Ecofalante reúne filmes que refletem sobre o “racismo ambiental” e as “fraturas pós-coloniais

Por Maria do Rosário Caetano

A Mostra Ecofalante chega a 39 salas de cinema e espaços culturais paulistanos, nessa quinta-feita, primeiro de junho, com 101 filmes oriundos de 39 países. Há produções inéditas como “A Invenção do Outro” (foto), de Bruno Jorge, grande vencedor do Festival de Brasília, e um núcleo histórico de tirar o fôlego. Afinal, para ele foram selecionadas produções que vão de “Etnocídio”, do mexicano Paul Leduc, a “Batalha de Argel”, do italiano Gillo Pontecorvo, passando por “A Coragem de um Povo”, do boliviano Jorge Sanjinés, “Emitaï”, do senegalês Ousmane Sembene, “Community Control”, do Newsreel Colective, até desaguar nos brasileiros Eduardo Coutinho (“Cabra Marcado para Morrer”) e Murilo Salles (“Essas São as Armas”, realizado em Moçambique).

O poderoso “A Invenção do Outro” tem tudo a ver com a temática da Ecofalante, que em sua décima-segunda edição sequencia sua proposta de festival criado para botar a boca no trombone pela Ecologia. O filme tem Bruno Pereira, assassinado algum tempo depois da realização desse épico documental, como peça-chave. E o povo Koburu como protagonista, visto em luta por seu território e pela Floresta Amazônica.

O que os outros filmes, em especial os do Núcleo Histórico, programados pelo festival paulista têm a ver com a luta ecológica?

O comando do evento, liderado pelo ativista do “cinema verde”, Chico Guariba, justifica a largueza de horizontes da Ecofalante: “nossa programação se ocupa do racismo ambiental, do pós-colonialismo, dos povos indígenas e de questões econômicas do presente”. Sem esquecer “aquelas que desafiam nosso futuro”. Daí que “nosso núcleo histórico traz o tema ‘Fraturas (pós-)Coloniais e as Lutas do Plantationoceno’”. Foram escolhidas 17 produções, “verdadeiros ícones” do cinema militante produzidos entre as décadas de 1960 e 1980.

Nesse momento em que o Brasil discute a exploração de petróleo nas águas equatoriais amazônicas, torna-se de imensa utilidade  acompanhar a exibição de “A Máquina do Petróleo”, de Emma Davie. Exibido no poderoso IDFA (o Festival Internacional de Documentários de Amsterdã), o filme chega para alertar sobre a necessidade de se buscar novos recursos energéticos, menos poluentes e, portanto, menos destruidores do planeta.

Outro título de tema explosivo: “Amor e Luta em Tempos de Capitalismo”, produção francesa, comandada pelo casal Basile Carré-Agostini (os sociólogos Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon). A dupla, conhecida por suas pesquisas de mais de cinco décadas sobre os ultrarricos, situou o filme no auge do movimento dos Coletes Amarelos.

Polêmico, também, é “Davi e Golias: O Caso de Dewayne Johnson Contra Monsanto”, que acompanha a história de um jardineiro em sua luta por justiça contra a gigante agroquímica Monsanto, fabricante de herbicida acusado de cancerígeno.

A Ecofalante tem crescido de tal forma em seu alcance temático, que vem apresentando, inclusive, filmes raros, resgatados do esquecimento. Caso de três produções de realizadoras oriundas da África (“Eu, sua Mãe”, de Safi Faye, recém-falecida, e “A Zerda e os Cantos do Esquecimento”, da poeta e escritora argelina Assia Djebar) e da América Latina (“Nossa Voz de Terra, Memória e Futuro”, da colombiana Marta Rodríguez, em parceria com Jorge Silva). Outra obra restaurada – “I Heard It Through the Grapevine”, documentário de Dick Fontaine – resgata parte da trajetória e militância black do escritor James Baldwin.

