cenas em que aparece. O canadense Xavier Dolan (diretor dos mais festejados) também brilha como Raoul Nathan, o narrador do filme. Gérard Depardieu, magistral como Dauriat, um editor dos mais canalhas, chega à perfeição. Só não foi indicado porque a Academia deve achar que o velho ator, de 73 anos, decerto não precisa de mais prêmios (mas ele só ganhou dois Césares).

Adaptar um livro de 700 páginas, caso de “Ilusões Perdidas”, não é para qualquer um. Xavier Giannoli, considerado apenas um competente artesão, foi prudente ao aproximar-se da mais respeitada obra do prolífico Balzac (1799-1850). Em parceria com seu corroteirista Jacques Fieschi, ele escolheu só uma das três partes do caudaloso romance e justo a mais importante: “Um Grande Homem de Província em Paris”.

A dupla buscou, também, estabelecer agudo diálogo com os dias atuais, dominados por fake news e pela cultura da celebridade. Mesmo que a história se passe na primeira metade do século XIX, tempo em que Balzac viveu, tão profundamente conheceu e retratou em dezenas de romances.

O poeta Lucien Chardon (Benjamin Voisin) prefere ser chamado de Lucien de Rubempré, sobrenome da mãe, de suposta origem nobre. Ao chegar a Paris, vindo da província, sob proteção da Condessa Louise de Bargeton (Cécile de France), acumula alguma experiência como gráfico e carrega ilusões românticas de reconhecimento e êxito. Quer editar seus versos, escrever grandes romances, ser famoso. Como a monarquia foi restaurada espera, até, conseguir um título de nobreza.

Sem perceber, o jovem e ambicioso Lucien será apanhado por engrenagem que soma o mundo editorial, no qual reina o editor Dauriat (Gérard Depardieu), o corrompido meio jornalístico (território do sarcástico Etiénne Lousteau – Vincent Lacoste) e o também escritor (e aliciante narrador) Raoul Nathan (Xavier Dolan). Conhecerá a Marquesa d’Esard (Jeanne Balibar) e acabará por envolver-se com uma jovem atriz de espetáculos populares, Coralie (Salomé Dewaels), de sedutoras meias escarlates. Se ele sonha ser um escritor de primeira grandeza, ela deseja ser respeitada como intérprete de Racine.

Os bastidores da imprensa, do teatro, a compra de críticas e aplausos artísticos se fará presente na narrativa de Giannoli de forma reveladora. Um filme no qual até a arredia Cahiers du Cinéma reconheceu qualidades (três estrelas). Positif atribuiu-lhe cinco. Band à Part, L’Humanité (do Partido Comunista), Le Figaro (de direita), Le Monde, Le Nouvel Observateur, Le Point, Paris Match, Télerama, entre outros, quatro. Libération, como Cahiers, três. Só Les Inrock cravou estrela solitária. Na revista digital Slate.fr, o grande crítico Jean-Michel Frodon reconheceu os muitos méritos da adaptação de Giannoli para as “Ilusões Perdidas” de Balzac. Vejamos, agora, quantas das 15 indicações da Academia se converterão em Césares.

“Les Olympiades”, de Jacques Audiard, diretor do vigoroso “O Profeta”, participou do Festival Varilux de Cinema Francês, em dezembro passado, com esse filme em preto-e-branco, que escreveu em parceria com a cineasta Céline Sciamma e com Léa Mysius. Em português, o filme foi intitulado “Paris, 13º Distrito”. Acredita-se que obras que trazem nomes de cidades muito admiradas costumam atrair o público brasileiro. Para o César (edição número 47), a pequena produção do veterano Audiard, que fará 70 anos em abril, recebeu cinco indicações. No elenco multicultural destacam-se atores de origem chinesa e africana (Lucie Zhang e Makita Samba, ela com atriz e ele como ator revelação).

Confira os indicados ao César:

Melhor filme

. “ Ilusões Perdidas”, de Xavier Giannoli
. “Annette”, de Leos Carax
. “L’Évenement”, de Audrey Diwan
. “Aline”, de Valérie Lemercier
. “Bac Nord”, de Cédric Jimenez
. “A Fratura”, de Catherine Corsini
. “Onoda, Dez Mil Noites na Selva”, de Arthur Harari

Melhor direção

. Xavier Giannoli (“Ilusões Perdidas”)
. Leos Carax (“Annette”)
. Julia Ducournau (“Titane”)
. Audrey Diwan (“L’Évenement”)
. Arthur Harari (“Onoda, Dez Mil Noites na Selva ”)
. Cédric Jimenez (“Bac Nord”)

Melhor atriz

. Virginie Efira (“Benedetta”)
. Lea Seydoux (“France”)
. Leïla Bekhti (“Les Intranquilles”)
. Valeria Bruni Tedeschi (“A Fratura”)
. Valérie Lemercier (“Aline”)
. Laure Calamy (“Une Femme du Monde”)
. Vicky Krieps (“Serre moi Fort”)

Melhor ator

. Pierre Niney (“Boîte Noire”)
. Adam Driver (“Annette”)
. Vincent Macaigne (“Médecin de Nuit”)
. Benoît Magimel (“De Son Vivant”)
. Pio Marmaï (“A Fratura”)
. Damien Bonnard (“Les Intranquilles”)

