“O Brutalista”, forte concorrente ao Oscar, desenha complexo painel da opulência dos EUA no pós-Guerra

Por Maria do Rosário Caetano

“O Brutalista”, terceiro longa-metragem do ator e cineasta norte-americano Brady Corbet, de 36 anos, chega aos cinemas brasileiros nessa quinta-feira, 20 de fevereiro, com prêmios consagradores e dez indicações ao Oscar. Incluindo melhor filme e melhor diretor.

A vitoriosa carreira desse épico de quase quatro horas (com intervalo cronometrado de 15 minutos), começou no Festival de Veneza, no qual Corbet conquistou o Leão de Prata de melhor diretor. E prosseguiu no Globo de Ouro (melhor filme dramático), no Critics’ Choice, Bafta etc. etc. Já acumula mais de quinze troféus.

Quem viu os dois filmes anteriores de Corbet – “A Infância de um Líder” (2015) e “Vox Lux – O Preço da Fama” (2018) –  escritos em parceria com sua companheira, a norueguesa Mona Fastvold –, sabe que o cineasta é um devoto de Nossa Senhora do Contexto.

“A Infância de um Líder”, exibido e premiado na mostra veneziana Horizontes, acompanha a (de)formação de uma criança nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. Falado em inglês, francês e alemão, com Liam Cunninghan, Berénice Bejo, Robert Pattinson, o menino Tom Sweet e Stacy Martin, no elenco, a potente estreia de Corbet desenha sombrio retrato das elites que, findo o terrível conflito bélico, uniram-se para assinar o Tratado de Versailles. Aquele que estabeleceu pesada punição político-financeira aos derrotados: os alemães.

Sem nenhum panfletarismo, a dupla de roteiristas mostra as entranhas do ovo da serpente. As condições objetivas e subjetivas que irão gerar o “líder” visto ainda infante. Seremos, de forma sofisticada e subliminar, levados à conclusão de que, naquele lar, uma espaçosa mansão na França, nascia representação metafórica do futuro dirigente da poderosa Alemanha. A Nação reconstruída que enfrentaria o mundo na Segunda Guerra Mundial.

“Vox Lux – O Preço da Fama”, estrelado por Natalie Portman, Jude Law, Raffey Cassidy e Stacy Martin (atriz dos três longas de Brady Corbet), seria “mais um filme” na linha “depois da tragédia, nasce uma estrela capaz de mobilizar multidões”.

A narrativa é isto e muito mais. O retrato de pré-adolescente vítima, no colégio, de colega armado e pronto para tocar o terror. Iniciará carreira como cantora juvenil-religiosa até conhecer a glória como estrela pop. De nome latino, Celeste (como Madona). Mas o fundo histórico será desenhado, com rigor pelo casal Corbet-Fastvold.

Veremos episódios da conturbada história contemporânea dos EUA no final dos século XX e primeiras décadas do XXI. Os crimes bárbaros em escolas (similares ao de Columbine), que deixaram dezenas de mortos. E o trágico ano de 2001, o da explosão das Torres Gêmeas, será evocado. Corbet e Fastvold cultivam a História (com agá maiúsculo).

“O Brutalista” começa em tempos terríveis, marcados pelo pesadelo do nazi-fascismo (Segunda Guerra Mundial), com seus campos de concentração e milhões de mortos. Um arquiteto visionário, o judeu-húngaro Lázló Tóth (Adrien Brody, multipremiado pelo papel), fugirá da Europa devastada, rumo aos EUA.

Ele deseja reconstruir, no país que liderou os Aliados na Segunda Guerra, sua vida e carreira. E, tão logo possa, tirar sua esposa, Erzsébet (Felicity Jones), também vítima de campo de concentração, das ruínas europeias. Hão de viver juntos um novo tempo.

No país adotivo, na Pensilvânia que o acolhe, Lázló Tóth vai comer o pão que o diabo amassou. Ao invés de planejar obras arquitetônicas, o criativo artista, formado na vanguardista Bauhaus, vai trabalhar como pedreiro.

O autor de tantas e tão respeitadas edificações em seu país de origem está transformando-se em um Zé ninguém. Um dia, porém, conseguirá executar projeto arquitetônico de sua lavra – uma biblioteca na mansão do magnata Harrison Lee van Buren (Guy Pearce, também indicado ao Oscar). Só que o bilionário detesta o que vê.

Por sorte do artista húngaro, uma revista de Arquitetura fica deslumbrada com os volumes, eficiência e beleza de obra tão refinada. E recheia suas páginas com o cenário criado para abrigar os livros. E com o industrial Harrison Lee van Buren posando de mecenas. Dali em diante, Lázló Tóth receberá megaencomenda: criar um centro cultural cristão, em tributo à amada (e saudosa) genitora do magnata.

Os personagens de Corbet e Fastvold são complexos, contraditórios, cheios de arestas. Lázló conseguirá, com ajuda de advogados do industrial, tirar sua esposa Erzsébet do conflagrado território europeu. Mas a mulher, que desembarcará na Pensilvânia, na companhia de uma sobrinha, é uma sombra do passado. Seu corpo esquálido está preso a uma cadeira de rodas, devido às privações alimentares do campo de concentração.

O filme se concentrará na construção do faraônico centro cultural em homenagem à matriarca do clã van Buren. E, claro, nas divergências entre o magnata e o arquiteto.

Numa de suas mais belas sequências (mais pelo visual que pela verossimilhança), “O Brutalista” nos mostrará a dupla (o industrial wasp e o arquiteto judeu) em Carrara, na Itália, ocupada em escolher o mármore mais puro. Aquele que irá decorar a obra, de estilo brutalista, concebida para glorificar e imortalizar a família dos industriais da Pensilvânia.

A alguns podem parecer inverossímeis os imbróglios sexuais ocorridos entre os protagonistas de “O Brutalista” em solo italiano. Da mesma forma, poderá ser encarada sequência que reúne a nata dos amigos de Harrison Lee van Buren em torno de sofisticadíssimo banquete. A dissonância que se construirá não há de parecer muito crível. Mas são detalhes que não obscurecem o matizado épico que Brady Corbet conseguiu realizar com apenas U$10 milhões (cem vezes menos que “Duna 2”, outro concorrente ao Oscar 2025).

Para transformar seu mais ambicioso projeto em realidade, o cineasta norte-americano filmou na Hungria e não escalou nenhum astro de Hollywood, daqueles que cobram cachês milionários e participação nos lucros.

O judeu-americano Adrien Brody (Oscar por “O Pianista”, de Polanski), o australiano Guy Pearce e a britânica Felicity Jones são ótimos atores, mas nenhum deles ganha salários similares aos de Tom Cruise.

Um detalhe importante: a carreira de ator de Brady Corbet o levou a alguns dos sets mais criativos (ou polêmicos) da Europa. Ele integrou elencos do dinamarquês Lars von Trier, do austríaco Michael Haneke, do sueco Ruben Östlund e dos franceses Olivier Assayas, Bertrand Bonello e Mia Hansen-Love.

 

O Brutalista
Reino Unido, EUA, 2024, drama épico, 3h40 + intervalo de 15 minutos
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold
Elenco: Adrien Brody, Guy Pearce, Felicity Jones Stacy Martin, Vanessa Kirby, Alessandro Nivola, Isaach de Bankolé, Mark Rylance, Joe Alwyn, Raffey Cassidy, Emma Laird
Fotografia: Lol Crawley
Montagem: David Jancso
Música: Daniel Blumberg
Distribuição: Universal Pictures
Classificação indicativa: 16 anos

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