”Minha Irmã e Eu” e “Mamonas Assassinas” prometem revigorar bilheterias brasileiras
Por Maria do Rosário Caetano
“Minha Irmã e Eu” (foto acima), de Susana Garcia, e “Mamonas Assassinas”, de Edson Spinello, chegaram aos cinemas no apagar das luzes de 2023. Estrearam em mais de 600 cinemas, cada um, a quatro dias do término desse ano que o cinema brasileiro quer esquecer.
Os dois filmes, ambos escorados no humor, conseguiram o que parecia impossível: tirar o público (brasileiro) de casa para ver filme (brasileiro).
Até o dia da estreia dos dois longas-metragens, 28 de dezembro, esse privilégio fôra exclusividade do cinema norte-americano. De “Barbie”, “Oppenheimer” e filmes de super-heróis, mesmo que estes pareçam dar alguns sinais de cansaço (do público, não deles, que continuam salvando o mundo da cobiça dos mais terríveis vilões).
O desempenho das “Irmãs” e dos “Mamonas” não salvará o ano do cinema brasileiro. 140 mil espectadores foram assistir, num só dia (o da estreia), o musical maluquete dos rapazes de Guarulhos e a comédia das hilárias manas goianas.
No final de semana, o do Réveillon, os dados registrados pelo Boletim Filme B, publicação editada pelo cineasta e produtor Paulo Sérgio Almeida, confirmaram os sinais de esperança. 301 mil ingressos foram vendidos em quatro dias (e em pré-estreias pagas) pela simpática e feminista saga de duas irmãs, que vivem brigando, embora se amem.
Na trama, um problema – o desaparecimento da mãe delas, vivida por Arlete Salles – as obriga a sair Goiás adentro, num utilitário, de carona ou numa carroça, em busca da genitora. Um road movie caipira, com excelente manufatura técnica, roteiro bem construído, duas protagonistas engraçadas (Ingrid Guimarães e Tatá Werneck) e peão sedutor e ‘objetificado’ por essa narrativa sustentada por três mulheres. Estas são as principais qualidades de “Minha Irmã e Eu” que poderá, quem sabe, chegar ao sonhado milhão de espectadores.
Afinal, o filme de Susana Garcia estreou em 610 cinemas e fez média de 302 ingressos em cada uma delas. Nada mal se comparado ao blockbuster da temporada, “Aquaman 2”, que em sua terceira semana em cartaz, ocupa 735 salas e tem média de 536 espectadores (dados do Boletim Filme B). O super-herói das águas deve ter custado mais de 200 milhões de dólares. O filme das manas goianas não deve ter consumido dois milhões de dólares.
“Mamonas Assassinas”, o musical da banda cômico-bagaceira de Guarulhos, teve em seu primeiro dia de exibição, mais público que “Minha Irmã e Eu”. O placar cravou quase 80 mil ingressos para a turma da Brasília Amarela, e pouco mais de 60 mil para as moças de Rio Verde. Mas, nos dias que se seguiram, os números passaram a favorecer a comédia feminista.
O Boletim Filme B demonstra que “Minha Irmã e Eu” fez bonito, em especial, no Rio de Janeiro. Os meninos de Guarulhos – que viveram apenas oito meses de sucesso (o avião que os trazia a São Paulo acidentou-se e todos vieram a óbito num domingo de 1996) – lotaram, claro, os cinemas do município que os viu nascer, crescer, formar a banda Utopia, buscar um lugar ao sol com rock progressivo e estourar com anárquico e juvenil besteirol.
Os dados dos quatro primeiros dias do filme dos “Mamonas” são, também, animadores. Mesmo que a narrativa de Spinello e Lombardi (diretor e roteirista) se sustente em roteiro simplificado e impregnado por obsessiva autoajuda, o filme estreou em 672 salas e fez média de 261 espectadores. Não é muito, mas em tempos tão difíceis para a produção nacional, sinaliza luz no fim do túnel.
2023, mesmo com o sucesso relativo das “Irmãs goianas” e dos “Rapazes de Guarulhos”, será um ano terrível nessa etapa da luta dos cineastas brasileiros pela conquista de seu público. O Boletim Filme B calcula que o market share da produção nacional não passará de 2% (em 2003, portanto, 20 anos atrás, chegamos a 21%). Até as diversas categorias profissionais reunidas em Brasília, na segunda semana de dezembro, pelo Congresso Brasileiro do Cinema e do Audiovisual foram modestas em seu documento final. Arriscaram ocupação de menos de 3% do mercado interno.
