“Câncer com Ascendente em Virgem” sustenta-se em elenco de primeira e canções como “O Amanhã” e “Fullgás”
Foto: Marieta Severo, Suzana Pires e Nathália Costa © Mariana Vianna
Por Maria do Rosário Caetano
“Câncer com Ascendente em Virgem” é o segundo filme inspirado na vida da produtora curitibano-manauara-carioca Clélia Bessa, de 62 anos, parceira de muitas décadas da cineasta gringo-carioca (sim, nascida nos EUA) Rosane Svartman, sete anos mais nova. As duas são, além de inseparáveis companheiras de trabalho, amigas e comadres.
Rosane transformou um episódio dramático da história de Clélia – a descoberta de um câncer de mama – em longa-metragem ficcional, protagonizado por Suzana Pires, coadjuvada por time de craques. A maioria mulheres – Marieta Severo, Carla Cristina Cardoso, Fabiana Karla, Julia Konrad e a surpreendente adolescente Nathália Costa, que interpreta Alice, a filha de Clara.
Coube a Nathália representar, na trama ficcional, a única filha de Clélia, Elisa Bessa. Pois foi justo a jovem Elisa, quem dirigiu o segundo filme inspirado em outro episódio dramático, ocorrido na vida da produtora de dezenas de filmes assinados (além de Rosane Svartman), por Lírio Ferreira, Hilton Lacerda, Helena Solberg, Domingos Oliveira, Bruno Vianna, Paulo Caldas e Marcelo Luna.
Quem assistir ao curta-metragem “Você”, laureado com o Prêmio Canal Brasil (no Festival Curta Cinema do Rio de Janeiro, 2024), verá mãe (Clélia, em pessoa) e filha (Elisa, idem) em angustiada conversa com uma delegada de polícia. As duas temem que o ex-companheiro da produtora, pai de sua filha, tenha sido vítima de uma tragédia da natureza.
Em sete densos minutos, a mãe revisitará memórias de convivência com o ex-marido. E, junto com a filha, rememorará ausências que condicionaram a vida do pai (ele mesmo ausente na vida de Elisa). O tom é tenso. Bem que algumas salas, aquelas dedicadas a um público “cult”, poderiam somar “Você” ao longa de Rosane Svartman. O contraste seria dos mais enriquecedores.
O tom de “Câncer com Ascendente em Virgem”, um filme pleno de cores, figurinos descolados, diálogos precisos e roteiro bem-costurado, é alto astral. E, ao mesmo tempo, capaz de arrancar lágrimas e injetar esperança em cada poro das espectadoras (e dos espectadores sensíveis). Em especial, daquelas que têm, ou tiveram, câncer, e de seus parentes. E mesmo dos que passaram ao largo deste mal, que muitos preferem não nominar.
A partir dessa quinta-feira, 27 de março, o novo longa-metragem de Rosane Svartman, também autora de telenovelas na TV Globo, chega a dezenas de salas de cinemas espalhadas por todo o território brasileiro. Com distribuição da Downtown, de Bruno Wainer. E, nesse momento alvissareiro vivido pelo cinema brasileiro, com capacidade de chegar à almejada casa do milhão de espectadores.
A gênese de “Câncer com Ascendente em Virgem” brotou do blog “Estou com Câncer, e Daí?”, mantido por Clélia Bessa, ao longo do ano de 2008, quando ela se viu obrigada a fazer sessões de quimioterapia, perdeu os cabelos e usou um lenço para cobrir a careca. O blog, sem chororô, deu origem a um livro (agora lançado pela Editora Cobogó) e, claro, ao filme. O roteiro foi escrito por sua protagonista Suzana Pires, em parceria com Martha Mendonça e Pedro Reinato. E a colaboração bem-vinda de Ana Michelle, Rosane Svartman e Elisa Bessa.
O que o espectador verá é um filme que narra um drama (a luta contra o câncer de mama), mas o faz com humor e muita música. Dois momentos, em especial, ficarão na memória do espectador. Aquele em que Marieta Severo, intérprete da mística Leda, a espaçosa mãe de Clara, canta “O Amanhã”, famoso samba-enredo da União da Ilha (do Governador). Canta para alegrar a filha, a neta e a si mesma.
No outro momento melômano, Mart’nália recria a tocante “Fullgás”, de Marina Lima e Antônio Cícero, que muitos conheceram na voz aliciante de Itamar Assumpção. Alguns dos versos desse imenso sucesso merecem transcrição, pois estão em sintonia fina com o que vemos na tela: “Só vou te contar um segredo/ Não, nada/ Nada de mal nos alcança/ Pois tendo você meu brinquedo/ Nada machuca, nem cansa”.
Por que Clara, a protagonista de “Câncer com Ascendente em Virgem” não é, na trama, uma produtora de cinema, como Clélia Bessa?
Em encontro com a imprensa paulistana, a comadre de Rosane Svartman explicitou a razão que guiou o roteiro: “mudamos, porque vida de produtora de cinema não tem graça!”. E acrescentou: “a Clara, que me representa no filme, é professora de Matemática. Eu dava aulas de Produção Cinematográfica na PUC-Rio!”
