Guilherme Fiúza Zenha, diretor de “O Menino no Espelho” e “Chef Jack”, morre em BH, aos 56 anos

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta e produtor Guilherme Fiúza Zenha morreu, em Belo Horizonte, no sábado, 4 de maio, aos 56 anos. Diretor dos longas-metragens “O Menino no Espelho”, baseado em obra homônima de Fernando Sabino, e da animação “Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro”, ele dedicou-se, por mais de três décadas, ao audiovisual mineiro e brasileiro.

Boa parte de sua trajetória no cinema se concretizou na função de integrante de equipes de produção de filmes de Helvécio Ratton (“Batismo de Sangue”), Roberto Bomtempo (“Depois Daquele Baile”), Nelson Pereira dos Santos (“Casa Grande & Senzala”), Tizuka Yamasaki, Sérgio Machado e Sylvio Back. Só estrearia na direção em 2007, como um dos autores do longa-metragem (coletivo e em episódios) “5 Frações de uma Quase História”, ao lado dos colegas Cris Azzi, Armando Mendz, Lucas Gontijo e Cristiano Abud.

Guilherme Fiúza (não confundir com o jornalista e escritor carioca, autor do livro “Meu Nome Não é Johnny”) sofreu um infarto e permaneceu internado por quatro dias em hospital na capital mineira. Mas não resistiu.

A figura alegre e inquieta do mineiro, nascido em 1968, começou a se destacar no Cine PE, o Festival de Cinema de Pernambuco, realizado há 29 anos na cidade do Recife. Em 2008, ele chegou ao evento, que acontecia no imenso Centro de Convenções Guararapes, em Olinda, com o curta-metragem “Os Filmes que Não Fiz”, escrito e dirigido pelo também mineiro Gilberto Scarpa.

O filme caiu no gosto do público, que o aplaudiu com entusiasmo. E do júri oficial, que o consagrou com o Troféu Calunga de melhor curta da competição. No Cine Ceará, Gil Scarpa ganharia o prêmio de melhor diretor. E depois conquistaria o júri popular do Curta Kinoforum (Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo). Ganhou, ainda, o Prêmio Aquisição do Canal Brasil e seguiu carreira em diversos festivais e mostras, no Brasil e no exterior. A dupla formada por Fiúza, o produtor, e Scarpa, o diretor, tornou-se familiar nos festivais.

“Os Filmes que Não Fiz” se constrói como narrativa metalinguística empenhada em satirizar as dificuldades de um aspirante a diretor de cinema. Ele sonha realizar seus filmes, mas não consegue produção para viabilizá-los. Em 16 minutos, com muito humor e algumas doses de cinismo, Scarpa encena, sinteticamente, roteiros que estavam guardados em suas gavetas à espera de recursos financeiros.

Um dos “pseudo-curtas” (do curta) se chama “O Aparecimento de nossa Senhora”. Outros três são “A Farsante”, “O Tradutor” e “Maria, a Louca da Padaria”. Mas foi “Zelvis Não Morreu” (um dos cinco falsos curtas) o que ficou impresso na memória do espectador. Afinal, um homem, atingido por um raio, desperta, vestido com os trajes chamativos do astro do rock, em lugar onde ninguém conhecia Elvis Presley. Para dar ainda mais graça ao filme, personalidades reais – como a atriz Maria Luiza Mendonça, o produtor Fabiano Gullane, os cineastas Carlos Cortez e Cristiano Abud (e o próprio Gil Scarpa), prestavam testemunhos “documentais” à narrativa.

Guilherme Fiúza teria em Helvécio Ratton seu parceiro mais constante. O diretor de “Amor & Cia” e “O Menino Maluquinho” evocou o amigo em depoimento emocionado: “A partida do Guilherme Fiúza me fez lembrar aqueles versos do Brecht em que ele diz que ‘há os que lutam um dia, e são bons; os que lutam um mês, e são muito bons; os que lutam um ano, e são ótimos; e há os que lutam a vida inteira. Estes são os imprescindíveis’. Guilherme era um destes, e vai ser muito difícil preencher o vazio que ele deixa no cinema mineiro. Trabalhamos juntos ao longo de 30 anos, fomos amigos e parceiros de muitas aventuras cinematográficas, era um irmão. Guilherme se dedicou muito ao coletivo, ao sindicato, aos projetos de todos, e teve pouco tempo para se dedicar aos seus projetos, para cuidar de si. Foi um lutador incansável, mas um dia cansou”.

