O espanhol “O Bom Patrão” e o brasileiro “A Última Floresta” triunfam na festa dos Prêmios Platino

Por Maria do Rosário Caetano

Os espanhóis Fernando León de Aranoa e Javier Bardem, diretor e protagonista da comédia dramático-laboral “O Bom Patrão”, e o drama político “Maxibel” derrotaram Pedro Almodóvar e Penélope Cruz, do belo e politizado melodrama “Madres Paralelas” na noite dos Prêmios Platino.

Como ocorrera na cerimônia dos Goya, a atriz Blanca Portillo, protagonista de mobilizadora narrativa sobre o grupo separatista basco (ETA) em “Maxibel”, derrotou Penélope, sublime no papel de uma “madre paralela” no filme almodovariano. A atriz, que é mulher de Javier Bardem, e o cineasta manchego nem compareceram à festa do cinema ibero-americano, realizada em Madri.

“O Bom Patrão” sagrou-se, como era esperado, o grande vencedor, com quatro dos principais troféus da noite – melhor filme, direção e roteiro (ambos de Fernando León Aranoa) e ator (Bardem). “Madres Paralelas” ganhou três estatuetas – melhor atriz coadjuvante (Aitana Sanches-Gijón), trilha sonora (Alberto Iglesias) e direção de arte (Antxón Gómez).

O Brasil conquistou dois Prêmios Platino: melhor documentário, para “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi, que escreveu o roteiro com Davi Kopenawa, do povo Yanomami, e melhor montagem, para Germano de Oliveira, de “7 Prisioneiros” (direção de Alex Morato e produção de Fernando Meirelles, para a Netflix).

A grande homenageada da politizada noite dos Prêmios Platino foi a atriz Carmen Maura, de 76 anos. Ela fez o discurso mais amoroso da noite. Aplaudida de pé, e calorosamente, avisou aos que a ovacionavam: se não parassem de festejá-la, acabaria chorando. Lembrou sua condição de madrilenha, que amava sua cidade e sentia imenso prazer em receber visitantes. Estava, portanto, feliz em receber convidados de todo o mundo ibérico na bela capital espanhola. E —“fato que poucos sabiam” — ela trabalhara no Brasil (com Miguel Falabella, em “Veneza), no México, na Costa Rica, na Argentina, no Chile, enfim, em muitos países da América Latina. E que foram “experiências maravilhosas”. Embora “deteste andar de avião”, pois tem muito medo. Falou de seu amor pelo ofício que abraçou, pelo quanto ser atriz a ajudou a conhecer-se melhor, e do quanto é difícil não ser o nome escolhido entre os indicados numa noite de prêmios. Mas brincou que já não se importa mais em não ganhar troféus (até porque, só do “cabeçudo”, o Goya, tem quatro na estante). Agora, dispõe de um Platino de Honor, láurea já atribuída a Sonia Braga, Ricardo Darín, Rita Moreno e ao malaguenho Antonio Banderas, que proferiu o mais belo dos discursos já ouvidos na história dos Platino, iniciada nove anos atrás.

Se Carmen Maura se ateve a louvar seu ofício e sua Madri, toda a cerimônia se aferrou à questão da guerra (a da Ucrânia, claro), às conturbações do mundo, à intolerância, à necessidade de apoio à produção cultural. O chileno Alfredo Castro, melhor ator coadjuvante por “Karnaval” (também eleita a melhor opera prima, ou seja, filme de diretor estreante), clamou ao presidente eleito de seu país, Gabriel Boric, que “destine fundos para o setor cultural, “pois durante dois anos (os da pandemia) nós ajudamos a pessoas a atravessar imensas dificuldades”.

Carmen Maura

A equipe premiada pela melhor animação (“Ainbo, la Guerrera del Amazonas”, do Peru), defendeu a diversidade e a natureza, e Claudia Piñeiro, premiada como melhor criadora de série de TV – pela festejadíssima “El Reino”, da Argentina (eleita merecidamente a melhor do ano) – fez o discurso mais contundente da noite. Sintetizou em um minuto os temas da série, disponível na Netflix, que fala de fanatismo religioso, do comércio da fé, de intolerância e de pedofilia em meios clericais. Pediu que todos se mantenham sensíveis a tais assuntos, devido ao vulto que vão ganhando em nossos países. E explicou que o diretor da série, o cineasta Marcelo “Plata Quemada” Piñeyro só não estava ali, porque filmava a segunda temporada, em Jujuy, na Argentina.

Quando a série foi anunciada como a melhor do ano, produtores, criadora e elenco (Mercedes Morán, Chino Darín e Joaquín Furriel, este eleito o melhor coadjuvante) subiram juntos ao palco para festejar. A melhor atriz coadjuvante de série de TV foi Najwa Nimri, do hit espanhol “La Casa de Papel” (Netflix).

