Diogo Dahl, produtor de “Cinema Novo”, tem dois filmes em cartaz e seis em realização ou preparação

Por Maria do Rosário Caetano

Diogo Dahl desfruta, aos 50 anos, do prazer de ver duas de suas produções – “A Festa de Léo”, de Luciana Bezerra e Gustavo Melo, e “Mundo Novo”, de Álvaro Campos – em cartaz no circuito de arte brasileiro. Os dois longas-metragens foram realizados no Morro do Vidigal e têm no coletivo Nós do Morro seu principal esteio artístico.

Por sua origens, o produtor de sólidas raízes fincadas no Cinema Novo – sua mãe é a atriz-diretora Ana Maria Magalhães, seus pais, Nelson Pereira dos Santos e Gustavo Dahl – pôde somar as assinaturas Dahl Magalhães Pereira dos Santos. Curioso é que, ao contrário de seus genitores, ele não tornou-se um diretor de cinema. Optou pela função de produtor. Seja como produtor-executivo ou produtor, seu nome está registrado em duas dezenas de filmes e séries.

Desde 2014, Diogo participa do Marché du Film, em Cannes, onde busca parceiros para seus projetos. Foi no famoso festival francês, que, em 2016, ele e seu amigo Eryk Rocha receberam o “Olho de Ouro”, troféu que Cannes destina ao melhor documentário exibido em uma de suas muitas mostras (seja na competição pela Palma de Ouro, seja no Um Certo Olhar, Quinzena de Realizadores, Semana da Crítica ou Cannes Classics).

O filme “Cinema Novo”, um documentário ensaístico sobre o movimento que teve em Nelson Pereira dos Santos o seu “pai” e em Glauber Rocha, o seu “arauto”, somou esforços de Diogo e Eryk, empenhados em resgatar o poder renovador do movimento cinemanovista, iniciado no final dos anos 1950 e levado adiante na efervescência da década de 1960. O filme tornou-se o mais vistoso e festejado momento da carreira dos dois jovens.

Nos últimos anos, depois dos revezes da pandemia, Diogo Dahl envolveu-se com a produção de mais seis filmes. Três deles estão em fase de finalização – “O Menino D’Olho D’Água”, de Lírio Ferreira e Carolina Sá, sobre Hermeto Paschoal; “Obás de Xangô”, de Sérgio Machado, que une trio de amigos inseparáveis (Jorge Amado-Caymmi-Carybé), e “Welcome to Maracanã”. Este filme tem Diogo nos créditos como produtor e… diretor. Apaixonado por futebol, o filho de Ana Maria-Nelson-Dahl acabou não resistindo. Começou, tendo Daniel Haimson como parceiro, a documentar a história e as transformações do mais famoso dos estádios do país. “Há 25 anos acompanhamos as mudanças do Maracanã, sempre pela perspectiva de Eneas Andrade, que atuou como maqueiro (ou padioleiro) de 1982 a 2010”.

Diogo garante que a produção continuará sendo sua missão primeira. Prova disso é que os outros três filmes que o mobilizam são “Teatro de Chocolate”, do ator e dramaturgo Aldri Anunciação (ficção protagonizada por Du Chocolat, artista baiano responsável pela primeira revista encabeçada por elenco 100% negro); “Jaé, Natal”, animação de Camila Padilha, que mostra a menina Cora descobrindo o Natal, frio e de tradição nórdica, e tentando adaptá-lo à realidade tropical, e “Para Vigo me Voy”, de Karen Harley e Lírio Ferreira, que documentam a trajetória do cineasta Cacá Diegues tendo seus filmes como matéria-prima.

A Revista de CINEMA conversou com Diogo Dahl sobre suas opções, origens, relação com o Nós do Morro e novos projeto

Revista de Cinema – O que levou o filho de três diretores de cinema à produção? No Brasil, a larga maioria prefere dirigir.

DiogoEu fiz uma opção: ajudar talentos brasileiros a realizar seus filmes. Embora eu tenha iniciado, em 1999 (sim, há 25 anos!), um longa documental sobre o Maracanã. Trata-se de um projeto realizado sem orçamento, sem edital, só com meus próprios recursos. Está (quase) pronto, mas não consigo chegar ao corte final. Como diretor sou, portanto, um fracasso (risos). Na virada dos anos 90 para os 2000, fui, pela primeira vez, ao Marché du Film, em Cannes, e vi que havia muitos diretores brasileiros e poucos produtores. Mas a situação está melhorando muito. Semanas atrás, estive mais uma vez no “Marché” e me deparei com muitos produtores. Creio que não optei, com empenho total, pela direção, por, de alguma forma, temer ficar à sombra de meus pais.

