Mostra SP presta tributo ao cinema da Índia e exibe “Arca de Noé”, parceria brasileira com a potência asiática
Foto: “Arca de Noé”, de Sérgio Machado e Alois Di Leo
Por Maria do Rosário Caetano
A quadragésima-oitava edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que ao longo de duas semanas (17 a 30 de outubro) ocupará 29 salas paulistanas, vai homenagear a Índia, o “I” do BRICS e maior potência cinematográfica do Oriente.
O país asiático, de mais de um bilhão de habitantes, produz média de 900 filmes anuais, registrados em vinte idiomas. E lota milhares de salas de exibição, em múltiplas regiões, em sessões diárias que podem começar em horários matutinos e seguir pela tarde e noite adentro.
A presença da pátria do cinema made in Bollywood (Bombain, hoje Mumbai), Tollywood (língua Telugo), Kollywood (língua Tamil) e Mollywood (língua Malaiala) na mostra paulistana será das mais significativas. Irá do cartaz e todo material gráfico do festival (desenho de Satyajit Ray para o filme “A Canção da Estrada”) à exibição de quase 30 longas-metragens (sete do criador da Trilogia de Apu), cursos, debates e encontros entre produtores indianos e brasileiros.
Por que o “I” dos BRICS, poderoso a ponto de impedir a hegemonia de Hollywood em seu mercado, terá interesse em estabelecer parceria com o Brasil (hoje reduzido a menos de 5% de seu mercado doméstico)?
Porque há real interesse em aprofundar as relações diplomáticas e as parcerias comerciais entre os países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). E essa parceria deu um passo importante, a coprodução de “Arca de Noé”, que terá na Mostra sua primeira vitrine.
A adaptação cinematográfica das canções de Vinícius de Moraes e parceiros, que tomou onze anos de sonhos e trabalho do baiano Sérgio Machado, é, pois, resultado de formidável encontro do “B” e o “I” dos BRICS. A Índia entrou com mão-de-obra qualificadíssima. O processo de trabalho foi tão orgânico, que o diretor de “Cidade Baixa” e seus parceiros brasileiros (as produtoras Gullane e Videofilme, em especial) já planejam uma continuação. Neste primeiro filme, frente ao dilúvio, os animais embarcam na grande Arca. No segundo, desembarcarão para novas aventuras.
Como Machado é diretor experimentado em produções live action e “Arca de Noé” constitui em sua primeira animação (e em 3D), ele dividiu os créditos com o peruano Alois Di Leo. E viu na grande indústria audiovisual indiana o parceiro ideal.
Para dedicar espaço nobre à “Arca de Noé”, a Mostra, ocupada há 47 anos com o cinema de arte e ensaio para adultos, criou a Mostrinha. Ou seja, um espaço dedicado a produções infanto-juvenis (22 títulos no total, vindos de todos os cantos do mundo). O Brasil será representado, também, por “Castelo Rá-Tim-Bum”, de Cao Hamburger, lançado 20 anos atrás, e dois “Menino Maluquinho” (o de Helvécio Ratton e o da dupla Fernando Meirelles-Fabrizia Pinto), em tributo ao cartunista e escritor Ziraldo (1932-2024).
“Arca de Noé”, como sabem todos os cristãos, tem origem bíblica. Chove torrencialmente há 40 dias e, para salvar animais, Noé recebe a incumbência de reuni-los numa grande arca. Mas o filme de Machado e Di Leo resulta em recriação bastante livre (e brasileiríssima) da narrativa engendrada por Vinícius. Os protagonistas são dois ratinhos, um chamado Tom e o outro Vini. Ou seja, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
Muitos outros animaizinhos embarcarão na Arca de Noé: rinoceronte, elefante, hiena, galinha d’angola, pulga, andorinha, besouro e, até, lombriga. Para dar voz a essa fauna musical, foram convocadas estrelas como Lázaro Ramos, Débora Nascimento, Chico César, Seu Jorge, Leandro Firmino da Hora, Luiz Miranda, Babu Santana, Alice Braga, Gregório Duvivier, Bruno Gagliasso, Giovanna Ewbank, Adriana Calcanhoto, Marcelo Serrado, Ingrid Guimarães e Heloisa Perrissé (essas duas amantes da comédia assinam o roteiro com Sérgio Machado). Ah!, Julio Andrade será Noé. Rodrigo Santoro e Marcelo Adnet darão voz aos ratinhos Vini e Tom.
