Crime e suspense na zona norte carioca
Duas influências vêm à tona em “O Lobo Atrás da Porta”, primeiro longa-metragem de Fernando Coimbra, centrado no desaparecimento de uma menina (interpretada por Isabelle Ribas), filha de Sylvia (Fabíula Nascimento) e Bernardo (Milhem Cortaz) – que mantém relacionamento extraconjugal com Rosa (Leandra Leal): a figura de Medeia, personagem-título da tragédia de Eurípedes, que mata os próprios filhos para se vingar de Jasão, marido que a deixou por uma mulher mais nova e mais rica. Este é o caso da Fera da Penha (no caso do filme é uma madrasta), como ficou conhecida Neyde Maria Lopes, que, em 30 de junho de 1960, assassinou a filha do amante, Tânia Maria Coelho Araújo, de quatro anos.
O diretor se interessou pela história que mobilizou o Brasil há mais de cinco décadas devido ao retrato contundente de Neyde – “aberração”, “monstro” –, conforme normalmente difundido. A intenção de Coimbra não foi minimizar a crueldade do feito. “É uma história que evidencia uma faceta brutal, instintiva, que faz parte do ser humano. O crime de Neyde foi passional – portanto, humano –, o que, claro, não o justifica. No meu filme, se Rosa não tivesse se deparado com Bernardo e a história, se desenrolado de certa maneira, ela provavelmente acabaria se casando e tendo filhos. Por outro lado, há algo específico na personalidade dela que a levou a agir assim”, explica Coimbra, que se lembra de mais um crime de características parecidas, ocorrido em Duque de Caxias, no início de 2011: o assassinato de uma menina de seis anos, Lavínia, por Luciene Reis, amante do pai da garota.
O suspense acima do social
Coimbra, porém, relativiza as referências da realidade. “O projeto original era adaptar o caso da Fera da Penha. Mas, com o passar do tempo, o caso se tornou menos determinante”, afirma Fernando Coimbra, que também assina o roteiro. O cineasta não estruturou o filme – que custou R$ 1,5 milhão e deverá chegar aos cinemas ainda este ano – como a reconstituição ficcional de um fato marcante da vida brasileira. Ao invés disso, aproximou-se da gramática do suspense. Para tanto, investiu na interpretação dos atores e nos minuciosos trabalhos de fotografia – a cargo de Lula Carvalho, parceiro profissional de longa data (ver box) – e som – de Ricardo Cutz. O resultado agradou na última edição do Festival do Rio, de onde saiu com o troféu Redentor de melhor filme de ficção – dividido com “De Menor” (2012), de Caru Alves de Souza – e de melhor atriz para Leandra Leal.
A câmera permanece próxima dos atores – alguns bastante valorizados nos dias de hoje, como Leandra Leal, Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento, e Juliano Cazarré no papel do delegado incumbido de desvendar o desaparecimento da menina. Há ainda outros nomes importantes, como os de Emiliano Queiroz, Tamara Taxman – ambos convidados para os personagens dos pais de Rosa –, Karine Telles, como a diretora da creche, atriz revelada e premiada em “Riscado” (2010), de Gustavo Pizzi, e Thalita Carauta, que despontou no teatro na comédia “Os Suburbanos”. “Não foi difícil conciliar agendas. Tivemos sorte. Eu já conhecia Leandra e Milhem. Paulo (Tiefenthaler) é meu amigo. Juliano veio até nós. É amigo de Milhem e Fabíula. E Leandra trouxe Tamara – que é madrinha dela – e Emiliano”, conta.
Rio Zona Norte
Outro elemento que sobressai é a cuidadosa seleção das locações, todas em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro. De início, Fernando Coimbra decidiu ambientar na Zona Norte por causa da conexão com o caso da Fera da Penha. Mas os bairros de Marechal Hermes e Oswaldo Cruz foram elevados à categoria de personagens. “A história é universal. Justamente por isso, precisa pertencer a um lugar. No subúrbio, as pessoas se encontram no trem, puxam conversa. Há a facilidade de comunicação, o que daria mais credibilidade ao contato casual entre Bernardo e Rosa”, destaca.
O diretor não optou pelos dois bairros de forma aleatória. “Antes de rodar, estudei o perfil de cada bairro. Marechal Hermes é diferente, com ruas largas, planejamento geográfico. Por destoar, em alguma medida, na paisagem do subúrbio, identifiquei com Rosa, que é meio peixe fora d’água, isolada, introspectiva. É como se não pertencesse àquele lugar e chamasse atenção no trem. Além disso, é um bairro de poder aquisitivo um pouco maior, se comparado às demais regiões. Eu queria que Rosa viesse de uma família que tivesse sido detentora de algum dinheiro, mas vivesse em fase decadente”, disseca Coimbra, que teve preocupação semelhante ao buscar ambientação para a casa de Bernardo. “Escolhi Oswaldo Cruz pela especificidade da estação de trem. E devido à sintonia com a situação de Bernardo, que se mudou recentemente, mora em lugar mais novo, adaptado”, assinala o diretor, que filmou o interior da casa dele em outro bairro, Sulacap.