 

Mostra Ecofalante de Cinema 2023 – Ano 12 (Mostra de Cinema Ecológico de São Paulo)
Data: 1º a 14 de junho
Local: em 39 espaços culturais paulistanos (incluindo os cinemas Espaço Itaú Augusta, Centro Cultural São Paulo e Galeria Olido)
Programação: obras premiadas nos festivais de Cannes, Berlim, Cinéma du Réel, Tribeca e CPH:DOX, ao lado de títulos selecionados para Roterdã, Toronto, Sundance, Hot Docs, Locarno e IDFA-Amsterdã, que se somam ao Núcleo Histórico e sessão infantil
Núcleo reflexivo: debates sobre racismo ambiental, futuro da energia, desmatamento e economia, masterclass com o pensador martiniquês Malcolm Ferdinand sobre “Ecologia Decolonial” e oficina com Jorge Bodanzky (“A Prática do Cinema Ambiental”)
Entrada Gratuita para todas as atividades

DESTAQUES DA PROGRAMAÇÃO

Panorama Internacional Contemporâneo (27 filmes de 26 países):

. “O Sonho Americano e Outros Contos de Fadas”, de Abigail Disney, neta de Walt Disney (codirigido por Kathleen Hughes) – Abigail Disney é ativista social. Nesse documentário, ela aborda a profunda crise de desigualdade nos EUA, usando o legado de sua família como um estudo de caso para explorar criticamente a intersecção entre racismo, poder corporativo e o sonho americano.

. “Uma História de Ossos”, registro da luta de consultora africana para dar um fim digno aos restos mortais de mais de oito mil ‘africanos libertos’, descobertos durante a construção de um aeroporto na remota ilha de Santa Helena.

. “Xaraasi Xanne (Vozes Cruzadas)”, documentário de arquivo que lança luz sobre a violência da agricultura colonial no continente africano, premiado no Festival Cinéma du Réel, na Suíça.

. “A Apropriação”, de Gabriela Cowperthwaite, revela os esforços secretos de governos e multinacionais para controlar comida e água no mundo.

. “O Retorno da Inflação, de Matthias Heeder, diretor do premiado “Pre-Crime” (2017). Nesse novo filme, ele discute os mecanismos que contribuíram para o retorno da inflação que atualmente atinge o mundo com força total e como pessoas de diferentes meios sociais reagem a ela.

. “Filhos do Katrina”, longa-metragem que discute racismo ambiental a partir das consequências do furacão Katrina

. “Duas Vezes Colonizada”, sobre o ativismo de uma defensora dos direitos humanos inuíte no parlamento europeu

. “Recursos”, exibido no Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA)

. “O Último Refúgio”, premiado no IDFA e no CPH:DOX, o filme registra um abrigo temporário de migrantes na África

. “A Máquina do Petróleo”, filme britânico de Emma Davies.

. “Deep Rising: A Última Fronteira” revela as intrigas em torno da obtenção de recursos naturais no solo dos oceanos.

. “Amor e Luta em Tempos de Capitalismo”, de Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon

Estreias mundiais:

. “Cinzas da Floresta”, de André D’Elia, registra expedição com o ativista Mundano que percorreu mais de 10 mil Km por quatro grandes biomas: Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica como o objetivo de produzir cartela em tons de cinza a partir do carvão e das cinzas de restos de árvores e de animais carbonizados. Com esse material, foi pintado painel a partir da famosa obra modernista do artista plástico Candido Portinari (1903-1962) “O Lavrador de Café”.

. “Escute, A Terra Foi Rasgada”, de Fred Rahal Mauro (de “BR Acima de Tudo”) e Cassandra Mello, registra o acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no qual lideranças dos povos Mebêngôkre (Kayapó), Munduruku e Yanomami se uniram para escrever uma carta-manifesto em repúdio à atividade garimpeira. Com presença confirmada das lideranças indígenas da “Aliança em Defesa dos Territórios”: Davi Kopenawa, Beka Munduruku e Maial Kayapó.

. “Parceiros da Floresta”, de Fred Rahal Mauro, percorre três continentes evidenciando casos de parcerias entre setores privado, público e comunidades locais que geram soluções para a proteção e restauração de florestas tropicais globais aliando tecnologia, negócios e conhecimento tradicional para gerar benefícios verdadeiramente compartilhados.