Na coletiva de apresentação dos mais de 400 filmes selecionados para a Mostra, sua diretora Renata Almeida contou que a Sala São Paulo, território da música clássica, será palco de duas aberturas do festival paulistano – a oficial, na quarta-feira, 16 de outubro, quando convidados assistirão ao longa-metragem estadunidense “Maria Callas”, dirigido pelo chileno Pablo Larraín. No dia seguinte, no mesmo espaço, que festeja seus primeiros 25 anos como vitrine da Sinfônica de São Paulo, será exibido “Arca de Noé”. Na presença de muitos dos dubladores. A sessão (14h) será aberta ao público. E contará com centenas de crianças vindas de escolas públicas. Elas terão seu primeiro contato com a animação nascida da imaginação de Vinícius de Moraes.
Na coletiva de imprensa, Renata, que se fez acompanhar de alguns de seus parceiros – a Petrobras, representada por Milton Bittencourt Neto, o Sesc, por Rodrigo Gerace, e o Itaú Cultural, por Jader Rosa (representantes municipais e estaduais não puderam se fazer presentes devido ao período eleitoral) –, anunciou a presença de 60 filmes brasileiros no festival paulistano. Entre eles, “O Clube das Mulheres de Negócios”, de Anna Muylaert, “Manas”, de Mariana Brennand, “Apocalipse nos Trópicos”, de Petra Costa, “Lispectorante”, de Renata Pinheiro, “Malês”, de Antônio Pitanga, “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes, “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz”, de Murilo Salles, e “Oeste Outra Vez”, de Érico Rassi, o vencedor de Gramado.
“Não exigimos ineditismo para produção nacional”, detalhou Renata. “O que nos interessa é abrir espaço para os filmes brasileiros e participar dos esforços de formação de público”. Só será exigido 100% de ineditismo para os títulos que estarão na competição de Novos Realizadores (até segundo longa-metragem). Entre os 60 longas aqui produzidos, a Netflix escolherá o que fará jus ao seu Prêmio Aquisição. E o Projeto Paradiso também premiará um longa brasileiro fornecendo apoio para seu lançamento comercial nos cinemas. Ano passado, o vencedor dos dois prêmios (o Netflix e o Paradiso) resultou em coincidência – o baiano “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges.
A diretora da Mostra anunciou, também, os doze títulos pré-indicados ao Oscar que poderão ser vistos em primeira mão pelo público (ver lista abaixo). E falou de seu orgulho em ver a história do quase cinquentenário festival paulistano contada por dois cineastas que o frequentam desde a adolescência, Marina Person (“Califórnia”) e Gustavo Rosa de Moura (“Canção da Volta”). Trata-se da série “Viva o Cinema! Uma História da Mostra de São Paulo”, composta de quatro capítulos e realizada para o streaming.
Depois da pré-estreia “em casa” (ou seja, na Mostra), a série documental será exibida pela HBO e pelo Max. “Não assisti, nem dei nenhum palpite”, assegurou Renata, por entender que Marina e Gustavo dariam sua visão pessoal da Mostra. E acrescentou: “diretores de outros festivais e mostras comentaram comigo que esta série é a primeira dedicada, por inteiro, a um festival. Nem Cannes, Veneza ou Berlim tiveram sua história registrada para exibição no streaming”.
Além de Satyajit Ray (1921-1992), a Mostra prestará tributo à memória de Marcello Mastroianni, no ano de seu centenário de nascimento, e entregará o Prêmio Humanidade ao cineasta e ex-ministro da Cultura do Haiti, Raoul Peck, finalista ao Oscar de melhor documentário com “Eu Não Sou seu Negro” (2017). O laureado com o Troféu Leon Cakoff será anunciado em breve.
O júri da Mostra, este ano, contará com a produtora argentina Hebe Tabachnik, os atores Camila Pitanga (Brasil) e Gonçalo Waddington (Portugal), o crítico francês Thierry Meranger, o cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf e o produtor norte-americano Kyle Stroud (de “O Brutalista”).