Essa é uma questão importante. A sombra de Nelson (diretor de “Vidas Secas”), de Ana Maria Magalhães (atriz e diretora pioneira na produção feminina) e Gustavo Dahl (“O Bravo Guerreiro”) realmente  deve ter pesado muito nas suas escolhas.

Pesou. No começo eu tinha até um pouco de vergonha. Não gostava de lembrar essas relações, temia passar imagem de arrogância, espécie de tentativa de reivindicar um espaço maior. Entendia que devia conquistar meu espaço só com meu esforço. Com o passar do tempo, o orgulho de ser filho deles foi crescendo. Perdi meus dois pais. O Gustavo, em 2011, e Nelson, em 2018. Fui entendendo o tamanho e a importância deles. Agora, estou mais próximo da história não só deles, mas também da minha mãe, ela que foi e é tão importante como atriz e diretora, desde “Mulheres no Cinema” (1977) até produções ficcionais, como “Lara” (2002). Com a morte de Nelson, eu senti que seria importante dedicar-me a projetos mais relevantes na busca nossa de identidade.

E como você se aproximou do Nós do Morro? Os dois filmes que acaba de colocar no mercado, com as distribuidoras Bretz (“A Festa de Léo”) e O2 Play (“Mundo Novo”) resultam, afinal, de produção ou coprodução com esse grupo artístico do Vidigal.

Quando eu me vi no set de “A Festa de Léo”, fiquei muito emocionado. Pensei no meu pai, no quanto ele estaria orgulhoso em ver o filho produzindo um filme na favela, dirigido por uma realizadora do lugar, com 80% da equipe técnica e 90% do elenco vindos do Nós do Morro. Tudo, afinal, tem sua origem em  “Rio 40 Graus”, um filme realizado há 70 anos, pois foi filmado em 1954. Quem imaginaria, sete décadas atrás, uma produção dirigida e protagonizada por pessoas nascidas e criadas na favela! Não posso esquecer que “A Festa de Léo” me chegou como uma missão dada por Cacá Diegues. E isso aconteceu logo depois de ganharmos o “Olho de Ouro” (com “Cinema Novo”), em Cannes. Ele, que havia produzido “5 x Favela – Agora por Nós Mesmos” (2010), viu em mim a pessoa que poderia ajudar a viabilizar o projeto de Luciana (Bezerra) e do Gustavo (Melo). Ele sabia que eu tinha capacidade para viabilizar o filme com poucos recursos. Abracei aquele desafio com muito carinho. Eu conhecia o curta “Mina de Fé” e o episódio “Acende a Luz”, do “5 x Favela”, ambos da Luciana, e era um grande admirador da trajetória do Nós do Morro. Mas não foi fácil no início. Não conseguíamos nenhum apoio financeiro. Até que ganhamos o “suporte automático de desempenho artístico” com “Cinema Novo” e, com a grana desse reconhecimento, conseguimos cobrir 30% do orçamento. E tal aporte nos trouxe o apoio da Globo Filmes e, em seguida, vencemos o Edital da Riofilme. Realizamos o filme com elenco e locações do Morro de Vidigal e alguns convidados. E, agora, ele está nos cinemas.

E como se estabeleceu sua relação com “Mundo Novo”, de Álvaro Campos?

