“Lavra” mostra o impacto da mineração nas montanhas de Minas

Por Maria do Rosário Caetano

“Lavra”, o quarto longa-metragem do mineiro-paulista Lucas Bambozzi, de 57 anos, chega aos cinemas de seis capitais brasileiras nessa quinta-feira, 6 de outubro (Rio, São Paulo, BH, Salvador, Brasília e Aracaju). E o faz depois de estrear no poderoso IDFA (Festival de Amsterdã, meca do cinema documentário), passar pelo Hotdocs de Toronto e pelos festivais de Lima, no Peru, Brasília, Tiradentes e Ecofalante.

Como o cineasta é um pesquisador de linguagens, o mais adequado é definir “Lavra” como um híbrido. Afinal, sua protagonista, a geógrafa Camila (interpretada pela atriz Camila Mota, do Teatro Oficina) interage, em suas andanças por Minas Gerais, com personagens reais. Depois de estada nos EUA, sendo ela uma expatriada de Governador Valadares, a moça retorna a seu Estado natal. O rio, que corta sua região, foi contaminado pelos resíduos de um dos maiores crimes ambientais brasileiros, provocado por mineradora transnacional.

Camila segue o caminho da lama que atingiu as águas, varreu povoados, custou vidas e deixou rastro de morte e destruição. Ela começa a repensar seu estilo de vida. Decide, então, empreender mapeamento dos impactos da mineração em Minas Gerais, envolvendo-se com ativistas e movimentos de resistência. Abandona o individualismo e parte para ações coletivas.

Bambozzi construiu sua narrativa com calma, ao longo dos últimos anos, no fluxo de um ‘road-movie’. Um filme que quis registrar “a perda de um mundo e a tentativa de recuperá-lo, um filme sobre pertencimento e identidade, inserido na guerra em curso entre capitalismo e a natureza”.

O Rio Doce contaminado pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, que matou 19 pessoas, fará Camila seguir o caminho da lama tóxica e deparar-se com paisagens, comunidades e moradores de Governador Valadares, Baguari, Ouro Preto, Itabira, Paracatu de Baixo, Bento Rodrigues, Serro, Conceição do Mato Dentro e do território da nação Krenak. Até que outra barragem se rompe, em Brumadinho, matando quase 300 pessoas. O que era, já, um tormento, transforma-se em tragédia. A geógrafa sente-se mais uma vez atingida e envolve-se, ainda mais organicamente, com os movimentos de resistência.

A atualidade do filme é inegável, já que o megaextrativismo ganhou, no Brasil, apoio desabrido no Governo Bolsonaro e vai além de Minas Gerais. Chega com forte impacto à Amazônia, onde série de retrocessos no campo ambiental se fazem notar e preocupam o mundo.

O trabalho de Bambozzi e sua equipe é notável. Minas Gerais, território dilacerado pela mineração, desde o ciclo do ouro (ainda no período colonial) passando pelo diamante e desaguando no ferro, além de consumir montanhas, picos e morros, consumiu o sono de Carlos Drummond de Andrade. Os poemas do artista itabirano são fonte de inspiração (e diálogo) para Bambozzi.

“Lavra” expressa, de maneira poderosa, a potência da pesquisa de linguagem quando aplicada a assunto de imensa relevância. Nos deparamos com substantiva reflexão sobre nossa natureza extrativista, o descaso com o meio ambiente, o pouco apreço pela vida dos pobres, a morosidade de nossa Justiça.

O filme tem o Quadrilátero Ferrífero de MG como espaço físico. O outrora chamado Vale do Rio Doce transformou-se no Vale do Aço, um complexo de grandes mineradoras (Samarco, Vale, PHP Billiton), que explora minérios sem descanso.

A protagonista, que é geógrafa e pesquisadora, trabalha com a força conceitual das palavras – topofilia (o estudo da percepção, atitudes e valores do meio-ambiente) e solastalgia (angústia produzida pela mudança ambiental). São vocábulos retirados de poemas de Drummond, fertilizados pelo ferro de Itabira.

Camila, em suas conversas com moradores da região abalada pela catástrofe, nos introduzirá naquele mundo em transe, sem nenhum didatismo. No campo das imagens, veremos crateras onde outrora havia montanhas, morros ou picos. A trilha do Grivo (e de Stephen Vitiello) criará ambiência sonora perturbadora, que nos levará a refletir sobre o que estamos vendo (e ouvindo). Um filme de imensa importância.

 

Lavra
Brasil, 101 minutos, 2022
Direção: Lucas Bambozzi
Argumento e roteiro: Christiane Tassis
Atriz: Camila Mota
Montagem: Fabian Remy
Música: O Grivo e Stephen Vitiello
Produtora: Trem Chic
Produtor: André Hallak
Produção executiva: Eder Santos
Estreia: 6 de outubro, em BH, SP, Rio, Aracaju, Salvador e Brasília
Distribuidora: Pandora Filmes

 

FILMOGRAFIA
Lucas Bambozzi (Matão-São Paulo, 1965)
Cineasta, artista plástico e pesquisador de novas mídias

2022 – “Lavra”
2011 – “8 ou 80-BH Underground”
2004 – “Do Outro Lado do Rio”
2001 – “O Fim do Sem Fim” (parceria com Cao Guimarães e Beto Magalhães)

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