Dados piores só os apresentados na Era Collor, quando a produção brasileira caiu para mísero 0,1% no market share. Isto porque os mecanismos de fomento foram desmantelados e a produção se viu reduzida a cinco ou seis longas-metragens por ano. Só um ou outro chegava (incógnito, claro) aos cinemas.
A pandemia e o Governo Bolsonaro causaram imenso estrago ao audiovisual brasileiro. Mas a produção se manteve em números relevantes: mais de 100 longas ficcionais e documentais por ano. Só não havia espaço para exibi-los. Quando um título nacional conseguia acesso às telas, acabava restrito aos horários vespertinos. Aqueles próximos do horário de almoço.
Os “Mamonas” e as “Irmãs” conseguiram horários nobres e cheios. Ou seja, vespertinos e noturnos. Mas seus dados só serão computados no market share de 2024. O Boletim Filme B e organismos que tabelam bilheterias não costumam agregar a última semana do ano em seus cálculos.
Da soma da bilheteria auferida pela produção nacional em 2023, chegamos a dado aterrador: foram vendidos menos de 3 milhões de ingressos (3.500.000 se agregarmos “Irmãs” e “Mamonas”). Ou seja, menos de um terço do maior sucesso do cinema brasileiro contemporâneo – “Minha Mãe é Uma Peça 3”, protagonizado pelo saudoso Paulo Gustavo (1978-2021), que ultrapassou, sozinho, os 11 milhões de ingressos.
Nesse ano, que foi melhor que o último da gestão Bolsonaro, nenhum filme brasileiro chegou a um milhão de espectadores. E só um ultrapassou a barreira do meio milhão – “Nosso Sonho – A História de Claudinho & Buchecha”, de Eduardo Albergaria, melodrama banhado em funk melody (ver tabela).
Em segundo lugar despontou um filme infantil, “Os Aventureiros – A Origem”, estrelado pelo youtuber Luccas Neto. Mas, mesmo com este relativo sucesso, o cinema para crianças não aconteceu em 2023. Até a outrora “Rainha dos Baixinhos”, Xuxa Meneghell, conheceu seu maior (único?) fracasso – “Uma Fada Veio me Visitar” vendeu apenas 60 mil ingressos. Para termo de comparação: “Lua de Cristal” (Tizuka Yamasaki, 1990), realizado na era de ouro da apresentadora, vendeu mais de 4 milhões de tíquetes.
Bem na fita, mesmo que em termos relativos, esteve a música brasileira e seus artífices. O terceiro lugar ficou com “Mussum, o Filmis”, de Silvio Guindane, embalado por muito samba, já que o humorista era louco por agremiações carnavalescas (a Mangueira em especial) e integrante do conjunto Os Originais do Samba. Outra cinebiografia musical – “Meu Nome é Gal”, de Lô Politi e Dandara Ferreira — ocupou o sexto lugar.
Para provar que a música brasileira segue em alta, não podemos esquecer o sucesso de “Elis & Tom – Só Tinha que Ser com Você”, documentário de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay, que permaneceu em cartaz por mais de dois meses. E fez dez vezes mais público que dezenas de ficções, estacionadas entre míseros dois mil e cinco mil espectadores.
Há que se notar que protagonistas negros brilharam em significativas bilheterias brasileiras do ano de 2023. Caso de Claudinho & Buchecha, Mussum e de Roque Brasil, o personagem de Lázaro Ramos em “Ó Paí Ó 2”, este dirigido por Viviane Ferreira e produzido por Monique Gardenberg, criadora da primeira recriação de badalado espetáculo do Bando de Teatro Olodum. E, no frigir dos ovos, “Ó Paí Ó 2” pode ser definido como um filmusical. Roque é cantor e o Pelourinho baiano, palco de múltiplas vozes e de danças aliciantes.
No campo do thriller eletrizante, o cinema brasileiro teve o que mostrar: “O Sequestro do Vôo 375”, de Marcus Baldini, tinha tudo para conquistar robusta bilheteria – ação, virtuosismo técnico, diálogo com o cinemão hollywoodiano e formidável elenco (destaque para Danilo Grangeia, Jorge Paz, Roberta Gualda e César Mello). Mas, lançado já próximo ao Natal, acabou estacionado em 200 mil espectadores.