Renata agradeceu ao cônsul-adjunto da Índia em São Paulo, que foi prestigiar a coletiva, e aos representantes da Petrobras, Itaú e Sesc. Esta instituição, que mais uma vez será um dos palcos da Mostra (no CineSesc), promoverá itinerância de uma dezena de filmes por diversas cidades do interior de São Paulo (Araraquara, Piracicaba, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Rio Preto, São Carlos, Birigui, Sorocaba, Jundiaí e Campinas). Rodrigo Gerace lembrou, ainda, que “o CineSesc promoverá curso sobre o cinema indiano, cujo tema será “Bollywood e o Cinema Decolonial” e que o evento histórico-reflexivo começará nos primeiros dias da Mostra.
Além do CineSesc, o festival paulistano ocupará três espaços na Cinemateca Brasileira (Salas Grande Otelo, Oscarito e Espaço Petrobras), Espaço Augusta (salas 1, 2 e 4), Reserva Cultural (salas 1 e 2), Cinesystem Frei Caneca (Salas 1, 2, 3, 4 e 5), Cinesystem Morumbi Town (Sala 8), IMS Paulista, Kinoplex Itaim (Sala 1), Cine Sato (na Fundação Japão), Cine Satyros Bijou, Cineclube Cortina, Centro Cultural São Paulo (Salas Lima Barreto e Paulo Emilio), Spcine Olido, CEUs (Lagos, Caminho do Mar, São Miguel, Butantã, Taipas) e Centro de Formação Cultural Tiradentes. E sessões especiais na Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa e Vale do Anhangabaú.
Mostra de Filmes Indianos
Retrospectiva Satyajit Ray:
. “A Canção da Estrada” (1955, filme inaugural da “Trilogia de Apu”)
. “O Invencível” (1956, da Trilogia de Apu)
. “O Mundo de Apu” (1959, da Trilogia de Apu)
. “A Grande Cidade” (1963)
. “A Esposa Solitária” (1964)
. “O Covarde” (1965)
. “ O Herói” (1966)
Foco Índia (destaques contemporâneos)
. “ Tudo que Imaginamos como Luz”, de Payal Kapadia (Grande Prêmio do Júri em Cannes)
. “Vivendo de Mentiras”, de Ishan Shukla (premiado em Roterdã)
. “Segunda Chance”, de Subhadra Mahajan (competição de Karlovy Vary)
. “Marchando na Escuridão”, de Kinshuk Surjan (documentário premiado no CPH:DOX)
. “Roubado”, de Karan Tejpal (exibido no Fest Veneza)
. “Noturnos”, de Anupama Srinivasan (premiado no Sundance)
. “A Fábula”, de Raam Reddy
. “Na Barriga de um Tigre”, de Siddhartha Jatla.
Mostrinha de Cinema de São Paulo (primeira edição)
. “Arca de Noé”, de Sérgio Machado e Alois Di Leo (Brasil-Índia)
. “Abá e Sua Banda”, de Humberto Avellar (Brasil)
. “Boong”, de Lakshmipriya Devi (Índia)
. “Kummaty”, de Govindan Aravidan (Índia)
. “Fiebre”, de Elisa Eliash (Chile)
. “Nayola, Uma Busca de Minha Ancestralidade”, de José Miguel Ribeiro (Portugal)
. “Corações Jovens”, de Anthony Schatteman (Holanda-Bélgica)
. “O Grande Natal dos Animais”, de Caroline Attia (França-Alemanha)
. “Um Barco no Jardim”, de Jean-François Laguionie (França-Luxemburgo)
. “Vencedores”, de Soleen Yusef (Alemanha)
. “Vivendo em Excesso”, de Kristina Dufková (República Tcheca, Eslováquia e França)
. “Angelo na Floresta Misteriosa”, de Vincent Paronnaud e Alexis Ducord (França)
. “Adam Muda Lentamente”, de Joel Vaudreuil (Canadá)
. “A Raposa e a Lebre Salvam a Floresta”, de Mascha Halberstad (Holanda, Luxemburgo e Bélgica)