O Álvaro soube que eu estava envolvido com o projeto de “A Festa de Léo” e me convidou para produzir “Mundo Novo”. Estávamos em plena pandemia. Ele se inscreveu na Lei Aldir Blanc e me convenceu que faríamos o filme com R$ 100 mil reais. Só que ele ganhou a opção de R$ 50 mil. Veio, em seguida, um aporte de R$ 20 mil do Projeto Paradiso. Somamos R$ 70 mil. Foi com esse dinheiro que fizemos o filme. O longa do Álvaro acabou funcionando como preparação para “A Festa de Léo”. Este, havíamos decidido, seria feito com o maior número de profissionais do Morro do Vidigal, criados no Nós do Morro, tanto atores, quanto equipe técnica. Para o “Mundo Novo”, mobilizamos arte e figurino, que ficaram 100% sob responsabilidade da turma do Nós do Morro, parte da equipe de direção e produção. E mobilizamos Luciana e Gustavo, que não entravam num set havia cinco anos. Eles colaboraram um pouco com o roteiro e cuidaram do elenco. Foi a Luciana quem encontrou a Tati Vilela para o papel da protagonista de “Mundo Novo”. Tati seria premiada com o Troféu Redentor de melhor atriz no Festival do Rio de 2021. O que tornou o filme possível? Primeiro, a vontade das pessoas. Com R$ 70 mil de orçamento, você só pode pagar pouco à equipe artística e técnica. Mas o desejo de fazer era imenso, todo mundo achava importante contar aquela história. Mas aí veio a segunda e terrível onda da Covid. Como produtor, decidi que devíamos cancelar as filmagens. Mas a equipe e elenco pediram para manter o processo. O que foi feito. Filmamos em apenas seis dias, com estrutura semelhante a uma peça filmada, uma locação principal e necessidade de muito ensaio prévio. Um senhora preparação de atores. Quase sempre fazíamos take único. Às vezes, e foram poucas, um segundo take. Temos que dar o mérito, claro, ao Álvaro e ao elenco, pois eles conseguiram em seis dias realizar o filme do jeito que haviam sonhado.

Voltando ao longa documental “Cinema Novo”, filme que uniu o filho de Nelson Pereira dos Santos ao filho de Glauber Rocha. Como vocês tiveram a ideia de realizar esse trabalho em dobradinha (produtor-diretor)?

Foi um encontro de irmãos. Quando Glauber, Paula (Gaitán) e filhos (Ava e Eryk) chegaram ao Brasil, em 1982, Glauber já muito doente, veio o trauma da morte dele. Paula e os filhos ficaram na nossa casa até encontrar um apartamento numa rua próxima à nossa. Ava, Eryk, Catarina, minha irmã, e eu sempre ficamos muito próximos. Irmãos mesmo. Abraçamos o projeto de “Cinema Novo” juntos. Tentamos levantar a produção do filme, mas não conseguíamos nada. Tentamos vários editais: Petrobras, Eletrobras, BNDES, Globo Filmes e nada! O máximo que conseguimos foi uma suplência no edital Riofilme. Em 2014, em Cannes, participei de Oficina para Jovens Produtores, na Sala Luis Buñuel. Como fui ator de teatro, tenho até registro profissional, subi ao palco querendo causar, chamar atenção. Falei meu nome e expus o projeto. Me perguntaram o que eu queria: eu disse que estava procurando o Jean-Luc Godard. Nossa ideia era ouvir Godard, Bertollucci, grandes nomes do cinema europeu, que validassem nosso projeto, aquela coisa de buscar endosso internacional. Um dos integrantes da banca (Lucius Barre, um publicista norte-americano) me disse que falaria com o Godard. Falou e nos trouxe a resposta no mesmo dia: Godard disse que tinha muito carinho por Glauber (eles haviam trabalhado juntos em “Vento Leste”) e gostava do Cinema Novo, mas não olhava para trás, só falava sobre o futuro. Nossa ficha caiu. Entrevistas não eram o caminho. Ali decidimos mudar de rumo. Nós tínhamos um apoio de produção do Canal Brasil, que era pequeno. Necessitávamos de 30 mil euros para viabilizar nosso projeto. No ano seguinte (2015), estava na fila de um banheiro do Petit Majestic, em Cannes, conversando com um produtor inglês. Aí apareceu um cara, de cabeça branca, furou a fila, passando na frente de todo mundo. Fiquei aborrecido. O inglês contemporizou: quem sabe ele não tinha condições de esperar! Quando o cara grisalho saiu do banheiro, vi que tinha os cabelos brancos, mas não era velho. Resumindo: era Fernando Muniz, que acabou ouvindo minha história e soube da minha necessidade urgente de arrumar 30 mil euros para terminar “Cinema Novo”. Ele disse: “eu coloco essa quantia”. No ano seguinte, ganhamos o “Olho de Ouro” no Festival de Cannes. Quem anunciou o título premiado foi o presidente do júri, o italiano Gianfranco Rosi, que fora premiado em Veneza com “Sacro GRA” (2014) e, dois meses antes, ganhara o Urso de Ouro, em Berlim, com “Fogo no Mar”. Com seu inglês de forte acento italiano, Gianfranco fez um discurso lindo. Começou dizendo “Cinema, Cinema, o assunto é Cinema”. Naquele instante olhei para o Eryk e disse: “ganhamos!”. Foi uma cerimônia inesquecível.

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