Cinema brasileiro perde seu maior defensor, o cineasta Cacá Diegues

Por Maria do Rosário Caetano

Se Glauber Rocha foi, nas palavras de Paulo Emilio Salles Gomes, “o profeta do Cinema Novo”, Carlos Diegues, que morreu nessa quinta-feira, aos 84 anos, no Rio de Janeiro, foi seu “defensor juramentado”.

O diretor alagoano, radicado no bairro carioca de Botafogo (berço de seu time do coração), desde os seis anos, viveu para defender o movimento cinematográfico, que integrou ao lado do próprio Glauber, de Nelson Pereira dos Santos, Luiz Carlos Barreto, Ruy Guerra, Paulo Cezar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Walter Lima Jr, Zelito Viana e Eduardo Escorel.

A partir de outubro (estreia prevista para o dia 23), o público poderá assistir a “Deus Ainda é Brasileiro”, derradeiro filme de Cacá Diegues. Realizado com participação ativa de sua companheira, Renata Magalhães, com quem casou-se em 1981, e viveu até seu momento final. De 1967 a 1977, o cineasta foi casado com a cantora Nara Leão, mãe de seus filhos Francisco e Isabel. De seu casamento com Renata nasceu Flora Diegues, que morreu, seis anos atrás, jovem e vítima de câncer no cérebro. Ela era atriz.

“Deus Ainda é Brasileiro” revisita o protagonista, um Todo Poderoso humanizado, interpretado por Antônio Fagundes. No filme original, a figura divina tenta encontrar alguém que possa substitui-la, pois está cansada e deseja gozar de merecidas férias. Escolhe o Brasil como cenário de sua busca e passa a contar com a ajuda do guia Taoca (Wagner Moura). O filme nasceu da obra do baiano João Ubaldo Ribeiro e foi um dos maiores sucessos comerciais da carreira de Diegues (1,6 milhão de espectadores, só perdendo para “Xica da Silva”, que chegou a 3,5 milhões de ingressos).

Já o novo filme, que o diretor alagoano-carioca definia como um “spin-off” e não como uma continuação, conta, mais uma vez, com Antônio Fagundes. Que se soma a novos personagens, interpretados por Otávio Muller, Neusa Borges e dezenas de atores mobilizados em Maceió, nas Alagoas (70% do elenco). Mas “Deus Ainda É Brasileiro”, cujas filmagens se iniciaram em 2022, “necessita de R$700 mil para sua finalização”.

Cacá Diegues realizou doze curtas e 21 longas-metragens (dois destes compostos de episódios). O primeiro, “Cinco Vezes Favela”, produzido pelo CPC da UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional de Estudantes), foi realizado durante o Governo João Goulart. Coube a Diegues dirigir “Escola de Samba Alegria de Viver”. O episódio mais famoso do filme teve direção de Joaquim Pedro (“Couro de Gato”).

Décadas depois, Cacá Diegues produziria, com jovens cineastas cariocas (todos ligados ao grupo Nós do Morro-Nós do Cinema), o “Cinco Vezes Favela – Agora por Nós Mesmos”. Na direção, Luciana Bezerra, Manaíra Carneiro, Luciano Vidigal, Rodrigo Felha, Cacau Amaral e Cadu Barcellos.

O segundo filme em episódios do diretor de “Dias Melhores Virão” foi “Veja esta Canção”, que partiu de momentos luminosos da MPB para contar histórias de amor. O primeiro episódio, baseado em “Drão”, de Gilberto Gil, insere-se no que de melhor Diegues legou ao cinema brasileiro (junto com “A Grande Cidade” e “Chuvas de Verão”).

Diegues dividiu-se, ao longo de sua carreira (iniciada em 1959, com o curta “Fuga”), entre filmes pequenos (como “Ganga Zumba”) e produções mais caras. Destas resultaram “Xica da Silva”, seu maior êxito comercial, “Bye, Bye Brasil”, para muitos seu melhor filme, “Tieta do Agreste” e “Grande Circo Místico”. Esta superprodução rodada em Portugal (onde poderia contar com um circo e imensa variedade de animais, algo não permitido no Brasil) também teve história acidentada. Ou melhor, demorada. Baseado na obra do poeta alagoano Jorge de Lima (1893-1953), “Grande Circo Místico” resultou em imenso fracasso de público. Daí a retomada e busca de inspiração em “Deus é Brasileiro” e nos aliciadores personagens de João Ubaldo Ribeiro (1941-2024).

Carlos Diegues, que ocupou a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras, deixou, além de sua autobiografia (“Vida de Cinema – Antes, Durante e Depois do Cinema Novo”, 2014), mais dois livros – “Cinema Brasileiro: Ideias e Imagens”, de 1988, e “O Diário de Deus é Brasileiro: Notas, Ideias, Imagens e Memórias da Fabricação de um Filme”, 2003).

 

FILMOGRAFIA
Carlos José Fontes Diegues (Maceió-AL, 19/05/1940 – Rio de Janeiro, 14/02/2025)
Cineasta, produtor e membro da Academia Brasileira de Letras

Longas-metragens:

  • 1962 – Cinco Vezes Favela (episódio: “Escola de Samba Alegria de Viver”)
  • 1964 – Ganga Zumba
  • 1966 – A Grande Cidade
  • 1969 – Os Herdeiros
  • 1972 – Quando o Carnaval Chegar
  • 1973 – Joanna Francesa
  • 1976 – Xica da Silva
  • 1978 – Chuvas de Verão
  • 1979 – Bye Bye Brasil
  • 1984 – Quilombo
  • 1987 – Um Trem para as Estrelas
  • 1989 – Dias Melhores Virão
  • 1994 – Veja esta Canção
  • 1996 – Tieta do Agreste
  • 1999 – Orfeu
  • 2003 – Deus É Brasileiro
  • 2006 – O Maior Amor do Mundo
  • 2013 – Rio da Fé – Um Encontro com o Papa Francisco (doc)
  • 2013 – RioFilme: 20 Anos de Cinema Brasileiro
  • 2018 – O Grande Circo Místico
  • 2025 – Deus Ainda É Brasileiro (estreia programada para 23 de outubro deste ano)

Curtas-metragens:

  • 1959 – Fuga
  • 1960 – Brasília
  • 1961 – Domingo
  • 1965 – A Oitava Bienal
  • 1974 – Cinema Íris
  • 1975 – Aníbal Machado
  • 1967 – Oito Universitários
  • 1971 – Receita de Futebol
  • 1985 – Batalha da Alimentação
  • 1986 – Batalha do Transporte
  • 1999 – Reveillon 2000
  • 2000 – Carnaval dos 500 anos

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