Para marcar posição contra a guerra (da Ucrânia, embora não nominada), a própria organização do Platino pediu que atores famosos retirassem objetos colocados debaixo de seus assentos. Alguns traziam cartazes com palavras como “Paz”. E, para deixar ainda mais clara a posição da Europa Unida, distribuíram cartazes azuis e amarelos, que formaram a expressão “Iberoamérica por la paz”.

Aitana Sanchez-Gijón, de “Madres Paralelas”, lembrou que estava muito feliz com o prêmio Platino que acabara de receber, e pelo fato da festa acontecer no Primeiro de Maio, dia das Mães (na Espanha) e Dia do Trabalhador. Fernando Leon Aranoa, que faz do mundo proletário seu foco preferencial, confessou sua alegria pelo reconhecimento a seu filme, ambientado numa fábrica, cujos patrões não se constrangem em retirar direitos dos empregados. Depois do tocante “Lunes al Sol”, ele chega com esta poderosa e corrosiva comédia dramática, que ainda não tem distribuição garantida no Brasil.

Germano de Oliveira, montador de “7 Prisioneiros”

A emoção tomou conta do auditório quando dois irmãos mexicanos, um deles Samuel Kishi, diretor do filme, subiram ao palco para receber o Platino Educação em Valores (conquistado quatro anos atrás por “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert). Com o encantador “Los Lobos”, exibido no Olhar de Cinema de Curitiba e lançado em nosso circuito de arte, eles derrotaram forte concorrência. E por merecimento. Afinal, relembram memórias de infância, quando a mãe deixou o México, com dois filhos pequenos (Samuel e um irmãozinho), indo fixar-se, sem dinheiro e documentos, em Albuquerque, nos EUA. Para trabalhar, deixava as crianças trancadas no quarto de uma pensão mantida por chineses, prometendo a eles que ia ganhar dinheiro para levá-los à Disneylândia. O prêmio foi entregue pela embaixadora dos EUA na Espanha e Andorra, a afro-latina Julissa Reynoso.

O bom-humor só voltou ao auditório madrilenho quando Javier Cámara, almodovariano como Carmen Maura (embora esta não integre mais a trupe do manchego) animou o ambiente com sua alegria. Ele foi premiado como melhor ator de série de TV. Ano passado, ganhara o Platino como protagonista de cinema (por “El Olvido que Seremos”, disponível na Netflix). Dessa vez, uma comédia da HBO – “Venga Juan” – o levou ao bicampeonato. “Estou muito feliz” – avisou, com brilho nos olhos –, “pois não costumam dar prêmios a comédias”. E solicitou ao criador da série que escreva outros textos e conte com ele para interpretá-los. A melhor atriz de série de TV foi a chilena Daniela Ramírez, que protagonizou “Isabel”, narrativa sobre a escritora e feminista Isabel Allende, autora de vários best-seller, entre eles, “A Casa dos Espíritos”.

Confira os premiados:

Cinema

. “O Bom Patrão” (Espanha) – melhor filme, diretor e roteiro (Fernando León de Aranoa), ator (Javier Bardem)

. “Madres Paralelas”, de Pedro Almodóvar (Espanha) – melhor atriz coadjuvante (Aitana Sanchez-Gijón), trilha sonora (Alberto Iglesias), direção de arte (Antxón Gómez)

. “A Última Floresta”, de Luiz Bolognesi (Brasil) – melhor longa documental

. “Karnaval”, de Juan Pablo Félix (Chile, Bolívia, Argentina e Brasil): melhor opera-prima (filme de diretor estreante), melhor coadjuvante (Alfredo Castro)

. “Maxibel”, de Icíar Bolaín (Espanha) – melhor atriz (Blanca Portillo)

. “Ainbo, La Guerrera del Amazonas”, de José Zelada e Richard Claus (Peru) – melhor animação

. “Los Lobos”, de Samuel Kishi (México) – Platino Educação em Valores

. Mediterrâneo, de Marcel Barrena – melhor fotografia (Kiko de la Rica)

. “7 Prisioneiros”, de Alex Morato (Brasil) – melhor montagem (Germano de Oliveira)

. “Memória”, de Apichatpong Weerasethakul (Colômbia) – melhor som (Akritchalerm Kalayanamitr)

Séries de TV

. “El Reyno” (Argentina) – melhor série (Marcelo Piñeyro), melhor criação (Claudia Piñeiro), coadjuvante (Joaquín Furriel)

. “Venga Juan” (Espanha) – melhor ator de série (Javier Cámara)

. “Isabel” (Chile) – melhor atriz (Daniela Ramírez)

. “La Casa de Papel” – melhor coadjuvante (Najwa Nimri)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.