Bafta consagra “Ataque dos Cães”, Will Smith, “Summer of Soul” e “Drive my Car”

Por Maria do Rosário Caetano

A cerimônia de premiação do Bafta, irmão gêmeo do Oscar, funcionou como um relógio. Sua premiação – fora a categoria de melhor atriz – antecipa muito do que deve acontecer na noite de 27 de março próximo, em Hollywood. Ou seja, deu-se a consagração de “Ataque dos Cães” e de sua diretora, a neozelandesa Jane Campion. Triunfo anunciado (e merecido) do cinema feminino.

O prêmio inglês, outorgado há 75 anos pelo BFI (Instituto Britânico de Cinema), premiou também duas forças afro-americanas: o ator Will Smith, por seu trabalho como protagonista de “King Richard – Criando Campeãs” (ele interpreta o pai obstinado e mala das tenistas Serena e Venus Williams), e o poderoso documentário “Summer of Soul (… ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de Quest Love, conhecido como o “Woodstock black”. Um resgate de shows de grandes nomes da música negra dos EUA, que ficaram engavetados por 50 longos anos.

Os britânicos premiaram, também, o asiático “Drive my Car”, dirigido pelo japonês Ryûsuke Hamaguchi, que vem encantando a crítica mundo a fora (a norte-americana, então, nem se fala). O filme, um dos dez indicados ao Oscar principal, baseia-se em livro de Haruki Murakami e traz atmosfera tchekoviana, já que o cineasta é apaixonado pelo dramaturgo e contista russo. Embora já estejam surgindo aquelas vozes-sempre-do-contra, inconformadas por não entenderem onde estão “as qualidades deste filme japa, tão incensado”, permaneçam atentos. “Drive my Car” estreia nos cinemas brasileiros nessa quinta-feira. Além de assisti-lo, corram atrás dos filmes anteriores de Hamaguchi, realizador da linhagem de Mizoguchi, Ozu, Ichikawa, Naruse, Kobayashi, Kuroswa, Kaneto Shindo, Nagisa Oshima e Kore-Eda.

Como o cinema britânico se confunde com o cinema norte-americano, tantas são as parcerias, o Bafta abre espaço para valorizar produções realizadas na Grã-Bretanha (Inglaterra, Irlandas, Escócia etc). Este ano, o melhor filme do que restou do Império que não via o sol se por foi “Belfast”, o adocicado “Roma” de Kenneth Branagh.

A categoria mais controvertida da temporada de prêmios cinematográficos, até agora, tem sido a de melhor atriz. O poderoso sindicato de Atores dos EUA optou por Jessica Chastain, por “Os Olhos de Tammy Faye”, no qual ela interpreta pastora evangélico-televisiva, uma espécie de “Xuxa do Senhor”. Já o Globo de Ouro preferiu Nicole Kidman. O Bafta ficou com a prata da casa: a sexagenária Joanna Scanlan, protagonista do filme “After Love”, dirigido por Aleem Khan, britânico de origem paquistanesa.

No domingo, 27, quem sabe parte significativa dos quase 10 mil integrantes da Academia de Hollywood – agora com quase 40% de estrangeiros em suas hostes – opte pela espanhola Penélope Cruz (“Madres Paralelas”) como melhor atriz? Afinal, os anglo-saxões, majoritários, podem dividir-se entre Jessica Chastain, Nicole Kidman (“Apresentando os Ricardos”), Kristen Stewart (“Spencer”) e Olivia Colman (“A Filha Perdida”).

“Duna”, do canadense Denis Villeneuve, recordista de indicações ao Bafta (onze, três a mais que “Ataques dos Cães”, de Jane Campion), foi o grande vencedor nas categorias técnicas – cinco troféus, incluindo melhor fotografia. Deixou para traz a prata-da-casa do velho Império – 007, o agente licenciado (pela Rainha) para matar. “Sem Tempo Para Morrer” só ganhou o Bafta de melhor montagem. E o público elegeu uma de suas atrizes, a afro-britânica Lashana Lynch, como “estrela em ascensão”.

“Coda”, no Brasil “No Ritmo do Coração”, ganhou, com sua recriação do filme francês “A Família Bélier”, o Bafta de melhor roteiro adaptado (pela diretora Siân Heder) e melhor ator coadjuvante, o surdo Troy Kotsur. Não se trata de prêmio ONG – ou seja, aquelas láureas piedosas! – mas sim do reconhecimento de um veterano que é mesmo craque. Kotsur injeta vida e humor libidinoso no pai surdo de jovem que deseja ser cantora. Para atingir seu objetivo, ela terá que deixar de ser arrimo da família, que necessita de seus préstimos para ir ao mar com seu barco de pesca.

O delicioso roteiro original de “Licorice Pizza”, garantiu um Bafta ao cineasta Paul Thomas Anderson, em momento de muita inspiração. Um filme que vem encantando espectadores que um dia amaram “Boggie Nights – Prazer Sem Limites”, sua incursão no mundo do cinema pornô.

“Amor, Sublime Amor”, bela recriação de Steven Spielberg para o premiadíssimo musical de Robert Wise, nasceu como superprodução holywoodiana e desempenho sofrível nas bilheterias. Mas vem recebendo prêmios, mesmo que não em categorias de ponta. Seu elenco ganhou dois Bafta. O de melhor atriz coadjuvante para a afro-latina Ariana DeBose, que realmente rouba a cena no papel que fôra de Rita Moreno, e melhor elenco coletivo. Ambos merecidíssimos.

Confira os vencedores:

. “O Ataque dos Cães” – melhor filme, melhor direção (Jane Campion)
. “Belfast”, de Kenneth Branagh – melhor filme britânico
. “Drive My Car”, de Ryûsuke Hamaguchi (Japão) – melhor filme de língua não-inglesa
. “Summer of Soul (… ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada)”, de Quest Love (EUA) – melhor documentário
. “Encanto”, de Byron Howard e Jared Bush (EUA) – melhor animação
. “After Love” – Joanna Scanlan (Inglaterra) – melhor atriz
. Will Smith, por “King Richard: Criando Campeãs” (EUA) – melhor ator
. “Amor, Sublime Amor” – melhor atriz coadjuvante (Ariana DeBose), e melhor elenco coletivo
. “No Ritmo do Coração” (Coda, EUA) – melhor roteiro adaptado (Siân Heder), melhor ator coadjuvante (Troy Kotsur)
“Licorice Pizza” – melhor roteiro original (Paul Thomas Anderson)
. “Duna”, de Denis Villeneuve (EUA, Canadá) – melhor fotografia (Greig Fraser), design de produção (Patrice Vermette e Zsuzsanna Sipos), trilha sonora (Hans Zimmer), som (Ron Bartlett, Theo Green, Doug Hemphill, Mark Mangini, Mac Ruth) e melhores efeitos visuais
. “007 – Sem Tempo para Morrer” (Inglaterra-EUA) – melhor montagem (Tom Cross, Elliot Graham) + estrela em ascensão (voto do público): Lashana Lynch
. “Os Olhos de Tammy Faye” (EUA) – melhor maquiagem e cabelos (Linda Dowds, Stephanie Ingram, Justin Raleigh)
. “Cruella” (EUA) – melhor figurino (Jenny Beavan)
. “The Harder They Fall” – melhor estreia britânica como realizador, produtor ou argumentista: Jeymes Samuel (argumento e realização)

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