“Marte Um”, “Kobra”, “Pluft” e “Tarsilinha” triunfam na Noite do Troféu Grande Otelo

Foto: Equipe de “Marte Um”, eleito o melhor longa de ficção © Rogerio Resende

Por Maria do Rosário Caetano

O longa mineiro “Marte Um”, de Gabriel Martins, foi o grande vencedor do Troféu Grande Otelo, prêmio anual da Academia Brasileira de Cinema e Artes Visuais. A produção assinada pela Filmes de Plástico, de Contagem, triunfou em oito categorias, incluindo as mais importantes do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (melhor ficção, diretor, ator e roteiro original).

Os outros grandes vencedores da noite foram “Kobra Auto-Retrato”, de Lina Chamie (longa documental), “Pluft, o Fantasminha”, de Rosane Svartman, como melhor filme infanto-juvenil, e “Tarsilinha”, de Katunda e Mistrorigo, melhor animação.

Esses filmes são ótimos e mereciam plateia bem maior que a que alcançaram. “Pluft” passou dos 100 mil ingressos, mas tem qualidades e apelo para estar na casa dos milhões. “Tarsilinha” se aproximou dos 20 mil, mas poderia ter chegado à casa do meio milhão. “Kobra”, um artista que encanta olhos brasileiros e estrangeiros, merecia vender pelo menos 100 mil ingressos (não passou de 15 mil). O vencedor “Marte Um”, sim, chegou perto dos 100 mil tíquetes, um feito para longa-metragem protagonizado por atores periféricos e pretos.

Por falar em periferia e negritude, vale lembrar que a cerimônia dos “Otelo” (ele mesmo o maior ator black de nossa história audiovisual) deu destaque – nas palavras do “preto-periférico” Sílvio Guindane – aos LGBTQIAPN+, aos indígenas, mulheres, pretos e à periferia. Mas o ator Carlos Francisco, laureado por  “Marte Um”, fez questão de lembrar, enfaticamente, “os quilombolas”.

A festa de premiação, transmitida ao vivo pelo Canal Brasil, adotou a triste e monótona “cor azul TV” e foi longa demais (três horas e 20 minutos). Longa a ponto do grande vencedor, Gabriel Martins, e do roteirista laureado Ângelo Defanti (“Clube dos Anjos”) reclamarem, no palco da Cidade das Artes-Rio, de “fome e sede”. Defanti poderia, até estar tirando sarro, pois seu filme tem um banquete pantagruélico, engendrado por Luís Fernando Veríssimo, como razão de ser. Mas parece que ele estava mesmo com fome.

O tom “azul TV” da festa teria sido uma homenagem intencional ao centenário da Portela?

Ao subir ao palco, a azul e branco de Madureira até que tentou injetar vibração e alegria no ambiente, mas a maioria dos convidados, passada da meia-noite, já havia deixado o auditório. Decerto em busca de água e alimentos.

A diretora Lina Chamie, de “Kobra Auto-Retrato”, eleito o melhor longa documental © Rogerio Resende

Os apresentadores Cláudia Abreu, atriz, e Sílvio Guindane, ator e diretor, cumpriram bem seus papéis. Ele até se atreveu no figurino, com um smoking puxado para o grená. Ela, elegante e discreta, vestiu preto e azul petróleo. Sobre fundo preto, o destaque de seu figurino deixou a desejar. Tons quentes – vermelho, laranja, rosa – praticamente inexistiram. A combinação verde-e-rosa, nem pensar. Um torcedor da Mangueira, escola de 95 anos,  não teria tido a instigante ideia de saudar a centenária Portela com as cores vibrantes de sua maior rival?

A Academia de Cinema recorreu a solução de grande eficiência para encurtar a cerimônia. Não chamou autoridades ou artistas para entregar prêmios. Se tivesse apelado a tal recurso, como faz o Festival de Gramado, a cerimônia teria durado cinco horas. E, por sorte, nenhum dos laureados fez jus ao “Troféu Homem da Cobra”. Ou seja, foi acometido de verborragia incontrolável.