Com Ratton, Fiúza compreendeu a importância do cinema destinado ao público infanto-juvenil. E escolheu, para sua estreia no longa-metragem solo, a adaptação de um livro do conterrâneo Fernando Sabino (1923-2004) – “O Menino no Espelho”, romance juvenil publicado em 1982.

O filme, realizado em 2013, teve como protagonista o garoto Fernando, interpretado por Lino Facioli. Seus pais foram interpretados por Matheus Solano e Regiane Alves. A história, com muito de autobiográfica (da infância de Sabino), se passava na Belo Horizonte da década de 1930. O garoto, cansado da mesmice da vida, sonha em ter um sósia que desempenhe tarefas cotidianas (escolares e domésticas) e “muito chatas”, enquanto ele poderia se divertir para valer. Um dia, tal desejo se torna realidade, pois o reflexo de Fernando deixa o espelho e ganha vida.

Dez anos depois, Guilherme Fiúza realizou seu segundo longa solo – a animação “Chef Jack – O Cozinheiro Aventureiro”. Ao lançar sua agitada e coloridíssima animação, durante os primeiros meses pós-pandemia, o cineasta conversou com a Revista de CINEMA e avisou tratar-se de “um filme de produtor”, em busca de diálogo com o grande público. Fez questão de externar reconhecimento à dupla que o produziu (Luiz Fernando de Alencar e Giordano Becheleni), que o haviam convidado para o projeto.

Agradeceu, também, ao roteirista Artur Costa, egresso do curso de Cinema de Animação e Artes Digitais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que teria desempenhado “papel essencial” na criação do filme. “Sem ele, ‘Chef Jack’ não existiria”. Tanto que “ele atuou como codiretor ao lado de Carlos CD Daniel e Rodrigo Guimarães”, esclareceu. Em seguida, mostrou visível orgulho por ter realizado, em equipe, “o primeiro longa-metragem de animação produzido no estado de Minas Gerais”.

“Consumimos três anos e meio de trabalho, primeiro com dezenas de profissionais reunidos presencialmente nos Immagini Animation Studios, em Belo Horizonte, depois, por causa da pandemia, de forma remota”. O resultado, para um filme lançado nos primeiros meses pós-pandemia, foi até significativo – 60 mil espectadores.

A trama centra-se em concurso culinário (a XII Convergência de Sabores). O Chef Jack é um dos candidatos e viverá animadas e exóticas aventuras (culinárias e turísticas).

O chef de cuisine (voz de Danton Mello) já triunfara em um concurso de craques, mas o fizera na companhia do pai, o titular da competição (coubera a Jack a função de assistente). Na Convergência dos Sabores, ele disputará o prêmio como protagonista. Sua empresária, Bárbara (voz de Cecília Fernandes) providencia, devido a imprevisto contratempo, um assistente dos mais mequetrefes. Que não conseguirá, claro, cumprir sua missão.

A solução virá com o engajamento do menino Leonard, o Leo (voz de Rodrigo Waschburger), que sonha em cozinhar um “Baião de Dois” dos deuses. Mas sempre se atrapalha. Ele é filho de Bárbara, que não quer o menino envolvido no concurso. Mas tudo se acertará, depois de alguns sobressaltos, entre Jack e Leo. E os dois começarão juntos a aventura, que terá provações que irão muito além da culinária.

Além de produzir e dirigir filmes, Guilherme Fiúza Zenha dedicou-se ao magistério na ECITV (École d’Internet et de Télévision) e no Centro Universitário UNA, e escreveu, em parceria com Júlia Nogueira, o livro “Guia de Elaboração de Projetos Audiovisuais – Leis de Incentivo.

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