Também foi uma investigação em campo pouco conhecido para Fernando Coimbra, diretor louvado por seus curtas-metragens anteriores – principalmente “Trópico das Cabras” (2007) –, que cursou cinema na USP. Este, contudo, não foi o início da sua trajetória. Ator, Coimbra integrou o Teatro Oficina, grupo conduzido por José Celso Martinez Corrêa, durante cerca de dez anos. Entrou na companhia em 1996 e participou de encenações como “Pra Dar um Fim no Juízo de Deus”, a partir de peça radiofônica de Antonin Artaud, “Taniko, o Rito do Vale”, exemplar de Teatro Nô escrito no século XV, “Cacilda”, do próprio Zé Celso, e da remontagem de “Ham-let”, releitura do texto de William Shakespeare para registro em DVD.
Enveredou pelo grandioso projeto de transposição teatral de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, que gerou cinco espetáculos somando mais de 24 horas de duração – e não “só” como ator. Foi assistente de direção de Zé Celso em “A Terra”, dirigiu o DVD e adaptou com ele “O Homem 1”, tarefa (a última) que repetiu em “O Homem 2”, e ficou encarregado da direção de vídeo de “A Luta 2”. Agora, voltar a atuar não está nos seus planos. “Nunca foi o que realmente desejei. Eu me acho bem mediano como ator”, confessa o cineasta, que atuou num de seus curtas, “Pobres Diabos no Paraíso” (2005).
A câmera conceitual de Lula Carvalho
Muito do resultado alcançado em “O Lobo Atrás da Porta” se deve ao rigor conceitual da direção de fotografia de Lula Carvalho. Determinadas opções imperam ao longo da projeção, como a proximidade da câmera em relação aos atores.
O critério não é o mesmo para todos os personagens. De início, o público não vê o delegado – apenas ouve sua voz. Aos poucos, sua imagem vai sendo revelada. Já no que se refere aos pais de Rosa, a plateia vê o pai, mas não o escuta, e ouve a mãe, cuja imagem surge embaçada. “Ruy Guerra diz que o filme acontece fora do quadro. É um estímulo à imaginação do espectador. Há exemplos desse procedimento em ‘O Lobo Atrás da Porta’. Dentro do apartamento, onde os amantes se encontram, não existe lente aberta descortinando todo o lugar. Enquadro uma parte do quarto e levo a plateia a pensar na outra”, frisa Lula Carvalho, que trabalhou com Guerra na função de assistente de câmera em “O Veneno da Madrugada” (2004).
Carvalho instituiu momentos em que a câmera participaria da ação e outros em que permaneceria como observadora, o que ocorre durante a maior parte do tempo. “Na passagem da lavagem da escadaria da Igreja da Penha, a câmera está dentro da cena. É um instante extremo para Rosa. A câmera também a acompanha quando ela vai até o trabalho de Bernardo. Ali, ela passa de um limite”, cita.
O caminho para o mercado internacional – Filho do prestigiado diretor de fotografia Walter Carvalho, Lula assinou a fotografia de filmes dirigidos pelo pai – “Moacir Arte Bruta” (2005), “Budapeste” (2009) e “Raul – O Início, o Meio e o Fim” (2011), este último realizado em parceria com Evaldo Mocarzel. Mas ambos trabalharam juntos outras vezes em produções nas quais Walter fez a fotografia e Lula, operação ou assistência de câmera. “Nós nos aproximamos na crença de que a intuição é relevante. Mas meu pai possui um baú de informações bem mais rico que o meu. Ele é um poeta, enquanto que eu sou um simples mortal”, avalia, sem economizar na modéstia.
Nos últimos tempos, Lula Carvalho transcendeu as fronteiras brasileiras e mergulhou no mercado internacional a partir de convites para assinar as fotografias de “Robocop”, dirigido por José Padilha, e “As Tartarugas Ninja”, de Jonathan Liebesman. Ficou um ano e meio fora do Brasil – o primeiro foi filmado em Toronto e o segundo, em Nova York. “São produções com orçamentos altíssimos. É preciso ter consciência do que as pessoas esperam de você. A partir daí, consegue ser autoral dentro da proposta”, sublinha Carvalho, que, ao voltar, se engajou no registro das manifestações que, há meses, têm tomado conta do país. “Eu me juntei ao coletivo que tenta fazer mídia alternativa, tendo em vista que considero manipuladora a visão transmitida pela oficial”, opina.
Por Daniel Schenker
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ADOREI O FILME, EU SEMPRE SOUBE QUE A NEIDE ERA A VÍTIMA, DIZEM QUE ELA SE CASOU COM O DIRETOR DA PRISÃO E TEM UMA FILHA, QUE EU TORÇO PARA QUE SEJA VERDADE!
Alguém tem a foto dela idosa? Se tiverem me manda por favor, meu instagram é carbokatherine