Os discursos de agradecimento variaram do sintético ao razoavelmente comedido. O melhor deles veio do curta-metragista Carlos Segundo, de “Big Bang”, que num show de síntese, lembrou que recebia ali “o Troféu Grande Otelo para um filme realizado em sua terra natal, Uberlândia”. O menino Sebastião Prata, o Pratinha, gênio de nosso cinema, teatro e TV, merecia essa lembrança. E o diretor de “Big Bang”, que se fez acompanhar de seu protagonista, Giovanni  Venturini, brilhou com frase de montadores-faca: “Onde querem corte/ seremos plano contínuo”. Graciliano Ramos e João Cabral, se vivos fossem, aplaudiriam.

Os homenageados Vladimir Carvalho (pela trajetória e dedicação exclusiva ao cinema documentário) e Amir Labaki (por ter feito do Festival é Tudo É Verdade uma vitrine do cinema documental) se estenderam um pouco mais, mas sem grandes excessos.

O que parece colado feito tatuagem nos discursos de agradecimento brasileiros é a citação de parentes e integrantes da equipe. Se os “agradecedores” soubessem como tal prática resulta monótona para o espectador, fariam discursos-faca como o de Carlos Segundo. E, se optassem por narrativas dignas de figurar em antologias, que seguissem o modelo Antonio Banderas, em festa realizado em sua Málaga natal, anos atrás, na entrega dos Prêmios Platino. O ator manchego levou texto escrito. E o burilou com metáforas e toques políticos potentes. Tudo com muita concisão. Foi aplaudido de pé por mais de três mil pessoas.

Alguns dos premiados da “Noite dos Otelo” defenderam a Cota de Tela (reserva de certo número de dias para exibição de filmes brasileiros nos cinemas – a decisão depende do Parlamento). Mas a política entrou como coadjuvante na cerimônia. Ouvimos mais nomes de parentes e integrantes de equipes, que reivindicações fertilizadoras de ideias capazes de trazer o público de volta aos cinemas (para ver filmes brasileiros). A situação é desesperadora. O longa-metragem “Tempos de Barbárie – Terapia da Vingança”, protagonizado por Claudia Abreu e dirigido por Marcos Bernstein, vendeu míseros 1.778 ingressos em quatro dias. E trata-se de grande produção, que inaugura ambiciosa “Trilogia da Violência”, mal que toma conta das ruas do país.

Coube a uma jovem argentina – não-identificada na transmissão televisiva – representante de um “Darín movie” (“Argentina, 1985”) eleito a melhor produção ibero-americana, trazer recado político à cerimônia: “a extrema-direita (cujo candidato a imprensa brasileira prefere chamar de “libertário”) avança em meu país. Estamos lutando contra isso”. E ergueu o braço esquerdo, depois de agradecer “às organizações de Direitos Humanos que tanto ajudaram na criação do filme”.

A homenagem aos que se foram (artistas e técnicos do audiovisual mortos nos últimos 12 meses) teve como fundo musical a composição “A Paz”, de João Donato, um dos evocados com imagem e nome. E foram muitos: Zé Celso, Léa Garcia, Aracy Balabanian, Aderbal Freire Filho, Dóris Monteiro, Rita Lee, Pelé, Sergio Muniz, Juca Chaves, Mário César Camargo, Rolando Boldrin…

Por fim, há que se lutar para que o prêmio anual da Academia seja entregue nos primeiros meses do ano, como o Oscar, o Goya, o Bafta, o César e o Davi di Donatello, e não dias depois da badalada festa do Festival de Gramado, no segundo semestre. Como o festival gaúcho premia filmes inéditos e sabe encher de cores o seu palco, a entrega do “Otelo” a produções lançadas em datas já esquecidas, acaba dando à cerimônia um inevitável clima dejà-vu. Vide os parcos aplausos dirigidos aos laureados pelo GO Brasil. Aliás, só dava para os espectadores perceberem tais reações quando a plateia estava iluminada (muitas vezes ela foi mostrada no breu).