. “Castelo Rá-Tim-Bum”, de Cao Hamburger (Brasil)
. “O Menino Maluquinho”, de Helvécio Ratton
. “O Menino Maluquinho 2”, de Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto
. “Ponyo, Uma Amizade que Veio do Mar”, de Hayo Miyazaki (Japão)
. “O Serviço de Entregas de Kiki”, de Hayo Miyazaki (Japão)
Filmes pré-indicados ao Oscar
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil)
. “Dahomey”, de Mati Diop (Senegal)
. “Grand Tour”, de Miguel Gomes (Portugal)
. “Vermiglio”, de Maura Delpero (Itália)
. “Sujo”, de Astrid Rondero e Fernanda Valadez (México)
. “Segundo Prêmio”, de Isaki Lacuesta e Pol Rodríguez (Espanha)
. “O Banho do Diabo, de Veronika Franz e Severin Fiala (Áustria)
. “Julie Permanece em Silêncio”, de Leonardo Van Dijl (Bélgica)
. “As Antiguidades”, de Rusudan Glurjidze (Geórgia)
. “Afogamento Seco”, de Laurynas Bareiša (Lituânia)
. “O Vidreiro”, de Usman Riaz (Paquistão)
. “Sob o Vulcão”, de Damian Kocur (Polônia)
. “Ondas”, de Jirí Mádl (República Tcheca)
Mostra Marcello Mastroianni (Centenário)
. “Marcello Mio” (França, 2024), de Christophe Honoré
. “Olhos Negros” (1987), de Nikita Mikhalkov (versão do diretor)
. “Três Vidas e Uma Só Morte” (1996, França), de Raúl Ruiz
. “Dois Destinos” (Itália, 1962), de Valerio Zurlini
. “O Apicultor” (1986, Grécia), de Theo Angelopoulos
. “Viagem ao Princípio do Mundo” (1997, Portugal), de Manoel de Oliveira
. “Um Homem em Estado… Interessante” (1973, França), de Jacques Demy
Alguns destaques internacionais
. “Ao Contrário”, de Jonas Trueba (Espanha)
. “Anora”, de Sean Baker (EUA)
. “Esta minha Vida”, de Sophie Fillières (França)
. “O Maior Bocejo da História”, de Aliyar Rasti (Irã)
. “Dying – A Última Sinfonia”, de Matthias Glasner (Alemanha)
. “O Brutalista”, de Brady Corbet (EUA)
. “Memórias de um Caracol”, de Adam Elliot (Austrália)
. “Happy Holidays”, de Scandar Copti (Palestina)
. “Os Malditos”, de Roberto Minervini (EUA-Itália)
. “Holy Cow”, de Louise Courvoisier (França)
. “Vira-Lata”, de Chiang Wei Liang e You Qiao Yin (China)
. “Aqui as Crianças Não Brincam Juntas”, de Mohsen Makhmalbaf (Irã)
. “Falando com Rios”, de Mohsen Makhmalbaf (Irã)
. “A Lista”, de Hana Makhmalbaf (Irã)
. “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor (Coletivo Palestina-Israel, doc.)
Núcleo Histórico (obras restauradas)
. “Auto de Vitória” (1966), curta de Geraldo Sarno (debate com Tom Zé – Brasil-Bahia)
. “Também Somos Irmãos” (1949), de José Carlos Burle (Brasil-RJ)
. “Tokyo Melody: Um Filme sobre Ryuichi Sakamoto” (1985), de Elizabeth Lennard (França)
. “Os Educadores (2004), de Hans Weingartner (Alemanha)
. “Capitães de Abril” (2000), de Maria de Medeiros (Portugal)
. “Onda Nova – Gayvotas Futebol Clube” (1983), de Ícaro Martins e José Antonio Garcia (Brasil-SP)
. “Um É Pouco, Dois É Bom” (1970), de Odilon Lopez (Brasil-RS)
. “Brincando nos Campos do Senhor” (1991), de Hector Babenco (EUA-Brasil)
. “Abismu” (1977), de Rogério Sganzerla (Brasil)
. “Paris, Texas” (1984), de Wim Wenders (Alemanha-EUA)
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