O rei do melodrama?
O crítico Ricardo Calil, ao assistir ao filme “As Canções”, de Eduardo Coutinho (1933-2014), atribuiu ao documentarista o aposto de “o rei do melodrama”. Afinal, vislumbrou, nas narrativas rememoradas pelos “personagens” selecionados pelo cineasta, histórias de amores desfeitos, abandonos, traições, traumas e violência. Antes de cantar a música de sua vida, homens e mulheres contavam histórias de muito sofrer.
Claudio Bezerra, professor da Universidade Católica de Recife, em seu livro “A Personagem no Documentário de Eduardo Coutinho”, que nasceu como tese de doutorado defendida na Unicamp e foi editado pela Papirus, concorda com Calil e anexa mais dois títulos de Coutinho ao filão melodramático: “Edifício Master” e “Jogo de Cena”. Nestes filmes, os personagens desfiam um rosário de lágrimas.
No campo temático, não há como negar que os testemunhos de vida das pessoas ouvidas por Coutinho se aproximam do melodrama. Só que o diretor nunca busca a catarse, marca essencial do gênero. Busca, isto sim, a reflexão, o distanciamento crítico. Seus documentários não nos querem aos prantos, mas pensando. Afinal, entre os mandamentos do proceder cinematográfico do diretor está a condenação explícita do close em rostos que vertem lágrimas. Esta prática ele sempre deixou para a TV, seja no jornalismo, seja nas telenovelas.
No sofisticadíssimo “Jogo de Cena”, Coutinho nos arremessa num labirinto de representações. Nos tira o chão. Quem diz a verdade, quem mente, quem representa quem? Fernanda Torres “representa” uma mulher anônima ou coloca muito de si mesma, de sua história de vida, no que fala? Tomar Coutinho como um dos “reis do melodrama” é analisar apenas o conteúdo de alguns de seus filmes. Mas não a elaboração que dá a tais conteúdos.