Mostra Povos indígenas e Seus Territórios:
33 produções selecionadas para a Competição Latino-Americana, por discutir racismo, migração e trabalho. Destaques:

. “A Invenção do Outro”, de Bruno Jorge, o documentário registra a jornada pela Amazônia, em busca de um primeiro contato com grupo de indígenas isolados da etnia dos Korubo.

. “Amazônia, A Nova Minamata?”, de Jorge Bodanzky. O co-diretor de “Iracema – Uma Transa Amazônica”acompanha a saga do povo Munduruku para conter o impacto destrutivo do garimpo de ouro em seu território ancestral, enquanto revela como a doença de Minamata, decorrente da contaminação por mercúrio, ameaça os habitantes de toda a Amazônia hoje.

. “Mamá” (México), obra de cunho intimista do realizador de descendência maia Xun Sero relata como, sendo mexicano tzotzil, cresceu cercado pela sacralidade da Virgem de Guadalupe e da Mãe Terra – e sendo ridicularizado por não ter pai.

. “Odisseia Amazônica”, de Terje Toomistu, AlvaroSarmiento e Diego Sarmiento (Peru) – Testemunho sobre o trabalho feito nos barcos que constituem o principal meio de transporte de mercadorias e pessoas no rio Amazonas.

* “A Ferrugem” (Colômbia) – Juan Sebastian Mesa

* “A Praia dos Enchaquirados” (Equador) – Ivan Mora Manzano

* “Aqui en la Frontera” (Brasil) – Marcela Ulhoa e Daniel Tancredi

* “Deuses do México” (México/EUA) – Helmut Dosantos

* “Mamá” (México) – Xun Sero

* “Odisseia Amazônica” (Peru) – Terje Toomistu, Alvaro Sarmiento e Diego Sarmiento

* “Diálogos com Ruth de Souza” (Brasil) – Juliana Vicente

* “Exu e o Universo” (Brasil) – Thiago Zanato

* “No Vazio do Ar” (Brasil) – Priscilla Brasil

* “Perlimps” (Brasil) – Alê Abreu

* “Vento na Fronteira” (Brasil) – Laura Faerman e Marina Weis

CURTAS-METRAGENS:

* “A Febre da Mata” (Brasil) – Takumã Kuikuro

* “Aribada” (Colômbia/Alemanha) – Simon(e) Jaikiriuma Paetau e Natalia Escobar

* “Chão de Fábrica” (Brasil) – Nina Kopko

* “Entre a Colônia e as Estrelas” (Brasil) – Lorran Dias

* “Estrelas do Deserto” (Chile) – Katherina Harder Sacre

* “Fantasma Neon” (Brasil) – Leonardo Martinelli

* “Fantasmagoria” (Chile/França/Suíça) – Juan Francisco González

* “Fogo no Mar” (Argentina) – Sebastián Zanzottera

* “Infantaria” (Brasil-AL, 2022, 24 min) – Laís Santos Araújo

* “Levante pela Terra” (Brasil) – Marcelo Cuhexê

* “Mãri hi – A Árvore do Sonho” (Brasil) – Morzaniel Ɨramari

* “Paulo Galo: Mil Faces de um Homem Leal”(Brasil) – Felipe Larozza e Iuri Salles

* “Quem de Direito” (Brasil) – Ana Galizia

* “SOLMATALUA” (Brasil) – Rodrigo Ribeiro-Andrade

* “Tekoha” (Brasil) – Carlos Adriano

* “Terremoto” (Brasil) – Gabriel Martins

* “Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando”(Brasil) – Aida Harika Yanomami, Edmar Tokorino Yanomami e Roseane Yariana Yanomami

* “Um Tempo para Mim” (Brasil) – Paola Mallmann

* “XAR – Sonho de Obsidiana” (Brasil) – Fernando Pereira dos Santos e Edgar Calel

