“Robot Dreams” presta tributo a NY, “a cidade que não dorme”, e ao cinema de Hollywood
Por Maria do Rosário Caetano
“Meu Amigo Robô”, em cartaz nos cinemas brasileiros, roubou a vaga de “Wish”, filme realizado pela poderosa e centenária Disney, na cerimônia do Oscar, programada para 10 de março. O quarto longa-metragem do espanhol Pablo Berger derrotou, também, “Super Mario Bros” e outros pesos-pesados da animação industrial.
A animação espanhola, realizada em parceria com a França e inspirada em graphic novel da estadunidense Sara Varon, está bem cotada na corrida pela mais cobiçada e midiatizada estatueta do cinema.
“Robot Dreams” recria a comovente amizade entre um cão solitário e um robô, comprado numa loja para servir-lhe de companhia. E sua narrativa produziu tamanho entusiasmo que o filme vem alcançando resultados muito mais vistosos que o esperado. Primeiro, venceu a seção Contrechamp, no Festival de Annecy, a meca do gênero. Depois, triunfou no Prêmio Europeu de Cinema (ex-Felix) e conquistou o Feroz, da Espanha. Agora é finalista ao Goya de melhor animação e ao Oscar de Hollywood.
O rival interno de Pablo Berger na noite dos “cabeçudos” (apelido do volumoso troféu Goya) é a animação documental “Atiraram no Pianista”, de Fernando Trueba. Mas o favoritismo do filme de Berger parece visível. Afinal, as sensibilidades de nosso tempo não estão sintonizadas em dramas políticos. E “Pianista” registra a trágica história de Tenório Jr, músico carioca e integrante da banda de Vinícius de Moraes, assassinado de forma obscura na Argentina, semanas antes do golpe militar de 1976. Supõe-se que por forças paramilitares e/ou militares.
“Meu Amigo Robô” é puro entretenimento e encantamento, uma ode a Nova York, a “cidade que não dorme”, e ao cinema norte-americano. O filme evoca o universo silencioso de Carlitos (Charles Chaplin), recria (num belíssimo “Balé de Margaridas”) os musicais de Busby Berkeley, traz um pouco do universo de “O Mágico de Oz” e cita até as gêmeas d’O Iluminado kubrickiano. Se tivéssemos que buscar um similar ‘live action’ para entender o furor que “Robot Dreams” vem causando nos EUA, basta evocar “O Artista”, do francês Michel Hazanavicius, vencedor do Oscar 2012. Este filme produzido na Europa, com protagonistas franceses (Jean Dujardin e Bérénice Bejo), foi concebido para evocar e exaltar a era muda de Hollywood.
Já na noite dos prêmios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a disputa será bem mais dura para “Robot Dreams”. O filme terá que derrotar o favoritíssimo “O Menino e a Garça”, do japonês Hayo Miyazaki, dos Estúdios Glibli. Mas não pensem que Berger, sua esposa Yuko Harami e seus produtores estão dormindo sobre os louros. Eles estão, isto sim, na batalha, disputando palmo a palmo cada voto. Para tanto, contam com a retaguarda da Neon, empresa que engendrou o maior triunfo internacional dos 95 anos de história do Oscar – a espantosa (e merecidíssima) vitória de “Parasita”, do coreano Bon Joon-ho. No currículo da Neon está também o triunfo do sueco “O Triângulo da Tristeza”, de Ruben Östlund.
Pablo Berger é basco. Nasceu e cresceu em Bilbao. Fez seus primeiros curtas na Espanha, na trupe do malucão Álex de la Iglesia e de Ramon Barea. Mas, nos anos 1990, foi estudar nos EUA. Lá, viveu por uma década e conheceu sua esposa e parceira cinematográfica, a nipo-americana Yuko Harami, que desempenha três funções em “Robot Dreams” (documentação, localização espacial e coprodução). Nos EUA, Berger fez estudos de pós-graduação em Cinema na Universidade de Nova York, e tornou-se professor de administração na New York Film Academy.
Regressou à Espanha e realizou três longas-metragens. O primeiro, “Torremolinos 73”, tinha no elenco Javier Cámara e Candela Peña e um então desconhecido Mads Mikkelsen, hoje astro do cinema nórdico (“A Caça”) e vilão em blockbuster norte-americano.