Dois documentários, além de “Elis & Tom”, provaram que o gênero tem força. Tanto que o mais visto deles, o pernambucano “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça, o escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para disputar vaga no Oscar (ainda não foi desse vez!), vendeu 85 mil ingressos. Registre-se, aqui, que Kleber faz cinema de empenho artístico e de diálogo com o público. Relembremos seu histórico – “O Som ao Redor” (95 mil espectadores), “Aquarius” (350 mil), e “Bacurau”, parceria com Juliano Dornelles (900 mil).
Outro documentário que buscou, sem alarde, seu público, foi “Muco, Contradição na Tradição”, de Oberom. O filme foi visto por 15 mil espectadores. Atingiu, claro, público interessado “nos primeiros princípios éticos do Yoga (Yamas)”. Esta fatia de espectadores quis acompanhar, numa tela grande, “a saga de dois irmãos que viajam à Índia com o objetivo de melhor entender as implicações que esta prática milenar tem em nossa sociedade”.
Quem consulta, semanalmente, os dados tabulados pelo Boletim Filme B, ficou, decerto, espantado com a bilheteria do obscuro “Muleque Té Doido 4 – Morreu Maria Preá”. Pelo pouco que se sabe, o filme, que vendeu 21 mil ingressos, é uma produção maranhense, já em sua sequência de número 4. E tem nos conterrâneos seu público mais fiel. Já o descolado “Tire 5 Cartas”, de Diego Freitas, também maranhense (em parceria com cariocas) e com Lilia Cabral brilhando no elenco, não vingou. Feito para ser um “cult afetivo”, empacou nas estatísticas. Não chegou a 10 mil espectadores. Registre-se que merecia maior sucesso, por sua ingênua e vibrante alegria.
O drama criminal “Ângela”, de Hugo Prata, exibido no Festival de Gramado, prometia um bom diálogo com o público. Mas ele não veio. A “Pantera de Minas”, interpretada por Isis Valverde, não chegou a 30 mil espectadores.
Com o adiamento do lançamento de “Nosso Lar 2”, de Wagner Assis, para 2024, o filão espírita reduziu-se a “Ninguém é de Ninguém”, baseado em obra de Zíbia Gasparetto, que vendeu 135 mil ingressos.
No campo da animação brasileira, e mesmo reduzido a horários vespertinos, um filme chamou atenção: o mineiro “Chef Jack, o Cozinheiro Aventureiro”, de Guilherme Fiuza Zenha. Dedicado ao filão culinário (e a viagens a lugares exóticos), o filme vendeu 51 mil ingressos.
A maior decepção do ano foi “Tempos de Barbárie – Ato 1: Terapia da Vinganca”, de Marcus Bernstein. Concebido como série de atos, já que este trazia o número 1, o filme foi arremessado no circuito exibidor. Apesar de contar com elenco reconhecido (Cláudia Abreu, Alexandre Borges, Julia Lemmertz, César Mello, Adriano Garib), o longa bernsteiniano era (e continuou sendo) totalmente desconhecido. Com tantas palavras em seu elástico título, nem assim produtor-diretor-e-equipe disseram a que vinham. Uma superprodução exibida para cadeiras vazias.
OS MAIS VISTOS:
. “Nosso Sonho” ………………………………… 520.000
. “Aventureiros – A Origem”………………….
. “Mussum, o Filmis”…………………..
. “O Sequestro do Vôo 375”………………….
. “Ó Paí Ó 2”……………………….
. “Meu Nome é Gal”……………………..
. “Desapega!”……………….
. “Ninguém é de Ninguém”……………………
. “As Aventuras de Poliana”…………………..
. “Retratos Fantasmas”………………..
. “Elis & Tom”………………………………………..76.000
. “Perdida”…………………
. “Uma Fada Veio me Visitar”………………….
. “Chef Jack, o Cozinheiro Aventureiro”……52.000
. “Nas Ondas da Fé”………………………….
. “Tá Escrito”………………….
. “Ângela”………………….
. “O Porteiro”…………………
. “Muleque Té Doido 4”…………………………..21.000
. “Muco, Contradição e Tradição”…………….15.000
. “Tia Virgínia”…………………