* “Xixiá – Mestre dos Cânticos Fulni-ô” (Brasil) – Hugo Fulni-ô

Mostra Histórica “Fraturas (pós-)coloniais e as Lutas do Plantationoceno”:

. “A Batalha de Argel” – versão restaurada em 4K (pela Cinemateca de Bolonha e Instituto Luce Cinecittà) do mais famoso dos longas de Pontecorvo. Banido por muitos anos na França e proibido no Brasil da época da ditadura militar,  a trama se situa na capital argelina, nos anos 1950, quando o medo e a violência aumentam à medida que o povo luta pela independência do jugo francês. O filme de Gillo Pontecorvo (1919-2006), foi indicado ao Oscar de produção estrangeira, direção e roteiro. Produção argelino-italiana vencedora do Festival de Veneza (melhor filme e o Prêmio Fipresci- Crítica Internacional)

. “I Heard It through the Grapevine” (1981), documentário de Dick Fontaine estrelado por James Baldwin, em que o escritor viaja pelos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que faz um balanço das lutas pelos direitos civis e melhora das condições de vida das comunidades negras em seu país. Recém restaurada pelo Harvard Film Archive.

. “Etnocídio: Notas Sobre El Mesquital” – A aculturação de uma minoria mexicana inspirou o cineasta Paul Leduc (de “Frida; Natureza Viva”) a realizar este documentário crítico e irônico.

. “Emitaï” – O filme africano traz as marcas do cinema político de seu diretor, o senegalês Ousmane Sembène.

. Três filmes dirigidos por mulheres e restaurados pelo Instituto Arsenal, de Berlim:

. “Eu, Sua Mãe”(Senegal/Alemanha, 1980), da recém falecida pioneira do cinema senegalês e africano Safi Faye.

. “Nossa Voz de Terra, Memória e Futuro”(Colômbia, 1982), de Marta Rodríguez e Jorge Silva

. “A Zerda e os Cantos do Esquecimento” (Argélia, 1982), um dos dois filmes dirigidos pela poeta e escritora argelina Assia Djebar. Tido como desaparecido, ele foi redescoberto graças a cópia única, encontrada nos arquivos do Arsenal.

. “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho. Marco do documentarismo brasileiro, o filme acompanha a trajetória de Elizabeth Teixeira e sua família. Ela viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, viveu por 20 anos, durante a ditadura militar brasileira, como lavadeira anônima.

. “Essas São as Armas” – Documentário de média-metragem, realizado pelo cineasta e diretor de fotografia Murilo Salles, quando ele, em meados da década de 1970, foi atuar no Instituto Nacional de Cinema Moçambicano, insituído pela Frelimo de Samora Machel. O brasileiro documentou a luta dos revolucionários da nação africana, dispostos a tudo para manter as conquistas advindas da guerra de libertação contra o colonialismo português.

SESSÃO ESPECIAL:

. “Mulheres na Conservação”, dirigido pela jornalista Paulina Chamorro e pelo fotógrafo João Marcos Rosa. O documentário, desenvolvido a partir da websérie homônima, mostra na prática o trabalho realizado por sete mulheres que lutam pela conservação da biodiversidade no país e que são referência em suas áreas de atuação.

COMPETIÇÃO CURTA UNIVERSITÁRIOS:

Com 18 curtas-metragens realizados em universidades e cursos audiovisuais vindos da Bahia, Ceará, Maranhão, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo.

PASSEIO VIRTUAL:

 “Amazônia Viva”, de Estêvão Ciavatta (de “Amazônia Sociedade Anônima”, exibido na 9ª Mostra Ecofalante de Cinema). Trata-se de documentário no qual a cacica Raquel Tupinambá, da comunidade de Surucuá (Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, no Pará), guia o espectador em uma viagem pelo rio Tapajós, em um passeio virtual em 360º.

Sessão infantil:

. “A Viagem do Príncipe”, longa-metragem de Jean-François Laguionie e Xavier Picard (França), obra exibida nos festivais de Locarno, Roterdã, BFI Londres e na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

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