O segundo filme – “Blancanieves” (“Branca de Neve”), com Maribel Verdu – causou furor ao “dialogar” com o conto de fada. Berger construiu sua narrativa sem palavras. Tudo se resolve na imagem. O conto dos Irmãos Grimm ganhou tons terroríficos e ambiência de alma espanhola. Cansada de sofrer nas mãos da madrasta Encarna (Maribel Verdu), a jovem Carmen Villalta (Macarena García) resolve dedicar-se ao mundo dos touros. No caminho, ela conhecerá Sete Anões, que a ajudarão em sua aventura. O filme concorreu a uma penca de “cabeçudos” (dez Goya), inclusive o de melhor filme. Venceu na categoria principal, melhor roteiro original e etc. O terceiro longa do cineasta basco – a fantasia “Abracadabra” – não causou muito alarde.
Quando Pablo Berger decidiu realizar seu quarto longa, lembrou-se da graphic novel de Sara Varon. Afinal, percebera em suas páginas a semente de um filme de animação, gênero que nunca visitara. Escreveu várias versões do roteiro e, decerto, de olho no Oscar, resolveu fazer um filme sem diálogos (como “Blancanieves”) e totalmente dedicado à maior cidade norte-americana, embelezada por citações cinematográficas.
Como a imagem é um idioma universal, o filme tem capacidade de dialogar com os mais diversos públicos. Para ampliar seu alcance, conta também com temática das mais atrativas: a amizade entre um animal antropomorfizado e um robô. E com cenário conhecidíssimo: a Nova York, que, ao longo da segunda metade do século XX e nestas primeiras décadas do XXI, consolidou-se como referência planetária. Quem não conhece, em especial pelo cinema, a sedutora Manhattan, sua ultrafamosa Estátua da Liberdade, as (trágicas) Torres Gêmeas, suas ruas de vistosos prédios baixos (que contrastam com os arranha-céus) e a icônica Long Island? Pablo Berger, o diretor-roteirista, escolheu a década de 1980 como seu tempo histórico.
O resultado é realmente encantador, capaz de comover crianças, jovens e até adultos. Quem será capaz de resistir à história do solitário Dog, um cão que vive dias melancólicos até fazer de um simpático robô o seu verdadeiro amigo? Mas a amizade deles será interrompida por uma série de contratempos. E haja peripécia, pois o filme dura 102 minutos. Outros bichos – jacarés, coelhos, pássaros, patos, raposas – entrarão em cena para atrapalhar (ou ajudar) Dog a resgatar o amigo de lata. Ele conseguirá? Eis a questão posta pelo filme. E, para fazer jus ao título original (“Robot Dreams”), o amigo de lata, em sua via crucis, sonhará com o reencontro com Dog. Dog também sonhará com seu amigo robô.
A trilha original de “Meu Amigo Robô”, muito engenhosa, soma-se a hits oitentistas (em especial, “September”, do Earth Wind & Fire), à soul music e, claro, a um pouco de salsa. Afinal, por mais integrado que se sinta aos EUA, Pablo Berger nasceu, cresceu e faz cinema na Península Ibérica. “Robot Dreams” foi produzido em estúdios de Madri e Pamplona.
Meu Amigo Robô | Robot Dreams
Animação, Espanha-França, 2023, 102 minutos
Direção e roteiro: Pablo Berger
Direção de arte: José Luis Águeda
Documentação, localização e coprodução: Yuko Haram
Preparação de cenas: Javier G. Hernando e Marcos Lloren
Trilha sonora: Alfonso de Vilallonga
Produção: Sandra Tapia, Pablo Berger e Ángel Durández
Distribuição: Imovision
FILMOGRAFIA
Pablo Berger (Bilbao, País Basco/Espanha, 1963)
Longas-metragens:
2002 – “Torremolinos 73” (“Da Cama para a Fama”, com Javier Cámara e Candela Peña)
2012 – “Blancanieves” (“Branca de Neve”, com Maribel Verdu e Macarena García, disponível no streaming da Reserva-Imovision)
2017 – “Abracadabra” (com Maribel Verdu e Antonio de la Torre)
2023 – “Meu Amigo Robô” (“Robot Dreams”)
Curtas-metragens:
1988 – “Mamá”
2013 – “Pon Tus Sueños a Jugar”
2013 – Para Ver y Sentirlo”
2014 – “Aceite Rancio”