Paris se despede de Jacques Perrin, ator de “Cinema Paradiso” e produtor de “Z”

Por Maria do Rosário Caetano

O cinema francês, italiano e argelino despediram-se do ator e produtor Jacques Perrin, astro de filmes de Giuseppe Tornatore (o oscarizado “Cinema Paradiso”), de Valério Zurlini, Costa-Gavras, Claude Chabrol e Jacques Demy.

Perrin, dono de rosto angelical e cara de adolescente, morreu aos 80 anos, em Paris, na última quinta-feira, 21 de abril. Deixou notável acervo de mais de 70 filmes, entre os quais destacam-se ficções como “Dois Destinos”, “A Moça com a Valise” e “Deserto do Tártaros”, os três de Zurlini, “Z” e “Estado de Sítio”, de Constantin Costa-Gavras, “Duas Garotas Românticas” e “Pele de Asno”, ambos de Demy, “Preto-e-Branco em Cores”, de Jean-Jacques Annaud, e “O Universo de Jacques Demy”, de Agnès Varda.

Sem esquecer documentários como “Microcosmo”, “Migrações Aladas”, “Seasons” e “Oceanos”, este em parceria com Jacques Cluzaud, vendeu 10 milhões de ingressos. Um sucesso planetário.

O bebê Jacques nasceu em Paris em 13 de julho de 1941, portanto, em plena Segunda Guerra Mundial, no seio de uma família de artistas. A mãe, Marie Perrin, era atriz, o pai, Alexandre Simonet, empresário da Comédie Française, o tio (Antoine Balpêtré) e a irmã (Eva Simonet), também atores. Com cinco anos de idade participava de um filme de Marcel Carné (“Os Visitantes da Noite”, 1946). Com o mesmo e respeitado diretor, atuaria anos mais tarde em “Os Trapaceiros” (1958). Mas a estreia para valer se daria nos palcos, aos 15 anos. No cinema, aos 16, atuaria no filme “La Peau de l’Ours”, de Claude Boissol.

Tinha 19 anos quando deu vida a um belo adolescente num filme protagonizado por ninguém mais ninguém menos que a estonteante tunisiano-italiana Claudia Cardinale, “A Moça com a Valise”. Na direção, Valerio Zurlini, um mestre. Contava 29 anos quando, ao lado de Catherine Deneuve, fez um príncipe em “Pele de Asno”. E 31, ao interpretar um dos irmãos de “Dois Destinos”, ao lado de Marcelo Mastroianni (este, o filme zurliniano que Carlos Reichenbach mais amava). O ator francês desejava ser escalado para papeis adultos. Mas todos o viam como um se fosse adolescente imberbe, jovial por demais, eternamente angelical.

Perrin com Claudia Cardinale, em “A Moça com a Valise”

Perrin resolveu, então, dedicar-se a dupla missão: atuar e produzir. Com apoio de capitais argelinos, estruturou a produção do thriller político “Z” (1968), do grego Costa-Gavras, exilado na França. Três anos antes, Gavras o dirigira em “Crime no Carro Dormitório”. Tornar-se-iam amigos para sempre. E, depois do sucesso de “Z”, premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro, filmariam, no Chile de Allende, “Estado de Sítio”, sobre a ditadura uruguaia e sua perseguição aos Tupamaros (com referências a instrutor de tortura, que evoca o estadunidense Daniel Anthony Mitrione). Fariam, também, “Sessão Especial de Justiça” (1975).

Outro diretor importante na trajetória de Perrin foi o francês Pierre Schloendoerffer. O jornalista, fotógrafo e cineasta escalaria o ator para importantes papeis em “Batalhão de Assalto” (65), “Le Crabe Tambour” (77) e “L’Honneur d’un Capitain” (82).

O cinema italiano manteve intensa parceria com o ator e produtor francês. Além de Valério Zurlini, Perrin trabalharia com Vittorio de Seta, que o dirigiu em “Un Uomo a Meta Trop” e “L’Invito”, ambos nos anos 1960), e com Giuseppe Tornatore, no sucesso planetário “Cinema Paradiso” (1990), outro filme premiado com o Oscar de melhor produção estrangeira.

Na saga cinéfila protagonizada pelo projecionista Alfredo (Philippe Noiret), Perrin interpreta o cineasta Salvatore, o Totò, na fase adulta (na infância, ele é vivido por Salvatore Cascio e, na adolescência, por Marco Leonardi). O filme, com trilha sonora de Ennio Morricone, teve estreia morna, em Cannes. Remontado, foi redescoberto e estourou em todos os continentes.

O Oscar haveria de tornar-se premiação abundante na trajetória de Jacques Perrin, pois outro filme produzido por ele – “Preto e Branco em Cores” (“La Victoire em Chantant”, Annaud, 1976), ganharia, como representante da Costa do Marfim, a estatueta de melhor produção estrangeira. Naquele mesmo ano (1976), Perrin assistiria à estreia de sua produção mais complexa, aquela que mais esforços lhe exigiria: “O Deserto dos Tártaros”, de Valério Zurlini (1926-1982). Baseado em romance de Dino Buzzati, com elenco internacional (Gassman, Trintignant, Max von Sidow, Giuliano Gemma, Noiret, Paco Rabal, Fernando Rey e o próprio Perrin) e realizado em paisagem desértica, na África, o longa-metragem (de 140 minutos) teve filmagens difíceis e complexa inserção no circuito comercial.

Nas duas últimas décadas, Jacques Perrin passou a dedicar-se, prioritariamente, ao cinema documental. Como produtor-autor, ele comandou projetos ecológicos de grande apelo internacional e imensas bilheterias (dentro dos padrões do gênero, claro). Títulos que consumiam anos e anos de filmagens, em oceanos, desertos, florestas e lugares ermos. Para tanto, oferecia a seus profissionais equipamentos de ponta, de forma que pudessem produzir imagens arrebatadoras.

Jacques Perrin nunca deixou de atuar. Um de seus filmes dos anos 2000 – o drama musical “Les Choristes”, de Christophe Barratier –vendeu 8 milhões de ingressos na França. Coube a ele o papel de um regente de coro. O parisiense, que soube, como poucos, reger sua produtiva carreira de ator e produtor, trabalhando com diretores e intérpretes estelares. E ganhando dezenas de prêmios e muito dinheiro (principalmente com seus documentários em defesa de oceanos, flora e fauna, todos comprados por redes de TV de dezenas de países).

 

FILMOGRAFIA SELECIONADA

Como ator:

1960 – “A Verdade”, Claude Chabrol
1960 – “A Moça com a Valise”, Zurlini
1965 – “Crime no Carro Dormitório”, Costa Gavras
1966 – “Duas Garotas Românticas”, de Jacques Demy
1970 – “Pele de Asno”, de Jacques Demy
1971- “Blanche”, de Walerian Borowczyk
1972 – “Dois Destinos”, de Zurlini
1976 -“Deserto do Tártaros”, de Zurlini
1990 – “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore
2004 – “Les Choristes”, de Christophe Barratier

Como produtor:

1968 – “Z”, de Constantin Costa-Gavras
1971 – “Estado de Sítio”, Costa-Gavras
1975- “Preto-e-Branco em Cores”, de J.J. Annaud
1976 – “Deserto dos Tártaros”, de Zurlini
1995 – “Universo de Jacques Demys”, de Agnès Varda

Como produtor, diretor, codiretor ou narrador:

1996 – “Microcosmo”
2001 – “Migrações Aladas”
2010 – “Oceanos”
2015 – “Seasons”

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