Na verdade, os roteiristas, comandados por Suzana Pires, que abraçou o filme com a devoção de um católico diante da Capela Sistina, tiveram liberdade para criar “uma ficção muito livre”. Preservando, claro, o núcleo duro da experiência de Clélia Bessa no período do enfrentamento do câncer de mama.
Rosane Svartman e sua equipe lembraram que “o projeto durou três anos e meio”. Desde a primeira versão do roteiro, orientada por Ana Mi, do projeto Casa Paliativa, adotamos o mote: “a luta contra o câncer não é uma batalha a ser vencida, é uma jornada”.
A cineasta, que fez a supervisão final do roteiro, lembrou as liberdades tomadas e os nomes fictícios de todos os personagens. “Claro que muitas amigas deram suporte a Clélia naqueles momentos difíceis, mas resumimos muitas delas em Paula, a amiga com quem ela se diverte e vai dançar, e Dircinha, que ela conhece da feira de artesanato e com quem enfrentará sessões de quimioterapia”.
Desde o início do projeto “Câncer com Ascendente em Virgem”, a ideia era ter Suzana Pires, carioca de 48 anos, famosa por seu papeis cômicos, na pele da efusiva professora de Matemática surpreendida pelo câncer de mama. Formada em Filosofia, Suzana se firmou na TV tanto em telenovelas quanto em programas humorísticos. E sempre gostou de escrever.
No encontro com a imprensa, Suzana deu respostas sintéticas e substantivas ao que lhe foi perguntado. Além de seu desempenho como atriz (ela está presente em praticamente todas as cenas do filme), mostrou seu pleno conhecimento de “Câncer com Ascendente em Virgem”. Afinal, foi, além de protagonista, sua principal roteirista. Garantiu que a equipe, majoritariamente feminina, queria realizar um filme, que além de dialogar com o público, se sustentasse em “roteiro sólido, escrito e reescrito”. É isso que os espectadores encontrarão na tela. Uma narrativa que não está preocupada em inovar, nem garantir vaga na história do cinema. Mas, sim, em dialogar com aqueles que passaram, como Clélia, por muitas aflições e sessões de quimioterapia e chegaram, vivos, ao final da jornada.
Outros terão destino diverso. Caso da personagem Dircinha, interpretada por Fabiana Karla. A atriz, “uma caricata histriônica”, como ela mesma se definiu, aparece em tom menor e dá vida, com muita sensibilidade, a paciente que se torna companheira – durante as sessões de quimioterapia – de Clara.
A Revista de CINEMA perguntou a Suzana Pires se ela permitira que sua cabeça fosse raspada, perdendo os longos cabelos de Clara (e dela!). Ou a IA (Inteligência Artificial) fora o recurso que a poupara de tal perda?
A atriz, depois de garantir que, por toda a vida foi “cabeluda, sabe aquela carioca cabelão?!”, assegurou que não houve nenhum truque na sequência da raspagem de seus longos fios. “Foi tudo verdade. Rasparam cada mecha de meus cabelos. Não foi, Marieta?”
A “mãe” de Clara, a atriz Marieta Severo, responsável pela raspagem (sob o olhar atento da “neta” Alice), confirmou e deu detalhes: “Foi a cena mais difícil do filme. Quando colocaram aquele aparelho na minha mão, eu tremi. Nunca tinha visto um de perto, imagina manuseá-lo. Me deram instruções e fiz o que pude, morrendo de medo de machucar a Suzana”.
Clara e sua história de vida motivaram a protagonista de “Câncer com Ascendente em Virgem” a abandonar de vez o cabelão. “Adotei, para sempre, o cabelinho curto, bem curto. E estou muito satisfeita”.
E, por fim, Clélia Bessa esclareceu que os depoimentos (testemunhos) que ouvimos no filme são reais, mas que as mulheres que aparecem na tela são atrizes. “Elas dão voz a muitas mulheres que enfrentaram o câncer”.
Câncer com Ascendente em Virgem
Brasil, 2025, 100 minutos
Direção: Rosane Svartman
Produção: Clélia Bessa (Raccord)
Roteiro: Suzana Pires, Martha Mendonça e Pedro Reinato
Elenco: Suzana Pires (Clara), Marieta Severo (Leda), Fabiana Karla (Dircinha), Carla Cristina Cardoso (Paula), Julia Konrad (Ju), Ângelo Paes Leme (Renato), Maria Gal (Dra. Carolina), Yuri Marçal (youtuber famoso), Heitor Martinez (Marcos)
Fotografia: Dudu Miranda
Montagem: Natara Ney
Trilha Sonora: Flavia Tygel
Direção de Arte: Fabiana Egrejas, Cibele Santa Cruz e Junior Prado
Figurino: Márcia Tacsir
Edição de som: Maria Muricy
Mixagem: Armando Torres Jr.
Coprodução: Globo Filmes e RioFilme
Distribuição: Downtown Filmes
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