Confira os vencedores:

LONGA-METRAGEM

. “Marte Um”, de Gabriel Martins (MG) – melhor filme, direção, ator (Carlos Francisco), ator coadjuvante (Cícero Lucas), roteiro original (Gabriel Martins), fotografia (Leonardo Feliciano), montagem (Thiago Ricarte e Gabriel Martins), som ( Marcos Lopes e Thiago Bello)

. “Kobra Auto-Retrato”, de Lina Chamie (SP): melhor longa documental

. “Pluft, o Fantasminha”, de Rosane Svartman (RJ): melhor filme infanto-juvenil, efeitos visuais (Sandro Di Segni)

. “ Tarsilinha”, de Célia Katunda e Kiko Mistrorigo (SP): melhor filme de animação

. “A Viagem de Pedro”, de Laís Bodanzky (SP-RJ-Portugal): melhor direção de arte (Adrian Cooper), figurino (Marjorie Gueller, Joana Porto e Patrícia Dória), maquiagem (Tayce Vale e Blue)

. “Pureza”, de Renato Barbieri (DF): melhor atriz (Dira Paes)

. “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos (RJ): melhor atriz coadjuvante (Adriana Esteves)

. “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio (RJ-DF): melhor trilha sonora (Pedro Guedes, Fabiano Krieger e Lucas Marcier)

. “Carvão”, de Carolina Markowicz (SP): melhor filme de diretor estreante

. “Clube dos Anjos”, de Ângelo Defanti (RJ): melhor roteiro adaptado (a partir de obra homônima de Luis Fernando Verissimo)

. “Bem-Vindos a Quixeramobim”, de Halder Gomes (SP-CE): Júri Popular

. “Argentina, 1985”, de Santiago Mitre (Argentina) – melhor filme ibero-americano

. “Elvis”, de Baz Luhrman (EUA): melhor filme internacional

CURTA-METRAGEM

. “Big Bang”, de Carlos Segundo (MG): melhor ficção

. “Território Pequi” (Alto Xingu): de Tarumã Kuikuro: melhor documentário

. “A Menina Atrás do Espelho”, de Iuri Moreno (GO): melhor animação

SÉRIES DE TV

. “Manhãs de Setembro”, de Luiz Pinheiro e Dainara Toffolli, produção da O2 (SP): melhor série ficcional

. “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniela Pérez”, de Tatiana Issa e Guto Barra, produção HBO (RJ): melhor série documental

. “Vamos Brincar com a Turma da Mônica”, de Maurício de Souza e Fabiano Pandolfi (SP): melhor série de animação

HOMENAGENS

. Vladimir Carvalho, por sua trajetória no documentário brasileiro, e Amir Labaki, por fazer do Festival É Tudo Verdade uma grande vitrine para o documentário brasileiro

3 thoughts on ““Marte Um”, “Kobra”, “Pluft” e “Tarsilinha” triunfam na Noite do Troféu Grande Otelo

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  • 25 de agosto de 2023 em 12:25
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    Magnífica cobertura, Rô Caetano, além de vívida, cheia de dicas boas para todos, parabéns!

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  • 25 de agosto de 2023 em 12:58
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    “Por fim, há que se lutar para que o prêmio anual da Academia seja entregue nos primeiros meses do ano, como o Oscar, o Goya, o Bafta, o César e o Davi di Donatello, e não dias depois da badalada festa do Festival de Gramado, no segundo semestre. Como o festival gaúcho premia filmes inéditos e sabe encher de cores o seu palco, a entrega do “Otelo” a produções lançadas em datas já esquecidas, acaba dando à cerimônia um inevitável clima dejà-vu.”
    Já falaram (e falamos isso) muitas vezes. Jacaré ouviu? Nem eles – não sei se por teimosia ou incompetência para organizar o evento no início do ano…

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