Melhor atriz coadjuvante

. Jeanne Balibar (“Ilusões Perdidas”)
. Cécile de France (“Ilusões Perdidas”)
. Danielle Fichaud (“Aline”)
. Adèle Exarchopoulos (“Mandibules”)
. Aissatou Diallo Sagna (“A Fratura”)

Melhor ator coadjuvante

. Vincent Lacoste (“Ilusões Perdidas”)
. Xavier Dolan (“Ilusões Perdidas”)
. François Civil (“Bac Nord”)
. Karim Leklou (“Bac Nord”)
. Sylvain Marcel (“Aline”)

Melhor “espoir” (promessa) feminina

. Salomé Dewaels (“Ilusões Perdidas”)
. Agathe Rousselle (“Titane”)
. Anamaria Vartolomei (“L’Évenement”)
. Lucie Zhang (“Les Olympiades – Paris, 13o. Distrito”)
. Noée Abita (“Slalon”)

Melhor “espoir” (promessa) masculina

. Benjamin Voisin (“Ilusões Perdidas”)
. Makita Samba (“Les Olympiades – Paris, 13º Distrito”)
. Thimotée Robart (“Les Magnétiques”)
. Sami Outalbali (“Une Histoire d’Amour”)
. Sandor Funtek (“Suprêmes”)

Melhor filme de diretor estreante

. “Gagarine”, de Fanny Liatard e Jéremy Trouilh
. “La Nuée”, de Just Philippot
. “Les Magnétiques”, de Vincent Maël Carona
. “Slalon”, de Charlène Favier
. “La Panthère des Neiges”, de Marie Amiguet e Vincent Minier

Melhor longa estrangeiro

. “Drive my Car”, de Ryûsuke Hamaguchi
. “Madres Paralelas”, de Pedro Almodóvar (Espanha)
. “Compartment Nº 6”, de Juho Kuosmanen (Finlândia e Rússia)
. “First Cow – A Primeira Vaca da América”, de Kelly Reichardt (EUA)
. “Julie (em 12 Chapitres)”, de Joachin Trier (Noruega)
. “O Pai”, de Florian Zeller (Inglaterra)

Melhor documentário

. “Índias Galantes”, de Philippe Béziat
. “Animal”, de Cyrill Dion
. “Bigger Than Us”, de Flore Vasseur
. “Debout les Femmes”, de Gilles Perret e François Ruffin
. “La Panthère des Neiges”, de Marie Amiguet e Vincent Minier

Melhor filme de animação

. “La Traversée”, de Florence Miailhe
. “Le Sommet des Dieux”, de Patrick Imbert
. “Même les Souris Vont au Paradis”, de Denisa Grimmová e Jan Bubenicek

Melhor roteiro original

. Leos Carax, Ron Mael e Russell Mael (“Annette”)
. Valérie Lemercier (“Aline”)
. Arthur Harari e Vincent Poumiro (“Onoda, Dez Mil Noites na Selva”)
. Catherine Cosini, Laurette Polmanss e Agnès Feuvre (“A Fratura”)
. Yann Gozlan, Simon Moutaïrou e Bouvet-Levrard (Boîte Noire”)

Melhor roteiro adaptado

. Xavier Giannoli e Jacques Fieschi (“Ilusões Perdidas”)
. Mathieu Amalric (“Serre moi Fort”)
. Audrei Diwan e Marcia Romano (L’Évenement)
. Céline Sciamma, Léa Mysius e Jacques Audiard (“Les Olympiades – Paris, 13º Distrito”)
. Yaël Langman e Yvan Attal (“Les Choses Humaines”)

Melhor fotografia

. Christophe Beaucarne (“Ilusões Perdidas”)
. Caroline Champetier (Annette”)
. Tom Harari (“Onoda, Dez Mil Noites na Selva”)
. Ruben Impens (“Titane”)
. Paul Guillaume (“Les Olympiades – Paris, 13º Distrito”)

Melhor montagem

. Cyril Nakache (Ilusões Perdidas”)
. Nelly Quettier (“Anette”)
. Simon Jacquet (“Bac Nord”)
. Valentin Féron (“Boîte Noire”)
. Frédéric Baillehaiche (“A Fratura”)

Melhor figurino

. Pierre-Jean Larroque (“Ilusões Perdidas”)
. Catherine Leterrier (“Aline”)
. Madeline Fontaine (“Délicieux”)
. Thierry Delettre (“Eiffel”)
. Pascaline Chavanne (“Annette”)

Melhor direção de arte

. Dupire-Clément (“Ilusões Perdidas”)
. Florian Sanson (“Annette”)
. Emmanuelle Duplay (“Aline”)
. Bertrand Seitz (Déliciex”)
. Stéphane Taillasson (“Eiffel”)

Melhores efeitos visuais

. Arnaud Fouquet e Julian Meesters (“Ilusões Perdidas”)
. Martial Vallanchon (“Titane”)
. Guillaume Pondar (“Annette”)
. Olivier Cauwet (“Eiffel”)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.