Com saudade e poesia, documentário enquadra Antonio Bandeira na arte e no tempo
Por Arthur Gadelha
Dirigido por Joe Pimentel, “Antonio Bandeira – O Poeta das Cores” chega aos cinemas para reforçar o elo entre um artista e seu tempo.
“Quero fazer ressaltar que a pintura no Ceará existe, de fato. Não é uma utopia”, narra uma voz carregada de certeza em dado momento de “Antonio Bandeira – O Poeta das Cores”. Vencedor do Troféu Mucuripe de Melhor Longa-metragem cearense no 34º Cine Ceará, o documentário toma para si uma missão arriscada: não apenas resgatar a trajetória do pintor cearense, mas compreender por que sua existência faz parte da história do mundo.
Tendo como personagem central um artista plástico aparentemente difícil de decifrar para além dos mistérios da sua própria abstração, o filme sabe ser objetivo com os relatos e as imagens de arquivo, ao mesmo tempo que deixa sua linguagem sentir e fazer parte das emoções.
Afastado do sentimento de reportagem ou telefilme, formatos comuns e geralmente limitados na investigação entre autor e obra, a montagem consegue supor a própria ficção para encontrar melancolia e certo deslumbre em meio a saudade. A presença do sobrinho Francisco Bandeira quebra a ausência dessa homenagem póstuma, sobretudo, numa espécie de encenação entre passado e presente de alguém que estava alguns passos adiante. De repente, é ele que está ali, caminhando ao redor do próprio túmulo.
Em primeira instância, há um propósito celebrativo de reafirmar a naturalidade de Bandeira como um artista cearense, que viu sua arte nascer ainda no próprio berço. Esse ponto de partida, no entanto, engata para uma investigação mais abrangente de aspirações, trajetos e fronteiras que o orbitaram em vida para mantê-lo como um criador.
Ao olhar para as fases da sua vida de forma cronológica, captando da brandura à maturidade, o documentário acaba traçando também um panorama do que era ser um artista no século XX – período tão grave à construção da identidade cultural do Brasil, em meio às guerras pelo mundo e ditaduras nacionais, ao conviver com a ascensão e expansão de mídias como TV e rádio. O que significava, naquele tempo, parar o tempo? A obra de Bandeira não era uma resposta à velocidade do mundo, mas à sua suspensão.
Com grande esforço para localizá-lo no tempo e no espaço, há uma construção da sua arte pelas coisas que explodiam ao redor, mostrando a forma peculiar como ele conseguiu os incorporar num ato de explosão de si mesmo. Entre modernismo e expressionismo, a “fuga dos ismos”.
Além de professores e pesquisadores, o filme também dá espaço para artistas e gestores que reconhecem a influência de sua obra: além do já mítico Zé Tarcísio – que também merecia um filme como esse – e o popular cineasta Halder Gomes, surgem também nomes como Mariana Martins, Fabiano Piúba, Fausto Nilo e Silas de Paula.
O que dá personalidade a “Antonio Bandeira – Poeta das Cores” é a condução de um ritmo distante da urgência ou da mera burocracia de completar uma história com falas empilhadas. Ao longo de toda a projeção, a trilha sonora, as fotos e os registros vivos de um passado estranhamente acolhedor – elementos sutis que constroem a sensação de uma memória radiante.
Lembrar da vida e da arte de Bandeira, afinal, é perceber que quase 60 anos depois da sua morte, a abstração continua fazendo mais sentido do que o delírio desse mundo tão real, ainda mais mergulhado nas guerras e numa velocidade cruel. “A vida é um instante, o tempo uma ilusão. […] E a história não termina… nunca”.
Arthur Gadelha é crítico de cinema, roteirista, produtor, membro de associações críticas como Aceccine e Abraccine. Curador dos festivais Cine Ceará (CE) e Guarnicê (MA), também integrou júris de eventos como For Rainbow, Noia e Cine PE. Escreve críticas, entrevistas e artigos, fazendo coberturas de festivais como Olhar de Cinema, Tiradentes, Gramado e Cannes. É graduado em Comunicação com pesquisa sobre jornalismo, crítica e cinema brasileiro, tendo também formação em Cinema pelas escolas públicas Porto Iracema das Artes e Casa Amarela Eusélio Oliveira (UFC).
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